Vicente Jorge Silva
– Sol, opinião
Sabíamos que a
história da crise financeira internacional tinha começado com a falência do
Lehman Brothers e a explosão dos produtos tóxicos inventados por algumas
instituições de crédito americanas e que se espalharam como uma mancha de óleo
até à Europa.
O crash com origem
no lado de lá do Atlântico pôs a descoberto, no lado de cá, os desequilíbrios
das contas públicas e condenou os países mais vulneráveis à tutela dos credores
externos e a implacáveis políticas de austeridade.
Foi, primeiro, a
Grécia, cujas contas tinham sido falsificadas com a ajuda do Goldman Sachs, da
Irlanda, com os seus bancos em bancarrota, ou de Portugal, com o aventureirismo
insustentável das obras públicas ou do imobiliário. Mas a mancha foi
alastrando, sem poupar algumas economias nucleares da zona euro, como a
Espanha, a Itália ou a França.
Sabíamos também já
quais foram as consequências dessas políticas onde foram aplicadas: quanto mais
se acentuou a austeridade, mais a economia e a sociedade caminharam para a
desertificação de recursos materiais e humanos (de que o fenómeno mais
dramático é o desemprego).
O que não sabíamos
ainda era que existia um nexo de origem entre os efeitos desastrosos da finança
tóxica que, em 2008, precipitou os Estados Unidos numa convulsão equiparável à
depressão dos anos 1930, e o tecido empresarial público português. Ou seja, os
Metros de Lisboa e do Porto, a STCP, a Carris, as Águas de Portugal e a empresa
gestora das reservas petrolíferas (a Egrep), num total de 15 entidades
públicas, tinham celebrado contratos tóxicos (os agora familiares swap) cujas
taxas de juro dispararam para 20 por cento.
Resultado: como se
a dimensão do nosso buraco financeiro não fosse já assustadora – e não se
tivesse agravado nos últimos anos – terá agora de ser alargada para mais alguns
(ou muitos?) milhares de milhões de euros. Afinal, o aventureirismo
irresponsável dos investimentos em auto-estradas e vias rápidas era apenas o
mais visível de outros aventureirismos especulativos que deixam o sector
empresarial do Estado em situação calamitosa.
O novo-riquismo do
betão foi acompanhado pelo novo-riquismo financeiro, por obra e graça do
deslumbramento de alguns gestores públicos deixados à rédea solta e sem
enquadramento de instituições de supervisão. E, como sempre, acordámos tarde
para a descoberta do desastre.
Entretanto, por
ironia, o último episódio da «remodelação permanente» do Governo, como lhe
chama Ricardo Costa, foi em parte motivado pela saída de dois secretários de
Estado com anteriores responsabilidades na gestão de empresas envolvidas nos
contratos tóxicos (sendo que dois outros ainda em funções podem vir a ser
atingidos pelo desenrolar do processo, o que suscitaria mais uma remodelação
para preencher os lugares vagos e, eventualmente, alargar o leque de novos
secretários de Estado).
Este Governo tão
inflacionado de secretários de Estado como carente de ministros com poder
efectivo sobre uma imensidade de áreas dispersas, sujeito a arranjos e remendos
com frequência crescente, dá bem a imagem da sua desintegração política. Como
se não bastassem as querelas entre os parceiros da coligação e as ambições
sucessivamente frustradas de Paulo Portas em tutelar a Economia, a ausência de
estratégia política – que é o pecado original do Executivo de Passos Coelho –
voltou a ser ilustrada pela divulgação parcial do pacote de crescimento
económico pelo ressuscitado ministro Álvaro Santos Pereira.
Se não está em
causa a pertinência de algumas medidas, aliás propostas há largo tempo pela
oposição e o próprio CDS – no campo do crédito às PME, na baixa de impostos
para as empresas, na criação de um banco de fomento ou até no papel atribuído à
Caixa Geral de Depósitos que, no início do seu mandato, o Governo se propunha
privatizar… –, porque é que o Executivo acordou só agora para uma necessidade
estrutural que o devia ter motivado desde o primeiro dia?
Deixou-se Vítor
Gaspar e a troika arrasarem a economia do país para, depois disso, tentar
erguer, entre as ruínas, um projecto de crescimento económico que, pelos
números conhecidos, se mostra manifestamente insuficiente para compensar os
efeitos devastadores da política recessiva seguida até aqui e reanimar uma
procura interna em estado vegetativo (sabendo nós que a aposta nas exportações,
pelo menos no quadro recessivo europeu, se encontra seriamente debilitada).
Os fundos perdidos
nos contratos tóxicos intoxicaram ainda mais a economia portuguesa. Se tivermos
em conta o que esses fundos perdidos poderiam representar num esforço real de
crescimento económico, essa toxicidade torna-se simplesmente irrespirável.
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