Dom Francisco
Chimoio diz que desigualdades sociais podem perigar a paz
O País (mz)
O arcebispo de
Maputo considera que a ocupação da base de Santungira não foi uma decisão
correcta. Dom Francisco Chimoio apela às delegações a assumirem um diálogo
sincero e a evitarem partir à mesa com respostas nos bolsos
O que marcou a
comunidade cristã católica em 2013?
No dia 28 de
fevereiro, Bento XVI renunciou ao papado. Graças a Deus, a 13 de março, foi
escolhido o Papa Francisco. Tivemos a conclusão do ano da fé no dia 24 de
novembro, que tinha sido iniciado a 11 de Novembro de 2012. Perdemos o dom
Bernardo Filipe Governo no dia 21 de Outubro, em Quelimane, vítima de doença.
Tivemos também o falecimento do dom Luís Gonzaga Ferreira da Silva e do
monsenhor Mabuianga, na África do Sul. Tivemos, a nível da nossa igreja,
ordenações sacerdotais. No dia 21 de Dezembro, foram ordenados dois sacerdotes
e um diácono.
E, fora da igreja?
Marcou-nos a tensão
que existe no nosso país, sobretudo no troço entre rio Save e Muxúnguè (na
Estrada Nacional Número Um). É uma situação que cria muitos transtornos para
pessoas que querem viajar e desestabiliza o ritmo que tínhamos de crescimento
económico. Em janeiro e fevereiro, tivemos cheias no Chókwè, que dizimaram
vidas humanas e destruíram bens materiais e culturas diversas. Mais
recentemente, tivemos o despenhamento do avião que resultou na morte das 33
pessoas a bordo, incluindo a tripulação. Lamentamos isso e, como gesto de
solidariedade com as famílias enlutadas, celebrámos uma missa. Marcámos
presença também na cerimónia ecuménica no pavilhão do Maxaquene. Mas, durante o
ano, acompanhámos a exploração do carvão de Moatize e notámos que há mais
pessoas que conseguiram emprego e estão a melhorar as suas vidas.
Como avalia o
diálogo entre o Governo e a Renamo?
Que seja um diálogo
eficiente, sincero, transparente e que leve à conquista, de novo, da paz. Sem o
diálogo, é muito difícil conseguirmos descobrir no nosso irmão algo de bom. Com
o diálogo, podemos diminuir as distâncias, podemos evitar ter um pensamento que
não corresponde ao que o nosso irmão é. O princípio é este: não há uma pessoa
que seja 100% má. Todas as pessoas têm algo de bom. É esse algo de bom que
devemos descobrir e valorizar. Na nossa vivência, como moçambicanos, temos que
nos sentir verdadeiramente cidadãos deste país. E ser cidadãos deste país
significa ter responsabilidades, deveres e direitos. Os direitos consignados
pela Constituição são realmente para todos os moçambicanos, em qualquer
situação em que se encontre. Mas é necessário que nos demos as mãos. O país
precisa de nós, precisa da nossa compreensão e precisa, sobretudo, de trabalho
em conjunto. A nossa solidariedade com todas as pessoas há-de criar uma família
única de moçambicanos. O diálogo deve ser sempre cultivado e sempre querido.
Há dois meses que
prevalece o impasse no diálogo. O que estará a falhar?
É difícil saber o
que está a falhar. Mas vemos que uma coisa podia ser feito. Que dialoguem mais
e que sejam mais sinceros no seu diálogo. Que não vão com ideias de saírem
vitoriosos. Uma pessoa que vai dialogar não deve ir com respostas no bolso e
ideias prévias. As pessoas que vão dialogar vão desarmadas. É preciso ouvir o
que o teu interlocutor tem a dizer e ele ouvir o que tens a dizer. Depois
discutir o que pode ser feito.
Não estará a faltar
confiança mútua entre as duas delegações?
Quando alguém
desconfia, é sinal de que alguma coisa pressente não vai bem. Faltaram os
encontros habituais onde as pessoas poderiam dizer as coisas. Cada um andou
como andou. Era necessário que houvesse sempre esses encontros, mas ficámos
tranquilos depois do cessar fogo. Temos que retomar o caminho do diálogo. Mas
tem de ser seriamente, como foi para o cessar-fogo da guerra civil.
Defende a
necessidade da mediação internacional do diálogo entre o Governo e a Renamo?
Se a presença dos
mediadores vem facilitar a paz, bem-vinda à paz. Aquilo que nós queremos é que
os moçambicanos não vivam numa situação de angústia e de medo. Fomos falar com
o Chefe de Estado e dissemos que é necessário que o cenário de guerra termine.
Está nas suas mãos, como Presidente da República, resolver esse problema. Ele
respondeu que estava a ter contactos com a outra parte. Acreditamos naquilo que
ele disse e esperamos que, de facto, a paz volte.
Volvidos 21 anos
após o acordo de paz, era previsível que voltássemos a ter viaturas escoltadas
na estrada?
Eu não tinha
nenhuma previsão para isso. Estava convencido de que continuaríamos em paz.
Fiquei também admirado e triste ao ver, depois de tanto tempo a conviver em
paz, muitos investidores e infra-estruturas melhoradas, de novo o sangue a ser
derramado nas estradas. Apelo que abdiquemos do caminho militar e sigamos a via
do diálogo. Cada pessoa que vai dialogar deve tocar no seu coração e lembrar-se
que aquelas pessoas que estão a morrer são cidadãos moçambicanos que gostariam
de realizar os seus sonhos. As pessoas não podem dizer que isto não depende de
mim. Cada um deve fazer o seu melhor no sector onde se encontra. Ser honesto e
respeitar o outro, procurar sentir-se parte integrante na construção deste
país.
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