terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Moçambique: Há ricos que nem sabem quanto têm e pobres que não sabem o que vão comer

 


Dom Francisco Chimoio diz que desigualdades sociais podem perigar a paz

O País (mz)
 
O arcebispo de Maputo considera que a ocupação da base de Santungira não foi uma decisão correcta. Dom Francisco Chimoio apela às delegações a assumirem um diálogo sincero e a evitarem partir à mesa com respostas nos bolsos
 
O que marcou a comunidade cristã católica em 2013?
 
No dia 28 de fevereiro, Bento XVI renunciou ao papado. Graças a Deus, a 13 de março, foi escolhido o Papa Francisco. Tivemos a conclusão do ano da fé no dia 24 de novembro, que tinha sido iniciado a 11 de Novembro de 2012. Perdemos o dom Bernardo Filipe Governo no dia 21 de Outubro, em Quelimane, vítima de doença. Tivemos também o falecimento do dom Luís Gonzaga Ferreira da Silva e do monsenhor Mabuianga, na África do Sul. Tivemos, a nível da nossa igreja, ordenações sacerdotais. No dia 21 de Dezembro, foram ordenados dois sacerdotes e um diácono.
 
E, fora da igreja?
 
Marcou-nos a tensão que existe no nosso país, sobretudo no troço entre rio Save e Muxúnguè (na Estrada Nacional Número Um). É uma situação que cria muitos transtornos para pessoas que querem viajar e desestabiliza o ritmo que tínhamos de crescimento económico. Em janeiro e fevereiro, tivemos cheias no Chókwè, que dizimaram vidas humanas e destruíram bens materiais e culturas diversas. Mais recentemente, tivemos o despenhamento do avião que resultou na morte das 33 pessoas a bordo, incluindo a tripulação. Lamentamos isso e, como gesto de solidariedade com as famílias enlutadas, celebrámos uma missa. Marcámos presença também na cerimónia ecuménica no pavilhão do Maxaquene. Mas, durante o ano, acompanhámos a exploração do carvão de Moatize e notámos que há mais pessoas que conseguiram emprego e estão a melhorar as suas vidas.
 
Como avalia o diálogo entre o Governo e a Renamo?
 
Que seja um diálogo eficiente, sincero, transparente e que leve à conquista, de novo, da paz. Sem o diálogo, é muito difícil conseguirmos descobrir no nosso irmão algo de bom. Com o diálogo, podemos diminuir as distâncias, podemos evitar ter um pensamento que não corresponde ao que o nosso irmão é. O princípio é este: não há uma pessoa que seja 100% má. Todas as pessoas têm algo de bom. É esse algo de bom que devemos descobrir e valorizar. Na nossa vivência, como moçambicanos, temos que nos sentir verdadeiramente cidadãos deste país. E ser cidadãos deste país significa ter responsabilidades, deveres e direitos. Os direitos consignados pela Constituição são realmente para todos os moçambicanos, em qualquer situação em que se encontre. Mas é necessário que nos demos as mãos. O país precisa de nós, precisa da nossa compreensão e precisa, sobretudo, de trabalho em conjunto. A nossa solidariedade com todas as pessoas há-de criar uma família única de moçambicanos. O diálogo deve ser sempre cultivado e sempre querido.
 
Há dois meses que prevalece o impasse no diálogo. O que estará a falhar?
 
É difícil saber o que está a falhar. Mas vemos que uma coisa podia ser feito. Que dialoguem mais e que sejam mais sinceros no seu diálogo. Que não vão com ideias de saírem vitoriosos. Uma pessoa que vai dialogar não deve ir com respostas no bolso e ideias prévias. As pessoas que vão dialogar vão desarmadas. É preciso ouvir o que o teu interlocutor tem a dizer e ele ouvir o que tens a dizer. Depois discutir o que pode ser feito.
 
Não estará a faltar confiança mútua entre as duas delegações?
 
Quando alguém desconfia, é sinal de que alguma coisa pressente não vai bem. Faltaram os encontros habituais onde as pessoas poderiam dizer as coisas. Cada um andou como andou. Era necessário que houvesse sempre esses encontros, mas ficámos tranquilos depois do cessar fogo. Temos que retomar o caminho do diálogo. Mas tem de ser seriamente, como foi para o cessar-fogo da guerra civil.
 
Defende a necessidade da mediação internacional do diálogo entre o Governo e a Renamo?
 
Se a presença dos mediadores vem facilitar a paz, bem-vinda à paz. Aquilo que nós queremos é que os moçambicanos não vivam numa situação de angústia e de medo. Fomos falar com o Chefe de Estado e dissemos que é necessário que o cenário de guerra termine. Está nas suas mãos, como Presidente da República, resolver esse problema. Ele respondeu que estava a ter contactos com a outra parte. Acreditamos naquilo que ele disse e esperamos que, de facto, a paz volte.
 
Volvidos 21 anos após o acordo de paz, era previsível que voltássemos a ter viaturas escoltadas na estrada?
 
Eu não tinha nenhuma previsão para isso. Estava convencido de que continuaríamos em paz. Fiquei também admirado e triste ao ver, depois de tanto tempo a conviver em paz, muitos investidores e infra-estruturas melhoradas, de novo o sangue a ser derramado nas estradas. Apelo que abdiquemos do caminho militar e sigamos a via do diálogo. Cada pessoa que vai dialogar deve tocar no seu coração e lembrar-se que aquelas pessoas que estão a morrer são cidadãos moçambicanos que gostariam de realizar os seus sonhos. As pessoas não podem dizer que isto não depende de mim. Cada um deve fazer o seu melhor no sector onde se encontra. Ser honesto e respeitar o outro, procurar sentir-se parte integrante na construção deste país.
 
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