Orlando Castro –
Folha 8, 14 fevereiro 2014
José Eduardo dos
Santos, assumindo-se como o líder que nunca erra e que, provavelmente, nunca
têm dúvidas, mostrou os galões para puxar as orelhas ao Bureau Político do
MPLA, partido do qual é líder há mais de três dezenas de anos. Terá, com
certeza, razões para isso embora, de facto, pareça mais uma tentativa de – por
ter cada vez menos certezas – dizer que (ainda) é ele quem manda.
A última reunião
debateu o Plano Geral de Actividades e o Orçamento Geral do Partido para o ano
de 2014. Não se sabendo onde acaba o MPLA e começa o Estado, a perspectiva que
mais releva é a necessidade que Eduardo dos Santos sente em solidificar, ou
até ampliar, a velha máxima de que o MPLA é Angola e Angola é o MPLA. Ampliar
será inexequível porque o partido está hoje em tudo o que é Estado, mesmo quando
se fala de actividades supostamente privadas.
Embora reconhecendo
que o “balanço é positivo”, Eduardo dos Santos afirma que “foram detectadas falhas
e omissões, algumas das quais preocupantes, que devem ser analisadas para se
encontrarem as suas reais causas e vias para as corrigir”.
Tudo indica que o
presidente quer, na prática, menos Estado (o que é uma tese louvável) mas mais
partido, o que revela um enorme retrocesso na institucionalização da democracia
e, talvez, a noção de que só mesmo pela força é que os angolanos vão permitir
a eternidade do MPLA no poder.
“O partido tem
dedicado muito esforço e tempo à organização e funcionamento do Estado,
através dos seus militantes que exercem funções nas instituições públicas, e
muito menos tempo às questões relativas à vida interna do Partido”, afirmou
Eduardo dos Santos numa reflexão que demonstra a tendência, pelo menos social
e profissional, de se ser do MPLA apenas porque a filiação abre as portas dos
empregos na monstruosa máquina do Estado.
Eduardo dos Santos
acrescenta que “o Secretariado do Bureau Político, cuja tarefa essencial é
estudar os assuntos através dos departamentos competentes especializados e
preparar a agenda e as matérias para apreciação e decisão do Bureau Político e
do Presidente do Partido, tem sido muito lento, neste domínio, e pouco
dinâmico no acompanhamento e concretização das resoluções”.
O presidente
constata assim que o país está mas mãos do MPLA, mas que cada vez são mais os
cidadãos “empregados” no partido/Estado que, contudo, tendem a votar noutras
forças políticas. A continuar assim, Eduardo dos Santos sabe que só tem duas
alternativas: acabar com a democracia que supostamente quer implementar ou admitir
que a democracia vai acabar com a hegemonia do partido.
É, aliás, com
desgosto que Eduardo dos Santos não vê confirmada a sua vontade de mais de
100% dos eleitores serem do MPLA: “as estatísticas apresentadas pelo
Departamento de Organização e Mobilização continuam a não ser fiáveis, por
variarem sempre para menos em relação ao número anterior de militantes e de
Comités de Acção”.
Provavelmente as
próximas estatísticas vão dizer o que o Presidente quer ouvir. É sempre
assim. Desde Hitler a Saddam Hussein que os respectivos partidos vão de
vitória em vitória, qual delas a mais esmagadora, até à inesperada derrota
total.
“Por outro lado,
salienta o Presidente, o Organismo Executivo Central, que conduz o movimento de
revitalização das estruturas de base do partido, não tem imprimido ao
processo, a orientação integradora e dinamizadora que os Comités de Acção
devem assumir, para assegurarem uma actividade concertada, no futuro, das
comissões de moradores, das estruturas de vigilância comunitária a criar e de
outros agentes que actuam em prol do bem-estar, da ordem e tranquilidade públicas
das comunidades em que estão inseridas”.
A tese de José
Eduardo dos Santos é cópia fiel do que se exigia ao MPLA no tempo de partido
único. Poderão as estruturas mudar de nome, mas o objectivo é o mesmo. Se não
é poder popular é “estrutura de vigilância comunitária”, se não são milícias
populares poderão ser, como no tempo da colonização portuguesa, Organização Provincial
de Voluntários e Defesa Civil de Angola – OPVDCA. A génese ditatorial está
toda lá.
A fazer fé nas
teses do Presidente, urge fazer “o reajustamento dos métodos de trabalho e do
programa de acção da Comissão Nacional do Movimento de Revitalização e a capacitação
da área do Departamento de Organização e Mobilização, que se ocupa do registo
electrónico dos dados do Partido”.
De facto, os
métodos não parecem estar a surtir os resultados esperados. A mobilização já
não é o que era, a educação patriótica está a ter resultados contrários aos
seus objectivos, a fidelização canina já não garante a submissão. Se a isso se
juntar a tendência crescente de até no MPLA haver cada vez mais gente a pensar
com a própria cabeça (tarefa que, anteriormente, era uma prerrogativa
exclusiva do partido), a coisa começa a ficar negra.
A radiografia
presidencial aponta também para que a “constatação feita é que a supressão dos
círculos de estudo, das candidaturas livres e da eleição directa dos Primeiros
Secretários dos Comités de Acção do Partido, arrefeceu ou quebrou o dinamismo
da actividade das estruturas de base do MPLA, impondo-se agora reflectir se
vale a pena ou não voltar à primeira forma”.
Voltar à primeira
forma? Do ponto de vista do regresso ao passado, se calhar vale a pena. O
país não tinha de se sujeitar a essa coisa que, como reconheceu Eduardo dos
Santos, foi imposta e que dá pelo nome de democracia e quando havia problemas
candentes para resolver estes eram agendados para o dia 27 de Maio.
Explica Eduardo dos
Santos que “essa perda de dinamismo do trabalho político e partidário e o diálogo
insuficiente entre os dirigentes, responsáveis, quadros e as bases do Partido,
e o povo de um modo geral, não permite manter viva e actualizada a mensagem
sobre as intenções e realizações do MPLA, abrindo espaços vazios que são
preenchidos, com algum impacto, com mentiras e calúnias dos seus detractores e
adversários de má fé”.
Mais uma vez o
presidente mostra a razão pela qual atravessou as últimas três décadas
incólume. Ele sabe, ou desconfia, que dentro do seu partido há quem esteja a
fazer-lhe a cama. Quer acreditar que tudo se resolverá preenchendo os espaços
vazios e acabando com os detractores e adversários de má fé. Também sabe,
reconheça-se, que andou a fornecer aos seus camaradas a corda que era para
enforcar o inimigo mas que, um dia destes, servirá para o enforcarem a ele.
“Outro assunto
importante que deve merecer a nossa atenção é o do sistema de prestação de
contas definido nos nossos Estatutos e Regulamentos para avaliarmos a
necessidade ou não de o completarmos com novos elementos”, disse o Presidente,
referindo mesmo que “não está claro o método de prestação de contas”.
Provavelmente, o
que seria estranho em função dos exemplos que o Estado/MPLA dá ao
MPLA/Estado, anda muito gente a guardar muito lombongo em malas diplomáticas
que se perdem em paraísos fiscais. Mas não será por aí que o macaco lixa a mãe.
O dinheiro é tanto que chega sempre para os eleitos, embora nunca dobre a
esquina a caminho dos necessitados.
Mas, afinal, nem
tudo são más notícias: “As reuniões metodológicas anuais dos Departamentos de
Organização e Mobilização, de Administração e Finanças e de Quadros, bem como
as jornadas parlamentares da Bancada Parlamentar do MPLA, com a participação
do Departamento para os Assuntos Políticos e Eleitorais, e as reuniões do
Departamento para a Política Económica e Social com os militantes do Partido
que se ocupam das questões macroeconómicas do Estado, têm permitido,
entretanto, superar algumas das lacunas apontadas, ajudando a melhorar o
desempenho do Partido no seu todo”.
E o partido está
melhor, reconheça-se. Ainda não é democrático, tal como o Estado, mas talvez lá
chegue daqui a uns 30 anos. Não sabe o que são os direitos humanos, as liberdades
e garantias dos cidadãos, mas começa a ter uma vaga ideia do que é isso. É,
portanto, uma questão de tempo e paciência.
A prova de que o
MPLA começa a ter uma vaga, ténue e embrionária ideia do que é uma democracia
surge quando José Eduardo dos Santos diz que, “em conformidade com os
Estatutos do Partido, deverá ter lugar em 2014 o seu Congresso, para discutir e
aprovar, entre outros assuntos, a Moção de Estratégia do Líder que traçará as
orientações e objectivos gerais para o desenvolvimento do Partido, do Estado e
da sociedade, incluindo a realização das próximas Eleições Gerais”.
Tudo isto é uma
cópia do que se passa nos países democráticos. Fica bem e é bonito. O cardápio
do MPLA até dá ideia de que os angolanos podem comer trufas pretas, caranguejos
gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos
de galinha com espuma de raiz de beterraba e uma selecção de queijos
acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, e beber Château-Grillet 2005. No
entanto, na verdade, o que o MPLA tem mesmo para dar ao Povo é peixe podre,
fuba podre, panos ruins e porrada se refilar.
Eduardo dos Santos
acalma, entretanto, as hostes dizendo que “as eleições só terão lugar em 2017
e fazer previsões sobre as mesmas em 2014 é muito cedo”. Ninguém garante, nem
mesmo o “escolhido de Deus”, que antes de 2017 o MPLA/Estado não tenha
implodido. E o presidente sabe disso.
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