domingo, 16 de fevereiro de 2014

EDUARDO DOS SANTOS CRITICA O MPLA NUMA MANIFESTA FUGA PARA A FRENTE

 

Orlando Castro – Folha 8, 14 fevereiro 2014
 
José Eduar­do dos Santos, assumindo­-se como o líder que nunca erra e que, provavel­mente, nunca têm dúvidas, mostrou os galões para puxar as orelhas ao Bureau Político do MPLA, partido do qual é líder há mais de três dezenas de anos. Terá, com certeza, razões para isso embora, de facto, pa­reça mais uma tentativa de – por ter cada vez menos certezas – dizer que (ain­da) é ele quem manda.
 
A última reunião debateu o Plano Geral de Activida­des e o Orçamento Geral do Partido para o ano de 2014. Não se sabendo onde acaba o MPLA e começa o Estado, a perspectiva que mais releva é a necessida­de que Eduardo dos Santos sente em solidificar, ou até ampliar, a velha máxima de que o MPLA é Angola e Angola é o MPLA. Ampliar será inexequível porque o partido está hoje em tudo o que é Estado, mesmo quan­do se fala de actividades supostamente privadas.
 
Embora reconhecendo que o “balanço é positivo”, Eduardo dos Santos afirma que “foram detectadas fa­lhas e omissões, algumas das quais preocupantes, que devem ser analisa­das para se encontrarem as suas reais causas e vias para as corrigir”.
 
Tudo indica que o pre­sidente quer, na prática, menos Estado (o que é uma tese louvável) mas mais partido, o que revela um enorme retrocesso na institucionalização da de­mocracia e, talvez, a noção de que só mesmo pela for­ça é que os angolanos vão permitir a eternidade do MPLA no poder.
 
“O partido tem dedicado muito esforço e tempo à organização e funciona­mento do Estado, através dos seus militantes que exercem funções nas ins­tituições públicas, e muito menos tempo às questões relativas à vida interna do Partido”, afirmou Eduardo dos Santos numa reflexão que demonstra a tendên­cia, pelo menos social e profissional, de se ser do MPLA apenas porque a filiação abre as portas dos empregos na monstruosa máquina do Estado.
 
Eduardo dos Santos acres­centa que “o Secretariado do Bureau Político, cuja tarefa essencial é estudar os assuntos através dos de­partamentos competentes especializados e preparar a agenda e as matérias para apreciação e decisão do Bureau Político e do Presi­dente do Partido, tem sido muito lento, neste domí­nio, e pouco dinâmico no acompanhamento e con­cretização das resoluções”.
 
O presidente constata as­sim que o país está mas mãos do MPLA, mas que cada vez são mais os cida­dãos “empregados” no par­tido/Estado que, contudo, tendem a votar noutras for­ças políticas. A continuar assim, Eduardo dos San­tos sabe que só tem duas alternativas: acabar com a democracia que suposta­mente quer implementar ou admitir que a democra­cia vai acabar com a hege­monia do partido.
 
É, aliás, com desgosto que Eduardo dos Santos não vê confirmada a sua von­tade de mais de 100% dos eleitores serem do MPLA: “as estatísticas apresenta­das pelo Departamento de Organização e Mobilização continuam a não ser fiá­veis, por variarem sempre para menos em relação ao número anterior de mi­litantes e de Comités de Acção”.
 
Provavelmente as próxi­mas estatísticas vão dizer o que o Presidente quer ou­vir. É sempre assim. Desde Hitler a Saddam Hussein que os respectivos parti­dos vão de vitória em vi­tória, qual delas a mais es­magadora, até à inesperada derrota total.
 
“Por outro lado, salienta o Presidente, o Organismo Executivo Central, que conduz o movimento de revitalização das estru­turas de base do partido, não tem imprimido ao processo, a orientação in­tegradora e dinamizadora que os Comités de Acção devem assumir, para asse­gurarem uma actividade concertada, no futuro, das comissões de moradores, das estruturas de vigilân­cia comunitária a criar e de outros agentes que actuam em prol do bem-estar, da ordem e tranquilidade pú­blicas das comunidades em que estão inseridas”.
 
A tese de José Eduardo dos Santos é cópia fiel do que se exigia ao MPLA no tempo de partido úni­co. Poderão as estruturas mudar de nome, mas o objectivo é o mesmo. Se não é poder popular é “es­trutura de vigilância co­munitária”, se não são mi­lícias populares poderão ser, como no tempo da colonização portuguesa, Organização Provincial de Voluntários e Defesa Civil de Angola – OPVD­CA. A génese ditatorial está toda lá.
 
A fazer fé nas teses do Pre­sidente, urge fazer “o rea­justamento dos métodos de trabalho e do progra­ma de acção da Comissão Nacional do Movimento de Revitalização e a capa­citação da área do Depar­tamento de Organização e Mobilização, que se ocupa do registo electrónico dos dados do Partido”.
 
De facto, os métodos não parecem estar a surtir os resultados esperados. A mobilização já não é o que era, a educação patriótica está a ter resultados con­trários aos seus objectivos, a fidelização canina já não garante a submissão. Se a isso se juntar a tendência crescente de até no MPLA haver cada vez mais gente a pensar com a própria ca­beça (tarefa que, anterior­mente, era uma prerrogati­va exclusiva do partido), a coisa começa a ficar negra.
 
A radiografia presidencial aponta também para que a “constatação feita é que a supressão dos círculos de estudo, das candidaturas livres e da eleição directa dos Primeiros Secretários dos Comités de Acção do Partido, arrefeceu ou que­brou o dinamismo da ac­tividade das estruturas de base do MPLA, impondo­-se agora reflectir se vale a pena ou não voltar à pri­meira forma”.
 
Voltar à primeira forma? Do ponto de vista do re­gresso ao passado, se ca­lhar vale a pena. O país não tinha de se sujeitar a essa coisa que, como reconhe­ceu Eduardo dos Santos, foi imposta e que dá pelo nome de democracia e quando havia problemas candentes para resolver estes eram agendados para o dia 27 de Maio.
 
Explica Eduardo dos San­tos que “essa perda de dinamismo do trabalho político e partidário e o diá­logo insuficiente entre os dirigentes, responsáveis, quadros e as bases do Par­tido, e o povo de um modo geral, não permite manter viva e actualizada a men­sagem sobre as intenções e realizações do MPLA, abrindo espaços vazios que são preenchidos, com algum impacto, com men­tiras e calúnias dos seus detractores e adversários de má fé”.
 
Mais uma vez o presiden­te mostra a razão pela qual atravessou as últimas três décadas incólume. Ele sabe, ou desconfia, que dentro do seu partido há quem esteja a fazer-lhe a cama. Quer acreditar que tudo se resolverá preen­chendo os espaços vazios e acabando com os detracto­res e adversários de má fé. Também sabe, reconheça­-se, que andou a fornecer aos seus camaradas a cor­da que era para enforcar o inimigo mas que, um dia destes, servirá para o en­forcarem a ele.
 
“Outro assunto importante que deve merecer a nossa atenção é o do sistema de prestação de contas defi­nido nos nossos Estatutos e Regulamentos para ava­liarmos a necessidade ou não de o completarmos com novos elementos”, disse o Presidente, referin­do mesmo que “não está claro o método de presta­ção de contas”.
 
Provavelmente, o que se­ria estranho em função dos exemplos que o Esta­do/MPLA dá ao MPLA/Estado, anda muito gente a guardar muito lombon­go em malas diplomáticas que se perdem em paraísos fiscais. Mas não será por aí que o macaco lixa a mãe. O dinheiro é tanto que chega sempre para os eleitos, em­bora nunca dobre a esqui­na a caminho dos necessi­tados.
 
Mas, afinal, nem tudo são más notícias: “As reuniões metodológicas anuais dos Departamentos de Orga­nização e Mobilização, de Administração e Finanças e de Quadros, bem como as jornadas parlamentares da Bancada Parlamentar do MPLA, com a partici­pação do Departamento para os Assuntos Políticos e Eleitorais, e as reuniões do Departamento para a Política Económica e So­cial com os militantes do Partido que se ocupam das questões macroeconómi­cas do Estado, têm permi­tido, entretanto, superar algumas das lacunas apon­tadas, ajudando a melhorar o desempenho do Partido no seu todo”.
 
E o partido está melhor, reconheça-se. Ainda não é democrático, tal como o Estado, mas talvez lá che­gue daqui a uns 30 anos. Não sabe o que são os di­reitos humanos, as liber­dades e garantias dos ci­dadãos, mas começa a ter uma vaga ideia do que é isso. É, portanto, uma ques­tão de tempo e paciência.
 
A prova de que o MPLA começa a ter uma vaga, ténue e embrionária ideia do que é uma democracia surge quando José Eduar­do dos Santos diz que, “em conformidade com os Estatutos do Partido, deverá ter lugar em 2014 o seu Congresso, para discutir e aprovar, entre outros assuntos, a Moção de Estratégia do Líder que traçará as orientações e objectivos gerais para o de­senvolvimento do Partido, do Estado e da sociedade, incluindo a realização das próximas Eleições Gerais”.
 
Tudo isto é uma cópia do que se passa nos países democráticos. Fica bem e é bonito. O cardápio do MPLA até dá ideia de que os angolanos podem co­mer trufas pretas, caran­guejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterra­ba e uma selecção de quei­jos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, e beber Château-Grillet 2005. No entanto, na ver­dade, o que o MPLA tem mesmo para dar ao Povo é peixe podre, fuba podre, panos ruins e porrada se refilar.
 
Eduardo dos Santos acal­ma, entretanto, as hostes dizendo que “as eleições só terão lugar em 2017 e fazer previsões sobre as mesmas em 2014 é muito cedo”. Ninguém garante, nem mesmo o “escolhido de Deus”, que antes de 2017 o MPLA/Estado não tenha implodido. E o presidente sabe disso.
 

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