quarta-feira, 19 de março de 2014

Angola: AUTORIDADES PREPARAM FUGA DE ASSASSINO DE KAMULINGUE E CASSULE



TÃO ASSASSINO É O QUE LIBERTA COMO O QUE INSTIGA E O QUE MATA

Folha 8 – 15 março 2014

BUFO INFILTRADO NO MOVIMENTO DOS JOVENS REVOLUCIONÁRIOS

Benilson Pe­reira Bravo da Silva, co­nhecido por “Tucayanu”, fez-se passar, com a devida protecção das forças de segurança e devidamente instruído pelos serviços secretos do regime, do qual era um operacional de alto valor, por membro dos jo­vens revolucionários que contestavam a ditadura de José Eduardo dos Santos, bem como amigo dos que reivindicavam os seus di­reitos. Dessa forma atraiu para uma emboscada os seus supostos colegas Al­ves Kamulingue e Isaías Cassule. A operação termi­naria com a morte destes dois jovens.

A notícia da libertação do homicida e um eventual plano de fuga do país foi avançada na nossa última edição, causando mais uma vez uma onda de indigna­ção por parte da população e, também, um calafrio nas hostes do regime que pro­curava silenciar o caso.
Tucayanu, um destacado informador dos Serviços de Inteligência de Angola (SINSE), era directamen­te controlado e orientado pelo ex-ministro do In­terior Sebastião Martins que, de acordo com o seu plano, o instruiu no sentido de enganar Kamulingue e Cassule, atraindo-os para a morte, a única forma que o SINSE encontrou para fazer a habitual queima de arquivos.

Alves Kamulingue e Isaías Cassule faziam parte de um grupo de ex-militares e combatentes que reivin­dicavam as suas pensões e outros direitos, ameaçando organizar manifestações contra o regime angolano. Por saberem demasiado, entendeu Sebastião Mar­tins que só o seu desapa­recimento físico poderia resolver a questão. Para o efeito utilizou como arma Tucayanu.

No dia 27 de Maio de 2012, Alves Kamulingue foi rap­tado por elementos dos Serviços de Informação e segurança de Angola. Dois dias depois, a 29 de Maio, desapareceu Isaías Cassu­le. Ciente de ter o assun­to totalmente controlado, Sebastião Martins cobriu as supostas investigações com um manto de silêncio.

Só um ano e meio depois, em Novembro de 2013, surgiram à revelia das for­ças de segurança, novas informações sobre o desti­no dos dois desaparecidos. Cassule fora espancado até à morte e atirado a um rio, enquanto Kamulingue foi morto a tiro e abandonado numa mata.

O processo de Alves Ka­mulingue e de Isaías Cas­sule andou muito tempo fechado e sem que as auto­ridades se pronunciassem, o que correspondia à es­tratégia do executor moral, Sebastião Martins. Quanto mais tempo passasse sem se descobrir qualquer in­dício, e no meio de muita contra-informação oficial, mais remotas eram as pos­sibilidades de se saber de facto o que tinha aconteci­do.

Não contavam as autorida­des com a enorme pressão da sociedade civil que, des­sa forma, começou a fazer exigências que incomoda­va o poder e que, por fim, obrigaram a que o proces­so emergisse das tumbas.

Peça fundamental em todo este triste mas revelador imbróglio foi Tucayanu, o operacional contratado para atrair as vítimas. A sua libertação está a causar es­tranheza, mas fontes próxi­mas do processo admitem que o mesmo esteja agora em parte incerta, admitin­do-se mesmo que possa ter sido, ou venha a ser, obri­gado a tomar banho num rio cheio de jacarés famin­tos.

Tucayanu atraiu Isaías Cassule com a promessa de lhe dizer onde estaria Alves Kamulingue, que ti­nha desaparecido dois dias antes. Atrai-o para um dos bairros mais populosos de Luanda. Cassule concorda mas faz-se acompanhar pelo colega, o Santos. Este apercebe-se que é uma ci­lada e consegue fugir. O amigo tenta fugir mas é capturado. A sentença já estava determinada: assas­sinado.

Do ponto de vista legal e de um Estado de Direito ninguém aceita, nem em tese académica, que nesta altura do processo o autor material dos assassinatos seja libertado. Para além do perigo de fuga existe o pe­rigo de se perderem provas fundamentais. Mas isso, é claro, não é preocupação das autoridades que, mais uma vez, não deixam os seus créditos por estraté­gias alheias.

Tucayanu era um “agen­te cinco estrelas dos ser­viços de informação”, de alto valor para a causa do regime, razão pela qual se movimentava como peixe na água juntos dos jovens revolucionários.

“A informação é bastante preocupante. Deixou-nos abalados. Estamos mesmo surpreendidos. Este jovem é o mesmo que andava con­nosco? Se é, então é um trai­dor á nossa causa”, lamenta Teca Pedrowski, um dos vários membros do movi­mento revolucionário que à DW África se mostraram chocados com a notícia de que Tucayanu era um operacional dos Serviços de Inteligência de Angola (SINSE).

Aproveitando-se da inge­nuidade da juventude, não é a primeira vez que surgem suspeitas, algumas docu­mentadas, de que os servi­ços secretos infiltra os seus operacionais no movimen­to dos jovens revolucioná­rios. Tal como os infiltram em outras organizações, serviços, entidades etc.

Adolfo Campos, outro membro destacado do mo­vimento “Revu”, lembra­-se de ter desconfiado de Tucayanu quando este se apresentou como funcio­nário de uma empresa pe­trolífera.

“Realmente foi um pouco suspeito quando ele nos pediu currículos para tra­balhar na área petrolífera. Nós sabemos que em An­gola o emprego é difícil. Achámos suspeito. Aquilo criou algum tumulto entre nós”, recorda Adolfo Cam­pos. Por outro lado, Teca Pedrowski frisa que Mo­vimento dos Revolucioná­rios está chocado, recor­dando que “ele disse que era um tio que tinha dentro dessa empresa e que podia possibilitar alguns traba­lhos. Nós não tínhamos razões para desconfiar. Te­mos de rever todo o nosso movimento, até porque também nós corremos pe­rigo de vida”.

Sendo que a libertação de Tucayanu, um agente da secreta, é uma barbaridade jurídica, seria de esperar que a Procuradoria-Geral da República o mandasse prender novamente. Que se saiba não o fez. Prova­velmente se o decidir fazer vai esbarrar na constatação de que as autoridades não o conseguem localizar. E assim sendo, a matéria de facto que poderia levar a julgamento também os mentores políticos destes assassinatos fica sem sus­tentabilidade jurídica e tes­temunhal.

À luz da Constituição, neste caso concreto, o Presiden­te da República é também responsável criminalmen­te. Quer o ministro do In­terior quer o director dos Serviços de Segurança são auxiliares do titular do po­der executivo que é José Eduardo dos Santos. Eles não fazem nada sem co­nhecimento de José Eduar­do dos Santos.

Mas, como se está num país em que a Constituição só tem valor formal, é mais do que certo que a culpa vai morrer solteira, que os responsáveis vão ser lou­vados pelos altos serviços prestados ao regime, e que os jovens vão ter de con­tinuar a alimentar jacarés até que um dia o nosso país seja, de facto e de jure, um Estado de Direito.

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