terça-feira, 8 de abril de 2014

Portugal: ELIAS, O NOSSO SEM-ABRIGO, É QUE SABE



Paulo Ferreira – Jornal de Notícias, opinião

É verdade: a crítica mordaz de Elias, o sem-abrigo que o leitor pode encontrar, todos os dias, na última página do JN,"é, tantas e tantas vezes, um resumo perfeito da notícia mais importante do dia. A proposta feita pelo primeiro-ministro para aumentar o salário mínimo, que ontem teve direito a presença na primeira página de todos os jornais , mereceu a seguinte nota de Elias: "Passos Coelho já está disponível para discutir o salário mínimo!" Resposta do seu companheiro de tira: "É uma pena não haver eleições todos os anos..." De facto, a pergunta-se impõe-se: sendo que até os patrões já mostraram, em várias ocasiões, disponibilidade para aumentar o salário mínimo, por que razão só agora o primeiro-ministro puxou o tema para a conversa? Será porque se aproximam eleições?

Não há apenas uma resposta: há duas.

É claro que, para o cidadão comum, esta coisa de o Governo permitir que bailem no ar as simpáticas ideias de que os impostos podem baixar e de que o salário mínimo pode aumentar soa estranha, na exata medida em que, ao mesmo tempo, o Governo lhes atira à cara, com uma certa desfaçatez, outros factos: as pensões de reforma e os salários da Função Pública não regressarão aos níveis de 2011. E, caros cidadãos, esqueçam lá isso de os cortes terem um caráter provisório: cêntimo atrás ou cêntimo à frente, eles serão mesmo, mesmo definitivos.

Esta contradição não é insanável, por muito que pareça. Basta fazer as contas - as de somar, as de subtrair e as políticas.

Passos Coelho exige que o debate sobre a subida do salário mínimo se faça de forma mais ampla, metendo no pacote a discussão sobre uma política de rendimentos que abranja a produtividade. O que isto quer dizer"é: aumentos sim, mas de acordo com a capacidade produtiva. Vale o mesmo dizer: é preciso ganhar mais para se pagar melhor. Não há almoços grátis, já se sabe... Bem se pode argumentar com o facto de o salário mínimo português (485 euros) ser 21% inferior ao da Grécia, ou de estar congelado desde 2011... Isso são "peaners", como diria Jorge Jesus. O que interessa é o equilíbrio das contas. E essas mostram que, sendo as pensões e os salários despesa estrutural e pesada, é aí que tem de se cortar. Para o resto, menos estrutural e menos pesado, há sempre modo de encontrar uma folguinha.

Há uma segunda resposta para a questão subjacente à tirada assertiva de Elias, o sem-abrigo. Debater o aumento do salário mínimo exige concertação social. E, mais do que ninguém, Passos Coelho está interessado em recuperar um "instrumento" decisivo para o pós-troika, com ou sem programa cautelar. As imposições resultantes do memorando decapitaram a concertação social, tornando um modelo já com nítidas fragilidades num modelo decrépito. Recuperar a importância institucional e prática de uma mesa onde se sentam patrões, sindicatos e Governo é decisivo. Passos sabe bem disso.

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