Paulo Ferreira – Jornal
de Notícias, opinião
É verdade: a
crítica mordaz de Elias, o sem-abrigo que o leitor pode encontrar, todos os
dias, na última página do JN,"é, tantas e tantas vezes, um resumo perfeito
da notícia mais importante do dia. A proposta feita pelo primeiro-ministro para
aumentar o salário mínimo, que ontem teve direito a presença na primeira página
de todos os jornais , mereceu a seguinte nota de Elias: "Passos Coelho já
está disponível para discutir o salário mínimo!" Resposta do seu
companheiro de tira: "É uma pena não haver eleições todos os anos..."
De facto, a pergunta-se impõe-se: sendo que até os patrões já mostraram, em
várias ocasiões, disponibilidade para aumentar o salário mínimo, por que razão
só agora o primeiro-ministro puxou o tema para a conversa? Será porque se
aproximam eleições?
Não há apenas uma
resposta: há duas.
É claro que, para o
cidadão comum, esta coisa de o Governo permitir que bailem no ar as simpáticas
ideias de que os impostos podem baixar e de que o salário mínimo pode aumentar
soa estranha, na exata medida em que, ao mesmo tempo, o Governo lhes atira à
cara, com uma certa desfaçatez, outros factos: as pensões de reforma e os
salários da Função Pública não regressarão aos níveis de 2011. E, caros
cidadãos, esqueçam lá isso de os cortes terem um caráter provisório: cêntimo
atrás ou cêntimo à frente, eles serão mesmo, mesmo definitivos.
Esta contradição
não é insanável, por muito que pareça. Basta fazer as contas - as de somar, as
de subtrair e as políticas.
Passos Coelho exige
que o debate sobre a subida do salário mínimo se faça de forma mais ampla,
metendo no pacote a discussão sobre uma política de rendimentos que abranja a
produtividade. O que isto quer dizer"é: aumentos sim, mas de acordo com a
capacidade produtiva. Vale o mesmo dizer: é preciso ganhar mais para se pagar
melhor. Não há almoços grátis, já se sabe... Bem se pode argumentar com o facto
de o salário mínimo português (485 euros) ser 21% inferior ao da Grécia, ou de
estar congelado desde 2011... Isso são "peaners", como diria Jorge Jesus.
O que interessa é o equilíbrio das contas. E essas mostram que, sendo as
pensões e os salários despesa estrutural e pesada, é aí que tem de se cortar.
Para o resto, menos estrutural e menos pesado, há sempre modo de encontrar uma
folguinha.
Há uma segunda
resposta para a questão subjacente à tirada assertiva de Elias, o sem-abrigo.
Debater o aumento do salário mínimo exige concertação social. E, mais do que
ninguém, Passos Coelho está interessado em recuperar um "instrumento"
decisivo para o pós-troika, com ou sem programa cautelar. As imposições
resultantes do memorando decapitaram a concertação social, tornando um modelo
já com nítidas fragilidades num modelo decrépito. Recuperar a importância
institucional e prática de uma mesa onde se sentam patrões, sindicatos e
Governo é decisivo. Passos sabe bem disso.
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