Os BRICS iniciaram
tratativas para a criação de alternativas ao FMI e ao Banco Mundial,
instituições dominadas hoje pelos EUA e pela União Europeia.
José Carlos Peliano*
- Carta Maior
Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul, o grupo de países chamado BRICS, têm debatido
entre si a possibilidade de estruturar novas alternativas de assistência
financeira internacional e de financiamento ao desenvolvimento mundial que
atendam aos seus interesses e as suas necessidades. O Fundo Monetário
Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM) estão na berlinda.
Dominadas pelos Estados Unidos e União Europeia (UE) essas duas instituições
multilaterais há tempos não têm reconhecido a importância do grupo no cenário
internacional nem favorecido condições para um papel mais positivo dos BRICS
nos seus órgãos decisórios. Daí ter o grupo iniciado tratativas sobre a
necessidade de criação de alternativas, um pool de reservas monetárias em
substituição ao FMI e um novo banco de desenvolvimento em lugar do BM.
A imprensa estrangeira indica que um rascunho preliminar sobre a organização do
banco dos BRICS já teria sido proposta pelo Brasil, enquanto o desenho dos
acordos intergovernamentais dos países membros do grupo está a cargo da Rússia.
As propostas das duas novas instituições referenciadas aos BRICS, se aprovadas
até o final deste ano, devem entrar em funcionamento já no ano que vem segundo
fontes dos países do grupo.
O capital previsto para as duas instituições gira em torno de US$ 100 bilhões
cada. Conversações já existem entre os membros do grupo para a distribuição do
capital inicial de US$ 50 bilhões entre eles bem como a localização das sedes
das instituições. Todos os países demonstraram interesse em ter as sedes em
seus territórios.
No estágio atual das conversações, a distribuição prevista das reservas
internacionais é a seguinte: China, US$ 41 bilhões, Brasil, Índia e Rússia, US$
18 bilhões cada e África do Sul, US$ 5 bilhões. As participações têm por base o
tamanho de cada economia.
Para se ter uma ideia do montante previsto de assistência financeira pelo novo
Fundo dos BRICS, as reservas do FMI expressas em “Special Drawing Rights (SDR)”
ou Direitos Especiais de Saque atingem US$ 370 bilhões. Mas enquanto os US$ 100
bilhões do Fundo dos BRICS serão divididos pelos 5 membros, os US$ 370 do FMI
são potencialmente divididos pelos 188 países membros.
A proposta do banco dos BRICS além de escapar da acirrada disputa pelos
recursos do BM indica a postura do grupo de sair fora da zona de influência e
domínio dos Estados Unidos e da União Europeia na aprovação de projetos. Querem
os BRICS que seus projetos sejam apresentados por eles e por eles aprovados sem
ingerência de interesses externos.
A oportunidade da proposta do banco dos BRICS vem ao encontro da autonomia na
gestão e liberação dos recursos. Mas ela dá conta também da importância
assumida pelo grupo de países no cenário internacional em termos dos tamanhos e
pujanças de suas economias. A consequência direta da emergência desses novos
agentes no mundo é a influência econômica e política que passam a ter entre os
demais países, especialmente os menos desenvolvidos.
Pois a influência econômica e política será posta em prática por meio do
financiamento externo a projetos de desenvolvimento. O continente mais visado é
o africano através da assistência financeira a pequenos e grandes
empreendimentos de infraestrutura desde os básicos aos mais complexos.
Em termos políticos, a ascendência dos BRICS na África será imediata, uma vez
que terá condições de propor e desenvolver projetos diferentes dos padrões
usuais de negociação e contratos, além de serem diretamente ouvidos pelos
países assistidos, diferentemente do que ocorre hoje no âmbito das agências
multilaterais.
Em termos econômicos as empresas do grupo terão mercado garantido como contratantes
e fornecedoras de equipamentos. Ao contrário do que ocorre sob a
influência do FMI e BM quando as empresas hegemônicas dos EUA e UE têm sempre
preferencia e influência.
Já em termos internacionais, os BRICS não deverão se ausentar do FMI nem do BM,
pelo menos de início. Não há razão imediata para a retirada de seus delegados
desses foros de negociação internacional. Pelo contrário, a permanência do
grupo dá mais força e representatividade podendo até mesmo vir a ser ascendido,
ou parte de seus membros, a posições favorecidas e de decisão.
Já a proposta do Fundo dos BRICS tem a ver com uma reserva de moedas que serve
de maneira predominante de seguro financeiro. Funciona como último recurso para
solucionar situações emergenciais quando um ou alguns de seus membros sofram de
problemas financeiros ou déficits orçamentários.
A Rússia, por exemplo, já seria uma candidata em potencial do Fundo ao passar
por um período com o valor de sua moeda em queda. O Fundo
seria oportuno para suprir a falta temporária de moeda para a cobertura dos
problemas de balanço de pagamentos. Igualmente para sanar desequilíbrios
localizados do sistema bancário na medida que os bancos, supridos com moeda
estrangeira para cobrir seus déficits, não tenham condições de honrar os débitos
externos assumidos. Serviria também para entrar em ação quando as moedas de
países membros do grupo sofressem desvalorização face à política monetária mais
frouxa dos Estados Unidos e/ou da União Europeia.
Como o FMI atua com mais frequência na proteção das crises e valores dos países
desenvolvidos e de forma mais emergencial e imediata, o Fundo alternativo dos
BRICS vai garantir proteção e ajuda “just in time” de seus membros. Por fim,
mas não menos importante, o Fundo vai permitir que o grupo não dependa
exclusivamente das moedas e valores internacionais, passando a ser com o tempo
e gradativamente provido, garantido e administrado com mais predominância pela
cesta de suas próprias moedas.
Nada como um dia depois do outro com a noite no meio. Países antes chamados de
em desenvolvimento, depois de menos desenvolvidos, posteriormente de emergentes
e agora de novos atores mundiais, começam a atuar como gente grande e a definir
com mais autonomia seus próprios rumos e em conjunto suas relações no cenário
internacional. Tem tudo para alterar o equilíbrio de forças na ordem econômica
mundial vigente pelo menos quanto ao financiamento e à construção de projetos
de desenvolvimento para si e países menos favorecidos.
(*) Economista
Créditos da foto:
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