domingo, 1 de junho de 2014

Brasil: DILMA E O GRANDE CAPITAL



Jaciara Itaim, São Paulo – Correio do Brasil, opinião

As dificuldades enfrentadas pela Presidenta em aumentar os índices de popularidade de seu governo, bem como de sua própria candidatura à reeleição no primeiro turno, podem provocar um aprofundamento de sua relação com os representantes do grande capital em nosso País. Em sua estratégia de minorar os estragos acumulados até o momento, Dilma busca uma aproximação com o empresariado, em uma clara tentativa de alavancar suas chances em outubro.

As pressões que os mais diversos setores da sociedade exercem sobre o governo e sobre as lideranças políticas são cíclicas. Em ano eleitoral, porém, as movimentações ganham uma coloração diferenciada. Afinal, trata-se de um período onde serão definidos os ocupantes dos principais cargos do Executivo e do Legislativo, a partir de janeiro de 2015. Apesar da inegável importância dos 26 governos estaduais e do Distrito Federal em disputa, além de suas casas legislativas, o fato é que o principal foco de atenções se concentra nas eleições para o Palácio do Planalto.

Os candidatos da oposição conservadora não conseguem encontrar um discurso eficiente para suas respectivas campanhas. As pesquisas de intenção de voto evidenciam a incapacidade de Aécio e Campos em decolarem junto ao eleitorado. Porém, ainda assim permanece um sério risco de que as eleições sejam decididas apenas no segundo turno, a ser realizado em 26 de outubro. Esse é o tabuleiro em que se movem as peças do xadrez sucessório no atual momento.

Esse quadro termina por fragilizar a própria candidata, que passa a buscar uma ampliação de seu círculo de apoiadores, inclusive no meio empresarial. Ocorre que esse tipo de envolvimento mais explícito dos endinheirados não se dá de forma natural ou espontânea. Todos sabemos que a cobrança virá com a aceitação de projetos e propostas a serem incorporados na campanha ou mesmo ao longo dos últimos meses do atual mandato.

O encontro com Katia Abreu e o agronegócio

Algumas das articulações mais recentes da Presidenta parecem caminhar nessa direção. Em 23 de maio, por exemplo, ela recebeu para um jantar no Palácio da Alvorada a fina flor dos representantes do agronegócio tupiniquim. A principal articuladora do encontro foi a Senadora Katia “Motosserra” Abreu, que também ocupa o cargo de Presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

Trata-se de um personagem carregado de forte simbolismo na vida política brasileira. Militante aguerrida e defensora dos agropecuaristas no Estado do Tocantins, logo foi eleita deputada federal e depois chegou à Câmara Alta. Transitou pelo PFL e DEM. Saiu com Kassab para o PSD e agora, há pouco tempo, voltou para a base governista pois ingressou no PMDB. O mesmo partido do Vice-Presidente Michel Temer, do todo-poderoso José Sarney, do carinhoso deputado Eduardo Cunha, do Presidente do Senado Renan Calheiros e do Presidente da Câmara dos Deputados Henrique Eduardo Alves.

Pois bem, essa representante de quase tudo que existe de mais atrasado e retrógrado na sociedade brasileira, sempre vociferou contra o PT, contra a esquerda, contra a reforma agrária e a favor da liberdade para degradação do meio ambiente. Atua na defesa de todos aqueles que utilizam o trabalho escravo para acumulação de riqueza em pleno século XXI, mas exige que o governo ofereça todas as melhores condições para a produção agrícola baseada nos transgênicos, nos pesticidas e nos fertilizantes. Porém, como desde 2003 a opção dos governos tem sido pela manutenção do modelo econômico bastante dependente da capacidade exportadora do agronegócio, eles terminam por ficar refém desse tipo de pressão. Pode-se imaginar qual não será a longa pauta de reivindicações do setor para que passem a pipocar declarações explícitas de apoio aDilma no pleito que se aproxima. Chega a dar arrepios!

A contribuição da previdência: desoneração para sempre!

Outro campo de intervenção propositiva da Presidenta junto ao empresariado refere-se às generosas políticas de desoneração fiscal e tributária. A decisão voluntária de abrir mão de receitas estratégicas do Estado em prol de empresas, grupos ou setores tampouco não é exclusividade desse governo. No entanto, a partir da ampliação da crise financeira internacional, o Brasil passou a adotar medidas para estimular a produção e o consumo, procurando evitar uma maior contaminação recessiva em nossas terras. Era o caso da redução de alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), entre outros. Diga-se de passagem, aliás, que tais facilidades não vieram acompanhadas de nenhum tipo de exigência de contrapartida a ser cumprida pelas empresas, tais como a geração de emprego, o compromisso com preços ou a redução de índice de componentes importados.

Um dos aspectos que os representantes do capital lograram incluir na lista de benesses foi uma reivindicação histórica do setor: a desoneração patronal da folha de pagamentos para a previdência social. Em 2011, o governo terminou por se curvar a tal proposição e iniciou uma espécie de experiência localizada em alguns poucos setores. A idéia era promover uma troca na forma de arrecadação patronal.

Os trabalhadores continuariam a recolher os 11% sobre o salário. As empresas deixariam de recolher os 20% sobre a folha de pagamentos e passariam a contribuir com uma alíquota indefinida (entre 1% e 2%) a ser aplicada sobre o faturamento das mesmas.

A medida foi se estendendo aos poucos e a lista de setores incluídos foi sendo ampliada a cada renovação periódica da medida. Atualmente são mais de 50 ramos beneficiados e a lei prevê um prazo para a excepcionalidade terminar em dezembro próximo. Como era de se esperar, o “lobby” do capital vai no sentido de forçar o governo a generalizar a nova sistemática para todos os setores e introduzir uma cláusula que torne essa nova sistemática permanente. A experiência vem demonstrando que o volume arrecadado com a alíquota incidente sobre o faturamento não tem sido suficiente para cobrir as receitas necessárias à manutenção do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) equilibrado. Assim, o Tesouro Nacional tem sido chamado a cobrir esse buraco, o que não se traduz em boa medida para as receitas de um regime de pensões e aposentadorias que é intergeracional. Eventuais problemas de arrecadação no momento atual só serão efetivamente sentidos daqui a 30 anos.

Para felicidade de poucos e surpresa/indignação da maioria, Dilma cedeu ao capital e atendeu ao pleito: desoneração para sempre! Ao invés de incorporar tais demandas patronais e efetivá-las como política pública permanente, o mais adequado seria o governo do Partido dos Trabalhadores atender às reivindicações das entidades sindicais e de representação dos aposentados, os maiores interessados em um sistema previdenciário que se revele como equilibrado e sustentável no tempo. Assim, o primeiro passo seria promover o retorno à situação anterior, onde a contribuição patronal voltaria a ser definida por uma alíquota de 20% incidente sobre a folha de salários.

Construção civil: os grandes doadores para o PT

Outro grande setor do capital que tem merecido toda atenção e carinho por parte do governo é o da construção civil. Trata-se de um ramo da economia que depende essencialmente das demandas e das orientações do próprio Estado brasileiro. Sua principal área de atuação são as obras públicas, em especial aquelas vinculadas aos programas de infraestrutura. É o caso dos grandes programas e projetos de energia, saneamento, estradas, portos, ferrovias, aeroportos, complexos esportivos, entre outros. Além disso, faz parte desse extenso rol de atividades do setor de construção os programas habitacionais, a exemplo do “Minha Casa, Minha Vida”.

O ramo da construção tem como característica básica essa relação quase umbilical com os espaços de decisão na Administração Pública. Não por acaso, são os maiores contribuidores para os caixas dos partidos políticos, particularmente daqueles que estão no exercício do poder. Assim, as grandes construtoras são as principais doadoras para as campanhas eleitorais, em especial para o PT. E tal fenômeno se manifesta inclusive em anos sem eleições. Em 2013, por exemplo, as empresas do setor destinaram R$ 60 milhões à agremiação, valor equivalente a 75% do total de R$ 80 mi que o partido recebeu a título de doações empresariais.

Como se pode perceber, os interesses econômicos do grande capital batem à porta da candidatura de Dilma. Melhor dizendo, eles continuam a se apresentar com seus pleitos e reivindicações, exatamente da maneira como fazem o tempo todo, inclusive nos períodos fora do calendário eleitoral. A grande dúvida que permanece é saber qual será o limite das bondades e das concessões que ela ofertará em troca do apoio solicitado. Isso porque a fatura de tais benesses oferecidas ao empresariado com recursos públicos cairá nas contas a serem pagas pelo povo brasileiro. A velha prática de fazer bondade com chapéu alheio.

*Jaciara Itaim, é economista e militante por um mundo mais justo em termos sociais e econômicos.

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