O
escritor José Eduardo Agualusa disse à Lusa que o seu novo romance, "A
Rainha Ginga", responde a "uma inquietação" dos angolanos que
querem conhecer o seu passado, numa nova perspetiva.
O
escritor de 53 anos, em declarações à Lusa, descartou a qualificação da rainha
Ginga como uma nacionalista.
"Como
nacionalista angolana é um disparate evidentemente, a rainha Ginga não tinha
sequer uma noção do que é Angola e não combateu por isso. Combateu pelo seu
próprio projeto de poder pessoal, dentro do seu grupo étnico", os dongos,
disse o escritor.
Falando
sobre o romance, que é apresentado na sexta-feira, em Lisboa, Agualusa afirmou
que, desde sempre, se interessou pela a rainha e que este é um "livro que
queria escrever há muito tempo", mas que lhe "parecia muito difícil e
até impossível".
"Este
livro responde a uma inquietação mais geral, que sinto da parte de todos os
angolanos, e até africanos. Por coincidência, o Mia Couto está neste momento a
trabalhar num romance sobre o Gungunhana. É uma coincidência, mas corresponde a
uma inquietação [africana] mais geral".
"Este
romance vai ter um outro impacto junto dos africanos e vai ser lido de outra
forma pelos africanos, que querem conhecer melhor o passado e conhecê-lo numa
outra perspetiva, nomeadamente a de um africano", afirmou.
O
romance "A rainha Ginga. E de como os africanos inventaram o mundo" é
apresentado pelo escritor moçambicano Mia Couto, na sexta-feira, às 21:30, no
Clube Ferroviário, em
Lisboa. Nesta sessão, Kalaf Ângelo irá ler excertos da obra,
acompanhado pelo contrabaixista Ricardo Cruz.
O
que levou José Eduardo Agualusa "a escrever este livro foi mostrar como os
africanos foram parte ativa, e de uma forma bem mais vigorosa, daquilo que se
estuda nos compêndios europeus, neste processo de construção de nações, de
redesenhar o mapa do mundo".
Na
luta contra o poderio português, que se estabelecia naquela região da atual
Angola já há cem anos, "Ginga quase triunfou; foi por uma unha negra [que
foi derrotada]", diz Agualusa. "Ela aliou-se aos holandeses e,
tivesse triunfado, o mapa de África seria hoje bem diferente, e o mapa da
lusofonia também".
A
rainha viveu entre 1583 e 1663 e, nesta época -- século XVII --, Agualusa
sublinha que "já existia um ambiente urbano-africano, já existia uma
cidade de Luanda, luandenses e até há referências a euro-africanos, filhos de
portugueses brancos nascidos em Angola, sendo que muitos desses portugueses
eram nascidos no Brasil".
A
obra sublinha "factos pouco conhecidos", como a participação de
índios do Brasil, ao lado das tropas holandesas combatendo o poderio português
em África, ou que foi um negro de Angola, Henrique Dias, quem derrotou tropas
holandesas no Brasil e restabeleceu o domínio português, "tendo
participado depois no resgate de Luanda", que caíra em mãos neerlandesas.
"E nessas tropas há também índios".
"Este
é o período em que Angola
está a começar, e também o Brasil, que ainda não era o país que conhecemos, com
as fronteiras atuais, e até, de certa maneira, o Portugal contemporâneo está
também a acontecer e os africanos são parte muito ativa na transformação por
completo de todos estes territórios", salientou.
Agualusa
referiu-se à rainha Ginga como "uma personagem apaixonante, completamente
presa a Angola".
"É
impossível crescer em Angola sem ouvir falar da rainha Ginga. Eu cresci a ouvir
falar dela", enfatizou.
Sobre
Ginga, o autor afirmou que "agia como homem, exigia ser tratada como rei,
vestia-se como homem nos campos de batalha e combatia ao lado de outros homens,
e tratava os outros homens como mulheres, e isto vê-se na sua correspondência.
Por exemplo, na sua segunda conversão ao cristianismo, em que ela se debate com
qual mulher ficaria, na verdade essas mulheres [a que se refere] são
homens", contou.
A
tradição cristã consagra o matrimónio monogâmico, sendo diferente da tradição
do povo dongo e de outros povos africanos na época.
Para
se "aventurar" a escrever este romance histórico, Agualusa disse que
teve de se "informar mais" e precisou de se "colocar na cabeça
da Ginga, no seu universo", salientando que "tudo aconteceu numa
época muito recuada".
Lusa, em Noticias ao Minuto
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