Autoridade
de Saúde Pública da Inglaterra toca em velha ferida: laboratórios, em
“falência moral” não investem contra doença que só atinge africanos
Jane
Merrick, no The Independent
- Outras Palavras - Tradução: Gabriela Leite
O
principal médico de saúde pública do Reino Unido culpa o fracasso em encontrar
uma vacina contra o vírus do Ebola na “falência moral” da indústria
farmacêutica em investir em uma doença porque ela, até agora, só afetou pessoas
na África — apesar das centenas de mortes.
O
professor John Ashton, presidente do Instituto
de Saúde Pública do Reino Unido, disse que o Ocidente precisa tratar o
vírus mortal como se este estivesse dominando as partes mais ricas de Londres,
e não “apenas” na Serra Leoa, Guiné e Libéria. Aoescrever no
jornal The Independent, no domingo, o prof. Ashton compara a resposta
internacional ao Ebola àquela que foi dada à Aids. Esta matou pessoas na África
durante anos e os tratamentos só foram desenvolvidos quando a doença
espalhou-se pelos EUA e Ingaterra, nos anos 1980.
Ashton escreve:
“Em ambos os casos [Aids e Ebola], parece que o envolvimento de grupos
minoritários menos poderosos contribuiu para a resposta tardia e o fracasso em
mobilizar recursos médicos internacionais adequados (…) No caso da Aids, levou
anos para que o financiamento de pesquisa adequada fosse posto em prática, e
apenas quando os chamados grupos ‘inocentes’ se envolveram (mulheres e
crianças, pacientes hemofílicos e homens heterossexuais) a mídia, os políticos,
a comunidade científica e as instituições financiadoras levantaram-se e tomaram
conhecimento.”
O
surto de Ebola já custou a vida de pelo menos 729 pessoas na Libéria, Guiné,
Serra Leoa e Nigéria, de acordo com os números mais recentes da Organização
Mundial de Saúde (OMS). O número real é provavelmente muito maior.
Ontem,
uma organização de ajuda norte-americana confirmou que dois agentes
humanitários norte-americanos, que contraíram a doença na Libéria, deixaram o país.
O dr. Kent Brantly passou a ser tratado em uma unidade de hospital
especializado em Atlanta, no estado da Georgia, depois de se tornar a primeira
pessoa com a doença a aterrissar em solo norte-americano, ontem à noite. A
segunda trabalhadora, Nancy Writebol, precisou pousar em um voo privado
separado.
Na
sexta-feira, a Organização Mundial de Saúde alertou que o surto no oeste
africano está “movendo-se mais rápido que nossos esforços para controlá-lo”. A
diretora geral da organização, Margaret Chan, alertou que se a situação
continuar a se deteriorar, as consequências serão “catastróficas” para a vida
humana. O professor Ashton acredita que mais dinheiro deveria ser revertido
para pesquisa por tratamento.
“Devemos
responder a essa emergência como se estivesse acontecendo em Kensington,
Chelsea and Westminster. Nós devemos também enfrentar o escândalo da falta de
vontade da indústria farmacêutica em investir em pesquisa para tratamentos e
vacinas, algo que se recusam a fazer porque o número de envolvidos é, em suas
palavras, muito pequeno e não justifica o investimento. Essa é a falência moral
do capitalismo, manifestando-se na ausência de um quadro moral e social.”
Os
países do Ocidente estão em grande alerta após Patrick Sawyer, um funcionário
do governo liberiano, morrer na última semana após chegar no aeroporto de Lagos
— o primeiro caso conhecido na Nigéria. Hubs aéreos internacionais
são foco de atenção por causa do alto volume de passageiros voando a partir do
oeste da África ou para lá, todos os dias. A empresa aérea Emirataes, de Dubai,
suspendeu, por tempo indeterminado, seus voos de Guiné, por conta da crise.
O
professor John Ashton saudou decisão do Ministro de Negócios Estrangeiros do
Reino Unido, Philip Hammond, em convocar, na semana passada, uma reunião do
comitê de crises do governo — o Cobra – para discutir a prevenção, no
Reino Unido, contra casos de Ebola.
O
desenvolvimento de uma vacina está nos primeiros estágios nos EUA, mas em
pequena escala, e há pouca esperança de que alguma fique pronta para tratar o
atual surto no oeste africano. Anthony Fauci, diretor do Insituto Nacional de
Saúde, uma agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, disse
que há planos de começar a testar uma vacina experimental conta o Ebola, possivelmente
no meio de setembro. O ensaio vem obtendo resultados encorajadores nos testes
pré-clínicos em macacos.
No começo do mês passado, a Agência para Alimentação e
Medicamentos norte-americana [FDA, Food and Drug Administration] convocou voluntários
saudáveis para um teste realizado pela Corporação Farmaceutica Takmira, para
certificar se o tratamento potencial de Ebola não traz efeitos colaterais. Esta
em busca de informações para garantir a segurança de voluntários.
O
professor Ashton disse: “O foco real precisa ser posto na pobreza e na
devastação ambiental em que as epidemias prosperam, e no fracasso da liderança
política e sistemas de saúde pública em responder efetivamente. A comunidade
internacional deve envergonhar-se e procurar compromentimento real… se se deseja
enfrentar as causas essenciais de doenças como Ebola.”
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