sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Moçambique: O Código Penal aprovado ainda contém violações dos direitos humanos



WSLA Moçambique  - Verdade (mz), em Tema de Fundo

A 11 de Julho de 2014, a Assembleia da República aprovou um novo Código Penal, mas a sociedade civil denuncia que ainda contém violações dos direitos humanos e apela ao Presidente da República para que não promulgue esta lei.

No dia 11 de Julho de 2014, a Assembleia da República aprovou de forma definitiva e por consenso o novo Código Penal, em substituição do que vigorava no país há mais de um século. Este acto veio na sequência de vários debates e alguma polémica em torno de alguns artigos do novo Código Penal, que, no entendimento da sociedade e das organizações nacionais da sociedade civil, violavam os direitos humanos das mulheres e das crianças.

No entanto, é de reconhecer que a última versão aprovada retirou alguns dos artigos ofensivos aos direitos da mulher e da rapariga. Por exemplo, o que antes era chamado de “crimes contra a honra” passou a ser designado de “crimes contra a liberdade sexual”. Por isso, o novo código Penal tem o mérito de definir que o bem a proteger nos crimes sexuais é o da liberdade sexual e a integridade física, reconhecendo-se a autonomia no desenvolvimento da sexualidade e na preservação da dignidade da pessoa humana.

Entretanto, quando analisados concretamente os tipos criminais previstos no novo Código Penal, verifica-se que nem todas as normas respondem a esta preocupação. Reagindo ao novo Código Penal, associações da sociedade civil, organizadas numa coligação informal, denominada “Plataforma de Luta Pelos Direitos Humanos no Código Penal”, apesar de reconhecerem os esforços que foram feitos, lamentam que persistam lacunas e violações dos direitos humanos.

Argumentam que as mesmas contrariam não só a Constituição da República mas também as Convenções regionais e internacionais de que o Estado moçambicano é parte. Apontam sobretudo o seguinte:

Violação do princípio da igualdade - artigo 35º da Constituição

O artigo 35 da Constituição que estabelece o princípio da igualdade institui que todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política. As disposições que violam este princípio da igualdade no novo Código Penal são as seguintes:

Artigo 243 (Crime de discriminação)

Esta norma teve em vista materializar o princípio da igualdade, transformando num comportamento criminoso certas situações em que ele é violado. Com efeito, o artigo estabelece penas para quem injuriar outrem usando expressões ou considerações que traduzam preconceito quanto à raça ou cor, sexo, religião, idade, deficiência, doença, condição social, etnia ou nacionalidade e que visem ofender a vítima na sua honra e consideração.

No entanto, nesta enumeração das situações que podem constituir discriminação ficou de fora uma discriminação que é muito comum na nossa sociedade, a discriminação em função da orientação sexual.

A não criminalização da discriminação em função da orientação sexual constitui uma situação de discriminação contra as minorias sexuais, pois transmite a mensagem de que este grupo não carece de protecção legal tal como outras situações de vulnerabilidade que traduzam preconceito e que mereceram a protecção da lei (nomeadamente, quanto à raça ou cor, sexo, religião, idade, deficiência, doença, condição social, etnia ou nacionalidade).

E a consequência desta omissão legislativa inconstitucional será a de agravar a violência a que este grupo de cidadãos se encontra exposto face à não criminalização desta base de discriminação.

Artigo 223 (Denúncia prévia)

Este artigo prevê que nos crimes de atentado ao pudor e violação (com excepção da violação de menor de 16 anos), os procedimentos criminais tenham lugar após denúncia prévia do ofendido, salvo nalgumas circunstâncias. No entanto, a gravidade dos crimes contemplados nesta secção justifica que o Estado intervenha para garantir a punição do agressor, tendo em conta o bem jurídico a proteger (a dignidade e integridade física e moral do ofendido), pelo que deveria poder ser denunciado por qualquer pessoa (crime público) e não apenas por algumas pessoas (crime semi-público).

Pensamos que esta disposição é discriminatória não só em função do género (homem e mulher), mas também é discriminatória em termos de direitos das crianças, ou seja, protege apenas uma parte deste grupo vulnerável deixando de fora outras crianças (as crianças maiores de 16 anos e menores de 18 anos).

Em termos estatísticos, as mulheres são maiores vítimas de violência sexual do que os homens. Também, relativamente à denúncia destes crimes, verifica-se que as mulheres sofrem maiores constrangimentos para efectuar a denúncia, por causa da vergonha pela experiência por elas vivenciada, por medo do perpetrador ou até pelo estigma social.

Em termos de tratamento dado pelas autoridades à violência sexual envolvendo mulheres, na prática verifica-se que estas situações são minimizadas pelos agentes que, à luz da lei, são responsáveis pela sua punição. Deste modo, deixar à responsabilidade das mulheres vítimas de violência e as pessoas a elas próximas a responsabilidade de denunciar as situações de violência sexual, apenas irá agravar as situações de desigualdade de acesso à justiça pelas mulheres. (parcial – continua)


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