Fernanda
Câncio – Diário de Notícias, opinião
Lembra-se
da lei das rendas, bandeira do "reformismo estrutural" deste Governo?
De como ia mudar tudo, "dinamizar o mercado", "introduzir
justiça", "descomplicar"? Nunca mais ouviu falar dela, pois não?
Mas
devia. Segundo a Associação Lisbonense de Proprietários, correm vários
processos em tribunal contestando os rendimentos apresentados pelos inquilinos
para certificar insuficiência económica. É que, por exemplo, alguém auferindo
uma pensão do estrangeiro, por mais elevada que seja, apresenta um Rendimento
Anual Bruto Corrigido (a fórmula que a lei prevê para certificar o nível de
rendimentos) de zero, e o mesmo sucede a quem viva de rendimentos de capital,
os quais são sujeitos a uma taxa liberatória, não tendo de ser inscritos no
IRS. Como as Finanças não têm esta informação, não podem incluir estes valores
no RABC. Resultado: os senhorios podem ser impedidos de aumentar rendas
baixíssimas a pessoas com altos rendimentos (além de poderem ser enganados
também quanto a quem habita uma casa, já que as Finanças tomam como verdadeiro
o que os inquilinos lhes comunicam). O mesmo Governo que estabeleceu que os
beneficiários do Rendimento Social de Inserção não podem ter contas bancárias
superiores a 25 mil euros esqueceu-se de acautelar que quem faz prova de baixos
rendimentos para efeitos da renda devida a um privado não esteja a esconder
proventos de capital - e portanto a prejudicar muito conscientemente o dono da
casa onde mora, com a cumplicidade, carimbada, do Estado. Curioso, não é?
Mas
as iniquidades não se ficam por aqui. Há também a da desigualdade entre os
inquilinos: um "milionário" que acaso receba uma pensão
"mínima" (sim, é possível) pode ver a sua renda calculada em apenas
10% da dita pensão enquanto quem, no mesmo prédio, vive exclusivamente de um salário
ou de uma reforma de 1501 euros paga 25% dos mesmos. E não é delicioso que um
Governo tão obcecado com a "solidariedade entre gerações" tenha
estabelecido uma proteção inabalável para inquilinos com 65 ou mais anos
independentemente dos seus rendimentos (terão direito a rendas controladas,
calculadas anualmente em 1/15 do valor do locado, para o resto da vida)
enquanto inquilinos mais novos com menor capacidade económica se confrontarão,
findo o período de transição de cinco anos que esta prevê (ou seja, pós-2017),
com a possibilidade de o senhorio fixar a renda que entender?
Não
há, certamente, leis perfeitas, e o problema das chamadas rendas antigas
arrastou-se tanto tempo e criou tantos vícios de pensamento e prática que
nenhuma solução será isenta de críticas e falhas. Mas a atrapalhada
incompetência desta, mais o seu "esquecimento" da existência de
rendimentos de capital é bem a marca de um Governo que, perante um problema,
parece só ser capaz de piorar.
Sem comentários:
Enviar um comentário