José Kaliengue – O País (ao), Opinião
A
diferença salarial entre estrangeiros e angolanos em actividades semelhantes ou
equiparadas e com as mesmas competências voltou a ser debatida na LAC, no
programa Elas e o Mundo. O assunto foi levantado pela jornalista Suzana Mendes,
referindo-se a uma posição do Ministério da Hotelaria e Turismo, que eu,
naturalmente, apoio.
Nesta
Quarta-feira tive de parar o carro para ouvir bem o que diziam duas senhoras.
Eu não estava a acreditar. Laurinda Hoygaard e Alexandra Simeão, apesar de
aparentes cuidados, acabaram por procurar defender as ditas diferenças
salariais. Justificação: os angolanos são incompetentes, mal formados e
preguiçosos. Fizeram ressalvas, mas o sentido do que disseram foi para aí.
E
depois até veio o exemplo dos malianos e nigerianos que postos cá de imediato
abrem cantinas e outros negócios. Ora bem, quem foi que disse que os negócios
pertencem aos pobres coitados que encontramos nas cantinas e lá dormem, comem e
fazem a sua vida? Passa pela cabeça de alguém saudável que um fulano sai de uma
aldeia do Mali, entra ilegalmente em Angola, anda escondido das autoridades e
tem dinheiro, contactos e outros meios para rapidamente abrir uma cantina?
E
porque aceitar que o angolano é naturalmente preguiçoso ou incompetente? Porque
aceitar que um recém-formado numa universidade estrangeira é, a partida, mais
competente que um formado em Angola? Alguém acredita que meninos consultores
que andam por aí, na casa dos vinte e um, vinte e três anos de idade têm
experiência de trabalho maior que a dos angolanos da mesma idade e até de
angolanos com muitos anos de trabalho? Há gente que cai no seu primeiro emprego
em Angola, quem não sabe disso?
Já
agora, seria bom vermos nas empresas que contratam estrangeiros se os
estrangeiros africanos auferem os mesmo salários e se gozam das mesmas
condições que os estrangeiros europeus e brasileiros. Porque será que há
diferenças até entre estas categorias de estrangeiros?
Por
acaso o Estado angolano já passa vistos de trabalho para empregados de mesa
(foi um dos exemplos dados por Suzana Mendes) para que os estrangeiros que cá
trabalham nesta função (de forma ilegal, necessariamente) ganhem dez vezes mais
que os seus colegas angolanos?
Sobre
as competências, há portugueses, espanhóis e italianos contratados para
trabalhar na Alemanha ou na Inglaterra, por exemplo, eles vão lá e nem sonham
em ganhar mais que os locais e muito menos em obter regalias e mimos
superiores, porque há-de ser diferente em Angola para trabalhos na construção
civil, restauração e venda de automóveis? Porque há-de ser o imigrante em
Angola, independentemente das suas formações e experiências, naturalmente mais
competente que qualquer angolano, como questionou a arquitecta Ângela Mingas?
E
estes empregados de mesa, por exemplo, que ganham mais que o que sonharam
alguma vez, estando ilegais pagam impostos? E como expatriam o que ganham? Quem
lucra com estes esquemas?
É
engraçado ver como quando se trata de Angola, África e dos africanos atacamos
com metralhas de bombas atómicas, mas quando se trata de tocar nos nossos
outros primos temos tantos pruridos e justificações para deixar perpectuar a
nossa “inferioridade”.
Foi-me
difícil acreditar que aquelas duas senhoras, que até têm responsabilidades na
formação de angolanos, dissessem tais coisas. Mas é assim mesmo, há momentos em
que nos descuidamos.
Há,
no entanto, um ponto em que estamos de acordo. O Estado também dá maus
exemplos. E tem de fazer muito mais para acabar com tais abusos. Isso mesmo,
abusos.
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