quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Angola: ENTÃO, MINHAS SENHORAS...



José Kaliengue – O País (ao), Opinião

A diferença salarial entre estrangeiros e angolanos em actividades semelhantes ou equiparadas e com as mesmas competências voltou a ser debatida na LAC, no programa Elas e o Mundo. O assunto foi levantado pela jornalista Suzana Mendes, referindo-se a uma posição do Ministério da Hotelaria e Turismo, que eu, naturalmente, apoio.

Nesta Quarta-feira tive de parar o carro para ouvir bem o que diziam duas senhoras. Eu não estava a acreditar. Laurinda Hoygaard e Alexandra Simeão, apesar de aparentes cuidados, acabaram por procurar defender as ditas diferenças salariais. Justificação: os angolanos são incompetentes, mal formados e preguiçosos. Fizeram ressalvas, mas o sentido do que disseram foi para aí.

E depois até veio o exemplo dos malianos e nigerianos que postos cá de imediato abrem cantinas e outros negócios. Ora bem, quem foi que disse que os negócios pertencem aos pobres coitados que encontramos nas cantinas e lá dormem, comem e fazem a sua vida? Passa pela cabeça de alguém saudável que um fulano sai de uma aldeia do Mali, entra ilegalmente em Angola, anda escondido das autoridades e tem dinheiro, contactos e outros meios para rapidamente abrir uma cantina?

E porque aceitar que o angolano é naturalmente preguiçoso ou incompetente? Porque aceitar que um recém-formado numa universidade estrangeira é, a partida, mais competente que um formado em Angola? Alguém acredita que meninos consultores que andam por aí, na casa dos vinte e um, vinte e três anos de idade têm experiência de trabalho maior que a dos angolanos da mesma idade e até de angolanos com muitos anos de trabalho? Há gente que cai no seu primeiro emprego em Angola, quem não sabe disso?

Já agora, seria bom vermos nas empresas que contratam estrangeiros se os estrangeiros africanos auferem os mesmo salários e se gozam das mesmas condições que os estrangeiros europeus e brasileiros. Porque será que há diferenças até entre estas categorias de estrangeiros?

Por acaso o Estado angolano já passa vistos de trabalho para empregados de mesa (foi um dos exemplos dados por Suzana Mendes) para que os estrangeiros que cá trabalham nesta função (de forma ilegal, necessariamente) ganhem dez vezes mais que os seus colegas angolanos?

Sobre as competências, há portugueses, espanhóis e italianos contratados para trabalhar na Alemanha ou na Inglaterra, por exemplo, eles vão lá e nem sonham em ganhar mais que os locais e muito menos em obter regalias e mimos superiores, porque há-de ser diferente em Angola para trabalhos na construção civil, restauração e venda de automóveis? Porque há-de ser o imigrante em Angola, independentemente das suas formações e experiências, naturalmente mais competente que qualquer angolano, como questionou a arquitecta Ângela Mingas?

E estes empregados de mesa, por exemplo, que ganham mais que o que sonharam alguma vez, estando ilegais pagam impostos? E como expatriam o que ganham? Quem lucra com estes esquemas?

É engraçado ver como quando se trata de Angola, África e dos africanos atacamos com metralhas de bombas atómicas, mas quando se trata de tocar nos nossos outros primos temos tantos pruridos e justificações para deixar perpectuar a nossa “inferioridade”.

Foi-me difícil acreditar que aquelas duas senhoras, que até têm responsabilidades na formação de angolanos, dissessem tais coisas. Mas é assim mesmo, há momentos em que nos descuidamos.

Há, no entanto, um ponto em que estamos de acordo. O Estado também dá maus exemplos. E tem de fazer muito mais para acabar com tais abusos. Isso mesmo, abusos.

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