Martinho
Júnior, Luanda (Continuação – ver anteriores)
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– O compromisso de paz que o estado angolano assumiu por inteiro em Bicesse e
nos acordos que se seguiram, excluiu sempre as questões económicas, financeiras
e os organismos de segurança e de inteligência, cingindo-se apenas às questões
políticas e militares.
Com
o decorrer do tempo a UNITA soube integrar os seus próprios efectivos (como os
pertencentes ao BATE ou ao BRINDE), nas FALA, a fim de proteger o seu quadro
humano, tanto por via do GURN, como mais tarde por via das políticas de
Reconciliação, Reconstrução Nacional e Reinserção Social e isso apesar de
decisão de Savimbi de partir para a “somalização”, tirando partido da
supremacia inicial de suas forças que, cumprindo com a ementa colocada à
disposição pelos racistas sul-africanos, haviam sido escondidas no Cuando
Cubango.
Em
1991 e 1992, precisamente quando Savimbi rapidamente tomou mais de 70% do
território, milhares de homens pertencentes à Segurança do Estado foram
excluídos dos serviços de forma abrupta, sem formalização de disponibilidade e
sem qualquer garantia de vida.
Os
serviços interromperam a ligação com esses efectivos, apesar de grande parte
deles serem fieis ao MPLA.
Muitos
desses milhares haviam sido colocados nesses serviços durante a Iª República,
pelo que eram efectivamente efectivos indubitavelmente afectos ao MPLA.
O
corte foi feito de tal maneira que ainda hoje, 22 anos depois, a situação de
passagem à reforma desses efectivos não está, em grande parte dos casos,
resolvida!
Mesmo
assim, grande parte da resistência foi feita com o concurso desses efectivos,
em especial durante a “guerra das cidades”, com realce para a cidade do
Cuito, no Bié, num ambiente que Vitoria Bittain nos socorre no eu livro “Morte
da dignidade”:
…”Com
a captura do Huambo a UNITA passou a controlar cinco capitais de província –
algo que nunca teria sequer sonhado durante os longos anos de guerra
sul-africana dos anos 80. Para além do Caxito, as outras três cidades eram no
norte: Uíge, N’Dalatando e M’Banza Congo. Savimbi, recebendo jornalistas que
tinham ido de avião pr o Huambo a partir do Zaíre, disse-lhes que as forças
estavam preparadas para tomar mais quatro capitais no centro e no leste, que
nessa altura estavam cercadas: Cuito, Malange, Luena e Menongue. Dias e semanas
de barragens de artilharia reduziram grande parte destas cidades a escombros e
obrigaram a população a viver em bunkers, a comer ratos e a arrastar-se de
noite pelos campos minados que rodeavam as cidades para chegarem aos campos
onde podiam arranjar comida. Todos os dias o número de baixas, sobretudo
mulheres e crianças, aumentava devido a acidentes com minas terrestres que
rebentavam pés e pernas a uma taxa tal que depressa Angola se tornou no
sinistro detentor do recorde mundial de vítimas de minas, ultrapassando os
dramas mais conhecidos do Camboja e do Afeganistão”…
(…)
…“O
Presidente Eduardo dos Santos, perante o cenário dos horrores que se passavam
nas cidades cercadas, pediu sanções imediatas contra a UNITA, congelando os
seus fundos e as suas contas bancárias e terminando com as facilidades de
transporte. Mas sobretudo depois da queda do Huambo, que fazia parecer cada vez
mais possível que a UNITA ganhasse a guerra, a comunidade internacional
absteve-se de actuar, embora o Conselho de Segurança tenha pelo menos condenado
fortemente as violações dos acordos de paz da parte d UNITA e pedido um
cessar-fogo e que se retomasse o diálogo”…
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– Os efectivos que haviam pertencido às Forças Especiais no Bié e unidades de
LCB da Segurança do Estado, apesar da desmobilização avulsa que foi feita por
imposição dos Acordos (que nunca contemplaram esses efectivos), participaram no
esforço de resistência em várias cidades, muito em especial na cidade do Cuito,
que só não chegou a ser tomada graças ao seu empenho, sacrifício e bravura.
O
assédio durou largos meses, os combates ocorreram no casco urbano e à volta da
cidade, esquina a esquina, colina a colina, ravina a ravina, mas o palácio do
governo não foi tomado.
Entretanto
segundo o testemunho de Margaret Anstee, na altura (1992/93) Representante
Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas em Angola, a comunidade
internacional negou apoio para a realização duma Conferência de Doadores em
benefício de Angola, alegando que o país era suficientemente rico par se virar
e a ONU negou um efectivo de 5.000 capacetes azuis que iriam ser utilizados em
mais uma tentativa de cessar-fogo.
Savimbi
atacou 10 das 18 capitais provinciais, acabando por tomar a cidade do Huambo;
em Luanda as escaramuças foram-lhe desfavoráveis, assim como em Benguela, mas
as cidades do interior (Malange, Cuito e Luena) receberam os maiores impactos
da sua ofensiva.
Enquanto “promovia” a
guerra nas cidades, Savimbi montava todos os dispositivos de exploração de
diamantes nos ricos vales do Cassai, do Cuango e do Cuanza, bem como na vasta
rede de seus afluentes e sub-afluentes.
A “guerra
dos diamantes de sangue” revelar-se-ia ainda mais mortífera que as guerras
anteriores e, ao interligar-se com outros conflitos em África (Zaíre-RDC,
Grandes Lagos, Ruanda, Libéria e Serra Leoa) integrou uma vasta maquinação
internacional que o socorria e o ultrapassava, tal o peso do “lobby dos
minerais” e sobretudo do cartel dos diamantes…
A “guerra
dos diamantes de sangue” nada teve de “guerra civil”, ao contrário do
que considerou Vitoria Brittain; a propaganda ocidental tenta fazer crer a
receita de “guerra civil” uma vez que isso serve para esconder seus
próprios interesses, implicações e até seu envolvimento directo ou indirecto
nos acontecimentos, quantas vezes por via de mercenários, que foram sempre tão “férteis” em
África…
As
outras cidades que Savimbi tomou foram o Uíge, N’Dalatando, M’Banza Congo e
Caxito, em resultado já de alterações de fundo nos seus suportes externos: o
Zaíre de Mobutu aprestou-se em substituir os racistas sul-africanos nos apoios
de retaguarda de Savimbi e ele assim dava início à implantação nos ricos vales
do Cuango, do Cassai e do Cuanza, garantindo desse modo o financiamento da sua
campanha duma forma que não era inédita, pois ele já havia seguido esse mesmo
critério enquanto foi instrumentalizado pelo “apartheid”!
Os
norte americanos reactivaram a base de Kamina em benefício do esforço de
Savimbi.
O
cerco às cidades trazia pois uma carta escondida: com isso Savimbi organizava a
exploração frenética e clandestina de diamantes, aproveitando-se das
fragilidades acumuladas pelo estado angolano, desde que activou o processo
76/86 contra os oficiais que haviam combatido e neutralizado grande parte do
tráfico em 1983!...
A
radiografia de sua geo estratégia não passou despercebida por alguns analistas angolanos,
inclusive um dos oficiais que havia sido condenado em resultado do processo
76/86, uma vez que a sequência dos factos só poderia produzir esse caminho.
O
que teve de se suportar e o que ainda se suporta para sem ambiguidades se
alcançar uma plataforma mínima de paz em Angola, que permita levar avante o
Programa Maior do MPLA e sobretudo a luta contra o subdesenvolvimento, tem
implicações profundas na militância do MPLA, que até hoje guarda a firme
convicção de que a história do movimento de libertação em África é protagonista
dum rumo a muito longo prazo, um rumo que, apesar dos imensos obstáculos e
riscos, não foi perdido, antes pelo contrário, tem hoje tudo para se poder
afirmar!
Foto:
Savimbi com seus tutores, em nome duma democracia imaginária e falaciosa,
incapaz de actuar num eixo de paz!
Foi
com base nos “ensinamentos” dos fascistas do “apartheid” que
Savimbi publicou em francês os traços da ideologia de que se serviu durante a “guerra
dos diamantes de sangue”.
A
publicação em francês, desconhecida da maior parte dos angolanos, visava
angariar apoios em países de expressão francesa de África, o que Savimbi
conseguiu particularmente no Zaíre, no Burkina Faso, no Togo e no Congo; desse
modo Savimbi garantiu apoios de retaguarda inestimáveis.
Os
racistas sul-africanos retiravam de Angola, da Namíbia e perdiam na própria
África do Sul, mas a sua receita preparada para Savimbi, que envolvia a mudança
de retaguarda, mostrou-se funcional durante o período de 1991 a 1998.
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