terça-feira, 16 de setembro de 2014

DESBRAVANDO A LÓGICA COM SENTIDO DE VIDA! – VIII




Martinho Júnior, Luanda (Continuação – ver anteriores

21 – O compromisso de paz que o estado angolano assumiu por inteiro em Bicesse e nos acordos que se seguiram, excluiu sempre as questões económicas, financeiras e os organismos de segurança e de inteligência, cingindo-se apenas às questões políticas e militares.

Com o decorrer do tempo a UNITA soube integrar os seus próprios efectivos (como os pertencentes ao BATE ou ao BRINDE), nas FALA, a fim de proteger o seu quadro humano, tanto por via do GURN, como mais tarde por via das políticas de Reconciliação, Reconstrução Nacional e Reinserção Social e isso apesar de decisão de Savimbi de partir para a “somalização”, tirando partido da supremacia inicial de suas forças que, cumprindo com a ementa colocada à disposição pelos racistas sul-africanos, haviam sido escondidas no Cuando Cubango.

Em 1991 e 1992, precisamente quando Savimbi rapidamente tomou mais de 70% do território, milhares de homens pertencentes à Segurança do Estado foram excluídos dos serviços de forma abrupta, sem formalização de disponibilidade e sem qualquer garantia de vida.

Os serviços interromperam a ligação com esses efectivos, apesar de grande parte deles serem fieis ao MPLA.

Muitos desses milhares haviam sido colocados nesses serviços durante a Iª República, pelo que eram efectivamente efectivos indubitavelmente afectos ao MPLA.

O corte foi feito de tal maneira que ainda hoje, 22 anos depois, a situação de passagem à reforma desses efectivos não está, em grande parte dos casos, resolvida!

Mesmo assim, grande parte da resistência foi feita com o concurso desses efectivos, em especial durante a “guerra das cidades”, com realce para a cidade do Cuito, no Bié, num ambiente que Vitoria Bittain nos socorre no eu livro “Morte da dignidade”:

…”Com a captura do Huambo a UNITA passou a controlar cinco capitais de província – algo que nunca teria sequer sonhado durante os longos anos de guerra sul-africana dos anos 80. Para além do Caxito, as outras três cidades eram no norte: Uíge, N’Dalatando e M’Banza Congo. Savimbi, recebendo jornalistas que tinham ido de avião pr o Huambo a partir do Zaíre, disse-lhes que as forças estavam preparadas para tomar mais quatro capitais no centro e no leste, que nessa altura estavam cercadas: Cuito, Malange, Luena e Menongue. Dias e semanas de barragens de artilharia reduziram grande parte destas cidades a escombros e obrigaram a população a viver em bunkers, a comer ratos e a arrastar-se de noite pelos campos minados que rodeavam as cidades para chegarem aos campos onde podiam arranjar comida. Todos os dias o número de baixas, sobretudo mulheres e crianças, aumentava devido a acidentes com minas terrestres que rebentavam pés e pernas a uma taxa tal que depressa Angola se tornou no sinistro detentor do recorde mundial de vítimas de minas, ultrapassando os dramas mais conhecidos do Camboja e do Afeganistão”…

(…)

…“O Presidente Eduardo dos Santos, perante o cenário dos horrores que se passavam nas cidades cercadas, pediu sanções imediatas contra a UNITA, congelando os seus fundos e as suas contas bancárias e terminando com as facilidades de transporte. Mas sobretudo depois da queda do Huambo, que fazia parecer cada vez mais possível que a UNITA ganhasse a guerra, a comunidade internacional absteve-se de actuar, embora o Conselho de Segurança tenha pelo menos condenado fortemente as violações dos acordos de paz da parte d UNITA e pedido um cessar-fogo e que se retomasse o diálogo”…

22 – Os efectivos que haviam pertencido às Forças Especiais no Bié e unidades de LCB da Segurança do Estado, apesar da desmobilização avulsa que foi feita por imposição dos Acordos (que nunca contemplaram esses efectivos), participaram no esforço de resistência em várias cidades, muito em especial na cidade do Cuito, que só não chegou a ser tomada graças ao seu empenho, sacrifício e bravura.

O assédio durou largos meses, os combates ocorreram no casco urbano e à volta da cidade, esquina a esquina, colina a colina, ravina a ravina, mas o palácio do governo não foi tomado.

Entretanto segundo o testemunho de Margaret Anstee, na altura (1992/93) Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas em Angola, a comunidade internacional negou apoio para a realização duma Conferência de Doadores em benefício de Angola, alegando que o país era suficientemente rico par se virar e a ONU negou um efectivo de 5.000 capacetes azuis que iriam ser utilizados em mais uma tentativa de cessar-fogo.

Savimbi atacou 10 das 18 capitais provinciais, acabando por tomar a cidade do Huambo; em Luanda as escaramuças foram-lhe desfavoráveis, assim como em Benguela, mas as cidades do interior (Malange, Cuito e Luena) receberam os maiores impactos da sua ofensiva.

Enquanto “promovia” a guerra nas cidades, Savimbi montava todos os dispositivos de exploração de diamantes nos ricos vales do Cassai, do Cuango e do Cuanza, bem como na vasta rede de seus afluentes e sub-afluentes.

A “guerra dos diamantes de sangue” revelar-se-ia ainda mais mortífera que as guerras anteriores e, ao interligar-se com outros conflitos em África (Zaíre-RDC, Grandes Lagos, Ruanda, Libéria e Serra Leoa) integrou uma vasta maquinação internacional que o socorria e o ultrapassava, tal o peso do “lobby dos minerais” e sobretudo do cartel dos diamantes…

A “guerra dos diamantes de sangue” nada teve de “guerra civil”, ao contrário do que considerou Vitoria Brittain; a propaganda ocidental tenta fazer crer a receita de “guerra civil” uma vez que isso serve para esconder seus próprios interesses, implicações e até seu envolvimento directo ou indirecto nos acontecimentos, quantas vezes por via de mercenários, que foram sempre tão “férteis” em África…

As outras cidades que Savimbi tomou foram o Uíge, N’Dalatando, M’Banza Congo e Caxito, em resultado já de alterações de fundo nos seus suportes externos: o Zaíre de Mobutu aprestou-se em substituir os racistas sul-africanos nos apoios de retaguarda de Savimbi e ele assim dava início à implantação nos ricos vales do Cuango, do Cassai e do Cuanza, garantindo desse modo o financiamento da sua campanha duma forma que não era inédita, pois ele já havia seguido esse mesmo critério enquanto foi instrumentalizado pelo “apartheid”!

Os norte americanos reactivaram a base de Kamina em benefício do esforço de Savimbi.

O cerco às cidades trazia pois uma carta escondida: com isso Savimbi organizava a exploração frenética e clandestina de diamantes, aproveitando-se das fragilidades acumuladas pelo estado angolano, desde que activou o processo 76/86 contra os oficiais que haviam combatido e neutralizado grande parte do tráfico em 1983!...

A radiografia de sua geo estratégia não passou despercebida por alguns analistas angolanos, inclusive um dos oficiais que havia sido condenado em resultado do processo 76/86, uma vez que a sequência dos factos só poderia produzir esse caminho.

O que teve de se suportar e o que ainda se suporta para sem ambiguidades se alcançar uma plataforma mínima de paz em Angola, que permita levar avante o Programa Maior do MPLA e sobretudo a luta contra o subdesenvolvimento, tem implicações profundas na militância do MPLA, que até hoje guarda a firme convicção de que a história do movimento de libertação em África é protagonista dum rumo a muito longo prazo, um rumo que, apesar dos imensos obstáculos e riscos, não foi perdido, antes pelo contrário, tem hoje tudo para se poder afirmar!

Foto: Savimbi com seus tutores, em nome duma democracia imaginária e falaciosa, incapaz de actuar num eixo de paz!

Foi com base nos “ensinamentos” dos fascistas do “apartheid” que Savimbi publicou em francês os traços da ideologia de que se serviu durante a “guerra dos diamantes de sangue”.

A publicação em francês, desconhecida da maior parte dos angolanos, visava angariar apoios em países de expressão francesa de África, o que Savimbi conseguiu particularmente no Zaíre, no Burkina Faso, no Togo e no Congo; desse modo Savimbi garantiu apoios de retaguarda inestimáveis. 

Os racistas sul-africanos retiravam de Angola, da Namíbia e perdiam na própria África do Sul, mas a sua receita preparada para Savimbi, que envolvia a mudança de retaguarda, mostrou-se funcional durante o período de 1991 a 1998.

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