Conheça
a história da relação entre Cavaco e Salgado
Carlos
Diogo Santos – jornal i
PR
tem sido criticado por ter dito em Julho que o banco estava estável. No domingo
justificou que só pode saber do que se passa verdadeiramente no banco quando o
governo ou as entidades oficiais lhe comunicam
O
Presidente da República respondeu este fim de semana a quem o acusa de ter
induzido em erro os pequenos investidores que compraram acções do BES poucos
dias antes da decisão de recapitalização do banco. Cavaco Silva justificou que
as suas declarações de Julho, dando conta que o BES estava estável, tinham por
base a informação oficial de que dispunha e adiantou mesmo que espera ter sido
avisado atempadamente pelo executivo de Passos Coelho e pelas entidades
oficiais assim que houve conhecimento dos reais problemas do banco. Os canais
de informação, porém, entre Cavaco e o universo Espírito Santo sempre
existiram. Nesta última declaração, o chefe de Estado disse não ter
“ministérios”, “serviços de execução política”, nem “serviços de fiscalização
ou investigação” para conseguir informação além da que o executivo lhe
disponibiliza. Mas desde há muitos anos que são conhecidas as ligações com a
família Espírito Santo e a amizade com Ricardo Salgado.
O
i foi recuperar o início de uma relação entre professor e aluno que começou na
década de 60 e os encontros que mais tarde começaram a traçar uma maior
proximidade: desde jantares privados a apoios financeiros à corrida a Belém de
2006.
A
REUNIÃO DAVOS O mediático encontro de 1989 num hotel da Suíça foi um marco
nas relações entre o banqueiro e o então primeiro ministro, mas não o início.
Salgado já havia sido aluno de Cavaco no Instituto Superior de Ciências
Económicas e Financeiras (actual ISEG) na década de 60. É, no entanto, naquela
reunião que é comunicada por Salgado e Manuel Ricardo Espírito Santo a Cavaco
Silva a intenção da família de retomar parte do império perdido. O chefe do
executivo encontrava-se naquele país para estar presente no Fórum Mundial de
Davos. Nos últimos 20 anos muita coisa tinha mudado e é ali – no bar do pequeno
hotel encerrado para aquela reunião – que Cavaco fica a conhecer os planos da
família Espírito Santo para o futuro próximo. Queriam regressar a Portugal com
o objectivo de ganhar a privatização do Banco Espírito Santo Comercial de
Lisboa – nacionalizados em 1975 – no âmbito da política de liberalização
económica promovida pelos governos de Cavaco.
O retorno em força dos Espírito Santo ao país
acontece dois anos depois da reunião no hotel da Suíça, ainda durante o
executivo liderado por Cavaco Silva. Mas se até então as conversações poderiam
não passar de meras formalidades, as dúvidas ficam desfeitas quando anos mais
tarde, em 2004, Salgado convida Cavaco para um jantar na casa do Estoril, onde
em Julho deste ano foi detido no âmbito da Operação Monte Branco.
Aníbal
Cavaco Silva chegou com a sua mulher ao jantar onde além de Ricardo Salgado
estava Durão Barroso – então primeiro-ministro –, Margarida Sousa Uva, Marcelo
Rebelo de Sousa e Rita Amaral Cabral. Na altura o semanário “Expresso” adiantou
que o convite tinha como objectivo “pressionar Cavaco a candidatar-se às
eleições presidenciais [de 2006]”. O banqueiro terá referido nesse encontro que
a presença de Cavaco em Belém seria importante para o país, uma vez que se
encontrava numa situação económico-financeira cada vez mais complicada.
A
conversa privada rapidamente se tornara pública, uma vez que dentro do PSD
havia movimentações para a corrida a Belém e alguns sectores do partido estavam
preocupados com a possibilidade de Pedro Santana Lopes avançar.
Contactado
então pelo “Expresso”, Ricardo Salgado confirmou o encontro e admitiu a
existência de uma relação de amizade: “[Tratou-se] de um jantar privado de
casais que têm laços de amizade.”
MAIS
QUE AMIZADE
Mas o apoio à candidatura não se ficou pelas palavras dessa
noite. Ricardo Salgado fez questão de, no ano seguinte, doar o máximo permitido
por lei à candidatura de Cavaco – que entretanto já havia anunciado que estava
na corrida a Belém. De acordo com o “Diário de Notícias”, que consultou as
contas das campanhas de 2006,
a família Espírito Santo foi uma das grandes
financiadoras do actual Presidente da República, tendo doado 104 928 euros – o
que representa mais de 5% do total. Só Salgado doou 22 482 euros, o
máximo então permitido por lei. O banqueiro foi mais longe que Oliveira Costa,
então presidente do BPN, que apenas doou 15 mil euros.
Os
apoios da banca a Cavaco não foram exclusivos da família de Ricardo Salgado,
mas os dos Espírito Santo foram exclusivamente para Cavaco. Segundo o mesmo
jornal, por exemplo, a candidatura de Mário Soares – ainda que tenha tido
financiamento da banca – não recebeu qualquer donativo proveniente do universo
Espírito Santo.
Ainda
assim, no livro “O Último Banqueiro” é referido que Ricardo Salgado também terá
incentivado Soares a concorrer contra o social-democrata. Apesar de haver mais
apoios para uns que para outros, a obra refere que o objectivo do banqueiro era
que o BES fosse “o banco de todos os regimes”.
UMA
RELAÇÃO QUE SE MANTEVE
Apesar de dizer várias vezes que o banco
agradava a todas as cores políticas, a verdade é que Salgado volta a dar a mão
a Cavaco em 2010. Num evento organizado pelo “Económico” o banqueiro defendeu a
recandidatura: “O presidente Cavaco Silva é uma referência nacional. Acho que
se deve recandidatar.” As contas das presidenciais de 2011 ainda aguardam
publicação de acórdão, pelo que não são conhecidos os valores das doações.
Outros
factos comprovam a proximidade entre o Presidente da República e os Espírito
Santo. Um deles foi a compra do Pavilhão Atlântico pelo consórcio liderado por
Luís Montez, o empresário de comunicação genro de Cavaco Silva, numa operação
financiada pelo BESInvestimento.
Cronologia
1989 - Cavaco
Silva, então primeiro-ministro, e Ricardo Salgado encontram-se na Suíça,
juntamente com Manuel Ricardo Espírito Santo. Os membros da família Espírito
Santo revelam que têm vontade de regressar ao país e assumir novamente a
Tranquilidade e o Banco Espírito Santo.
2004 - Um
jantar na casa do Estoril de Ricardo Salgado juntava o primeiro ministro Durão
Barroso, Marcelo Rebelo de Sousa e Cavaco Silva. O “Expresso” noticiou que o
encontro tinha a finalidade de mostrar apoio à candidatura de Cavaco nas
eleições presidenciais de 2006.
2004 - Cinco
membros da família Espírito Santo doaram mais de 104 mil euros à Campanha de
Cavaco. Segundo o “Diário de Notícias”, a família Espírito Santo foi mesmo uma
das grandes financiadoras, representando mais de 5% do total doado a Cavaco
Silva. Salgado doou o máximo permitido, na altura, por lei: 22 482 euros.
2010 - Ricardo
Salgado pressiona Cavaco a recandidatar-se à presidência da República. E chega
a dar a sua posição em público, num evento organizado pelo “Negócios”: “O
Presidente Cavaco é uma referência nacional. Acho que se deve recandidatar”.
Cavaco respondeu, numa entrevista à RTP a partir de Luanda, dizendo que ira
pensar em família nesse cenário.
2014
21 Julho - Durante uma viagem à Coreia do Sul, Cavaco acalma os ânimos e diz que o BES está estável. Adianta que a entidade bancária não é permeável aos problemas do Grupo Espírito Santo.
03 Agosto - É anunciada a recapitalização do Banco Espírito Santo e a sua divisão em dois bancos: um bom e um mau.
07 Setembro - Após criticas de que terá induzido investidores em erro ao dizer que o banco estava estável, Cavaco reage dizendo que as suas declarações tinham em conta as informações que lhe foram prestadas pelo executivo de Passo Coelho, bem como pelas entidades oficiais. Disse esperar que o Governo lhe tenha dado as informações assim que teve acesso às mesmas.
Foto:
André Kosters / Lusa
*Título
PG
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