Baptista-Bastos – Diário de Notícias, opinião
Os
equívocos e as omissões parecem ter carta-de-alforria na sociedade portuguesa.
Vive-se do aspecto, tudo aparentemente "natural", porque as nebulosas
não são esclarecidas, e os comentadores que tinham obrigação de as clarificar
não o fazem por incompetência, porque são estipendiados ou por medo. Se é
preciso coragem para ser velho, como diz a Isaura, para ser velho em Portugal a
coragem terá de ser dupla ou tripla.
Há
pouco tempo, o Dr. Cavaco afirmou que não havia motivos para os clientes do BES
terem sobressaltos. O vulcão já estava activo e, de certeza, muita gente sabia
o que se passava no subsolo. O desmoronar do império financeiro foi, pelos
vistos e ouvidos, um espanto para o Dr. Cavaco, cuja tranquila persuasão
encaminhara milhares de portugueses para os abismos da desgraça.
Veio
agora o pobre homem dizer à puridade que ninguém, nem Governo, nem os sábios
com que se rodeia, nem o governador do Banco de Portugal, lhe chamara a atenção
para o ruído vulcânico já pressentido. A inépcia do Dr. Cavaco, que, em certa
ocasião, declarou não perder tempo a ler jornais, e raramente se enganava, tem,
como testemunho histórico, a farsa em que vive e nos obriga a viver.
A
sua ignorância, neste gravíssimo caso, e o silêncio ou as frases dúbias com que
a ele se refere é mais um triste e nefasto episódio da tragédia portuguesa. Um
Presidente deste género, um Governo tal assim, uma comunicação social que se
perdeu em devaneios líricos, e que converteu em fazedores de opinião umas
criaturas que não estão ali para explicar (como dizia o Chacrinha no Brasil)
mas para complicar, deviam ser apontados à execração e alvitrados como
delinquentes de lesa-pátria.
O
País está de pantanas, já se fala abertamente no abandono do euro, e que o euro
(com provas provadas) só beneficiou a Alemanha, e há por aí um ou dois grupos
de lúgubres humoristas que gozam connosco tocados de leviana impunidade. Ridendo
castigat mores (A rir castigamos os costumes) transformou-se numa cegada
improvável e numa galhofa desprovida de sentido. Não é dilucidada a raiz oculta
dos acontecimentos que nos afectam; as privatizações obedecem a critérios
brumosos; surgem rios de dinheiro, de procedência calada para aquisição de
empresas; poderosos escritórios de advogados envolvem-se nestes e em outros
negócios - e nós somos colocados perante factos consumados, como rebanhos
resignados e sem voto na matéria. A democracia de troca de favores funciona, e
um pequeno grupo enche os bolsos de dinheiro, com a aquiescência de quem, na
imprensa e nas televisões, capitula na missão de informar, explicar e combater.
O País precisa, urgentemente, de uma barrela que expurgue as nódoas que o
tornaram este amontoado de negócios sórdidos.
Por
decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
Sem comentários:
Enviar um comentário