Paula
Ferreira – Jornal de Notícias, opinião
O
primeiro-ministro remeteu para a Procuradoria-Geral da República (PGR) o
esclarecimento sobre o eventual ilícito na sua declaração de rendimentos
enquanto deputado.
Passos
Coelho não se lembra se exerceu o cargo de deputado em regime de exclusividade,
entre 1995 e 1999. A
mesma dúvida quis ver esclarecida, há dias, pelos serviços da Assembleia da
República. A resposta foi célere. Pedro Passos Coelho não exerceu em regime de
exclusividade: ou seja, podia ter auferido os rendimentos da Tecnoforma. Que
não terão sido declarados ao Fisco. Disso o primeiro-ministro também não se
lembra.
"Só
há uma maneira de clarificar: que é solicitar à Procuradoria-Geral da República
que faça as averiguações especificamente sobre esta matéria que devam ser
realizadas de modo a esclarecer se há ou não algum ilícito independentemente de
entretanto ter prescrito". Pedro Passos Coelho, o político que
(lembram-se?) não tinha pressa de "ir ao pote", assume a postura de
seriedade que se deseja do líder de um governo. Mas o que se espera do
primeiro-ministro é o esclarecimento de se cumpriu ou não as suas obrigações
fiscais. Se não o fez, deve, obviamente, demitir-se. Passos transfere o ónus
para a PGR, incumbindo-a de investigar algo já prescrito. Há, no entanto, algo,
a reter nas suas palavras: "Não deixarei de tirar todas as minhas
conclusões e consequências em função do apuramento que a Procuradoria-Geral da
República vier a fazer". Fica a garantia. Se a PGR esclarecer que Passos
Coelho não declarou o rendimento auferido, o próprio assumirá as devidas
consequências. Demite-se? Demite-se. Não podemos entender de outra forma a
palavras de primeiro-ministro.
Numa
conferência de Imprensa conjunta com o alemão Martin Schulz - que deveria
servir para debater questões europeias - o presidente do Parlamento Europeu
acompanhou as questões feitas pelos jornalistas através da tradução simultânea.
E deverá ter percebido, talvez com algum espanto, o seguinte: num país em que a
retoma e o combate ao défice assenta no pagamento de impostos dos portugueses,
pairam sérias dúvidas sobre se o primeiro-ministro terá a sua folha
completamente limpa. Nos primeiros cinco meses de 2014, recorde-se, o Estado
arrecadou 14 624,6 milhões de euros em impostos, verificando-se um aumento de
477 milhões em relação ao período homólogo.
O
antigo deputado e agora primeiro-ministro reage às dúvidas, às suspeitas, com a
sua própria amnésia. Passos Coelho deverá ter consciência de que a Procuradoria
espera do chefe do Governo uma memória viva, isenta, sem mácula: para chegar,
enfim, a alguma conclusão plausível. De contrário, estamos perante um exercício
(mais um) de retórica. E o perigo é este, que mina o regime democrático, a
ética republicana, a confiança. Os cidadãos, sentados (ou de cócoras) assistem
a uma peça de teatro - mas, na vida real, são essas as personagens que
governam.
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