O
racismo no Brasil é "estrutural e institucionalizado" e "permeia
todas as áreas da vida". A conclusão é da Organização das Nações Unidas
(ONU), que publicou nesta sexta-feira (12) seu informe sobre a situação da
discriminação racial no país.
No
documento, os peritos concluem que o "mito da democracia racial"
ainda existe na sociedade brasileira e que parte substancial dela ainda
"nega a existência do racismo".
A
publicação do informe coincide com a volta do debate sobre o racismo no Brasil
por causa da expulsão
do Grêmio da Copa do Brasil por atos de sua torcida contra o goleiro negro do
Santos, Aranha. Nesta semana, Pelé
também causou polêmica ao minimizar o problema.
Mas
as constatações dos peritos da ONU, que visitaram o Brasil entre os dias 4 e 14
de dezembro de 2013, são claras: os negros no país são os que mais são
assassinados, são os que têm menor escolaridade, menores salários, maior taxa
de desemprego, menor acesso à saúde, são os que morrem mais cedo e têm a menor
participação no Produto Interno Bruto (PIB). No entanto, são os que mais lotam
as prisões e os que menos ocupam postos nos governos.
Para
a entidade, um dos maiores obstáculos para lidar com o problema é que
"muitos acadêmicos nacionais e internacionais e atores ainda subscrevem ao
mito da democracia racial". Para a ONU, isso é "frequentemente usado
por políticos conservadores para descreditar ações afirmativas".
"O
Brasil não pode mais ser chamado de uma democracia racial e alguns órgãos do
Estado são caracterizados por um racismo institucional, nos quais as
hierarquias raciais são culturalmente aceitas como normais", destacou a
ONU.
A
entidade sugere que se "desconstrua a ideologia do branqueamento que
continua a afetar as mentalidades de uma porção significativa da
sociedade".
Mas
falta dinheiro, segundo a ONU, para que o sistema educativo reforce aulas de
história da população afro-brasileira, um dos mecanismos mais eficientes para
combater o "mito da democracia racial".
Justiça
Para
a ONU, essa situação ainda afeta a capacidade da população negra em ter acesso
à Justiça. "A negação da sociedade da existência do racismo ainda continua
sendo uma barreira à Justiça", declarou, apontando que mesmo nos casos que
chegam aos tribunais, a condenação por atos racistas é dificultada "pelo
mito da democracia racial".
Para
chegar à conclusão, a ONU apresentou dados sobre a situação dos negros no país.
Apesar de fazer parte de mais de 50% da população, os afro-brasileiros
representam apenas 20% do PIB. O desemprego é 50% superior ao restante da
sociedade, e a renda é metade da população branca.
A
expectativa de vida para os afro-brasileiros seria de apenas 66 anos, contra
mais de 72 anos para o restante da população. Mesmo no campo da cultura, a
participação desse grupo é apenas "superficial", e as taxas de
analfabetismo são duas vezes superiores ao restante da população.
A
violência policial contra os negros também chama a atenção da ONU, que apela à
polícia para que deixe de fazer seu perfil de suspeitos baseado em cor da pele.
Em 2010, 76,6% dos homicídios no país envolveram afro-brasileiros.
"Uma
das grandes preocupações é a violência da polícia contra jovens
afro-brasileiros", indicou. "A polícia é a responsável por manter a
segurança pública. Mas o racismo institucional, discriminação e uma cultura da
violência levam a práticas de um perfil racial, tortura, chantagem, extorsão e
humilhação em especial contra afro-brasileiros", disse.
"O
uso da força e da violência para o controle do crime passou a ser aceito pela
sociedade como um todo porque é perpetuada contra uma setor da sociedade cujas
vidas não são consideradas como tão valiosas", criticou a ONU.
Os
peritos apontam que avaliam esse fenômeno como "a fabricação de um inimigo
interno que justifica táticas militares para o controle de comportamentos
criminosos".
"O
direito à vida sem violência não está sendo garantido pelo Estado para os
afro-brasileiros", insistiu o informe.
Governo
Para
a ONU, houve um avanço nos últimos anos no esforço do governo para lidar com o
problema. Mas alerta que muitos dos organismos criados não contam com
financiamento suficiente e nem recursos humanos para realizar seus trabalhos.
"Muitos ainda têm baixa visibilidade em termos de presença física e
posição dentro dos governos dos Estados e dos municípios."
A
ONU também denuncia a resistência de grupos políticos diante de projetos de
leis que tentam lidar com a desigualdade racial. Os peritos declararam estar
"preocupados que o progresso feito até agora corra o risco de sofrer uma
regressão diante das ameaças de grupos de extrema-direita".
Mesmo
dentro da estrutura do Estado, os afro-brasileiros são
"sub-representados". Eles ocupam raramente uma posição de chefia e,
em Salvador, a única secretaria municipal comandada por um negro é a da Ação
Afirmativa. O município conta com 12 secretarias.
Estadão,
em UOL
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