Afropress,
editorial
Terminadas
as eleições, apurados os votos e declarada a vitória da Presidente Dilma
Rousseff, reeleita para mais 4 anos, é o momento dos setores comprometidos com
mudanças reais no país – e não apenas com medidas cosméticas – fortalecerem a
linha sinalizada por Dilma no discurso de comemoração da vitória e na
entrevista desta segunda-feira (27/10), no Jornal Nacional da Rede Globo.
Dilma
reafirmou o compromisso em fazer as reformas que vem sendo adiadas há décadas –
a começar da reforma política, que ela pretende submeter a uma consulta popular
por meio de um plebiscito: “Sei que estou sendo reconduzida para fazer as
grandes mudanças que a sociedade brasileira exige. Naquilo que meu esforço, meu
papel e meu poder alcançar, podem ter certeza de que estou pronta para
responder a essa invocação”, garantiu.
As
reformas são mais do que nunca urgentes porque nestas eleições foi possível
identificar com toda nitidez duas tendências: de um lado, a descrença no
sistema político eleitoral e partidário, comprovada pelo fato de, por exemplo,
no Rio, a soma de votos nulos, brancos e abstenções ser superior a obtida pelo
governador eleito; de outro, o aparecimento em cena, de uma direita
reacionária, ecoando o velho fantasma do comunismo – que foi usado como
pretexto para o golpe militar de 1.964 – e o discurso mais racista e xenófobo
ofensivo ao povo nordestino, acusado de ser responsável pela derrota do
candidato em quem essa mesma direita retrógrada depositava suas esperanças – o
senador tucano Aécio Neves, que obteve mais de 50 milhões de votos.
As
duas tendências não apareceram por acaso: só se explicam pelo fato do PT, ao
chegar ao Governo a partir de 2002, ter mudado seu discurso, seu programa e
recuado do compromisso com reformas profundas na sociedade, e ter passado a
adotar o “mantra da governabilidade” à qualquer custo para justificar alianças
com os mesmos setores representativos das oligarquias mais conservadoras, que
há séculos mantém intocados os seus privilégios.
Não
bastasse para exemplificar essa postura, nestas eleições mesmo, o Partido
apoiou Collor, reeleito senador em Alagoas, contra a ex-senadora Heloísa
Helena, alvo dos expurgos sofridos por antigos fundadores do PT; no Pará,
apoiou Helder Barbosa, da clã de Jader Barbalho, abrindo mão de lançar candidatos.
Sem contar com o apoio sempre celebrado e cortejado de figuras como Sarney e
Maluf, este último flagrado na fila da sessão eleitoral em que votou em Dilma
exibindo orgulhoso material de campanha.
O
novo Governo Dilma, que já nasce em meio a uma crise com as denúncias de
corrupção na Petrobrás, uma forte oposição nas ruas, e a presença organizada
dos setores mais conservadores (especialmente ligados às bancadas evangélicas e
de militares no Congresso), não tem outra saída, senão fazer uma inflexão à
esquerda: sinalizar aos setores populares que, de fato, quer fazer as reformas
para mudar o país.
A
primeira que anunciou foi a reforma política. É um bom começo, porém, é preciso
saber a que reforma política se refere a Presidente: se é só para acabar com o
financiamento privado e garantir financiamento público e voto em lista como
defende o seu Partido, ou se é uma reforma completa, com a mudança de todo o
sistema político-partidário, eleitoral e de representação, com o fim do voto
obrigatório, adoção de mandatos revogáveis, candidaturas avulsas, entre outras
medidas, além, da adoção permanente de mecanismos de consulta à população, já
previstos na atual Constituição como o plebiscito e o referendo.
A
reforma política deve ser seguida das reformas do modelo tributário com a
taxação das grandes fortunas, do modelo sindical que assegure a liberdade e a
autonomia sindical; do Judiciário, que faça com que esse Poder se transforme,
de fato, em instrumento de Justiça para quem precisa; a reforma agrária e
urbana; a reforma do sistema educacional, penal e prisional; enfim, reformas
que façam o Brasil se tornar uma sociedade mais justa, concluindo-se a Abolição
(jamais concluída), que mantém a maioria negra e pobre eternamente às margens,
e que a melhoria da vida das pessoas não seja apenas um slogan para ser
martelado pelos marqueteiros de campanha.
Tais
reformas jamais serão do interesse de um Congresso que não quer abrir mão de
mamatas e privilégios. Daí que, se de fato a Presidente tem compromisso em
fazê-las, deve convocar o povo para entrar nessa arena. E como a história nos
ensina, quando o povo entra em cena de forma organizada, sabendo o que quer e
não apenas sai às ruas com reivindicações e desejos difusos, as coisas costumam
mudar de verdade.
É
o que se espera.
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