quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Brasil: A vitória de Dilma, o rastro do racismo e da xenofobia e a urgência das reformas



Afropress, editorial

Terminadas as eleições, apurados os votos e declarada a vitória da Presidente Dilma Rousseff, reeleita para mais 4 anos, é o momento dos setores comprometidos com mudanças reais no país – e não apenas com medidas cosméticas – fortalecerem a linha sinalizada por Dilma no discurso de comemoração da vitória e na entrevista desta segunda-feira (27/10), no Jornal Nacional da Rede Globo.

Dilma reafirmou o compromisso em fazer as reformas que vem sendo adiadas há décadas – a começar da reforma política, que ela pretende submeter a uma consulta popular por meio de um plebiscito: “Sei que estou sendo reconduzida para fazer as grandes mudanças que a sociedade brasileira exige. Naquilo que meu esforço, meu papel e meu poder alcançar, podem ter certeza de que estou pronta para responder a essa invocação”, garantiu.

As reformas são mais do que nunca urgentes porque nestas eleições foi possível identificar com toda nitidez duas tendências: de um lado, a descrença no sistema político eleitoral e partidário, comprovada pelo fato de, por exemplo, no Rio, a soma de votos nulos, brancos e abstenções ser superior a obtida pelo governador eleito; de outro, o aparecimento em cena, de uma direita reacionária, ecoando o velho fantasma do comunismo – que foi usado como pretexto para o golpe militar de 1.964 – e o discurso mais racista e xenófobo ofensivo ao povo nordestino, acusado de ser responsável pela derrota do candidato em quem essa mesma direita retrógrada depositava suas esperanças – o senador tucano Aécio Neves, que obteve mais de 50 milhões de votos.

As duas tendências não apareceram por acaso: só se explicam pelo fato do PT, ao chegar ao Governo a partir de 2002, ter mudado seu discurso, seu programa e recuado do compromisso com reformas profundas na sociedade, e ter passado a adotar o “mantra da governabilidade” à qualquer custo para justificar alianças com os mesmos setores representativos das oligarquias mais conservadoras, que há séculos mantém intocados os seus privilégios.

Não bastasse para exemplificar essa postura, nestas eleições mesmo, o Partido apoiou Collor, reeleito senador em Alagoas, contra a ex-senadora Heloísa Helena, alvo dos expurgos sofridos por antigos fundadores do PT; no Pará, apoiou Helder Barbosa, da clã de Jader Barbalho, abrindo mão de lançar candidatos. Sem contar com o apoio sempre celebrado e cortejado de figuras como Sarney e Maluf, este último flagrado na fila da sessão eleitoral em que votou em Dilma exibindo orgulhoso material de campanha.

O novo Governo Dilma, que já nasce em meio a uma crise com as denúncias de corrupção na Petrobrás, uma forte oposição nas ruas, e a presença organizada dos setores mais conservadores (especialmente ligados às bancadas evangélicas e de militares no Congresso), não tem outra saída, senão fazer uma inflexão à esquerda: sinalizar aos setores populares que, de fato, quer fazer as reformas para mudar o país.

A primeira que anunciou foi a reforma política. É um bom começo, porém, é preciso saber a que reforma política se refere a Presidente: se é só para acabar com o financiamento privado e garantir financiamento público e voto em lista como defende o seu Partido, ou se é uma reforma completa, com a mudança de todo o sistema político-partidário, eleitoral e de representação, com o fim do voto obrigatório, adoção de mandatos revogáveis, candidaturas avulsas, entre outras medidas, além, da adoção permanente de mecanismos de consulta à população, já previstos na atual Constituição como o plebiscito e o referendo.

A reforma política deve ser seguida das reformas do modelo tributário com a taxação das grandes fortunas, do modelo sindical que assegure a liberdade e a autonomia sindical; do Judiciário, que faça com que esse Poder se transforme, de fato, em instrumento de Justiça para quem precisa; a reforma agrária e urbana; a reforma do sistema educacional, penal e prisional; enfim, reformas que façam o Brasil se tornar uma sociedade mais justa, concluindo-se a Abolição (jamais concluída), que mantém a maioria negra e pobre eternamente às margens, e que a melhoria da vida das pessoas não seja apenas um slogan para ser martelado pelos marqueteiros de campanha.

Tais reformas jamais serão do interesse de um Congresso que não quer abrir mão de mamatas e privilégios. Daí que, se de fato a Presidente tem compromisso em fazê-las, deve convocar o povo para entrar nessa arena. E como a história nos ensina, quando o povo entra em cena de forma organizada, sabendo o que quer e não apenas sai às ruas com reivindicações e desejos difusos, as coisas costumam mudar de verdade.

É o que se espera.

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