quarta-feira, 5 de novembro de 2014

LICENCIADOS A MAIS OU DESCONVERSA A MAIS?



Francisco Louçã – Público, opinião

Confrontado com as declarações de Merkel sobre o exagero de licenciados em Portugal, Crato terá reafirmado que não temos excesso de pessoas que concluíram a universidade. Fez bem em responder à chanceler e tem razão na sua afirmação, como se verifica pelo gráfico (clique para ampliar): segundo os números do Eurostat, referentes a 2013, Portugal tem uma percentagem de licenciados na população que é menor do que a da Alemanha (e do que a da média europeia).

Mas isto não encerra toda a questão. É que Crato não quis responder ao segundo argumento de Merkel, que era o mais importante. Dizia a chanceler que, tendo licenciados a mais, Portugal (e Espanha) querem manter tudo na mesma e não se dedicam a abrir as vias profissionalizantes. Ora, é de lembrar que, com este governo e este ministro, a troika e, em particular o governo alemão, exigiu que metade dos estudantes fosse encaminhada para o ensino profissional. Crato foi um entusiasta desta medida: ter-lhe-á escapado a conta elementar que torna evidente que, deste modo, haveria sempre redução de acesso às universidades? Mais ainda, o ministro decidiu impor aos politécnicos uns cursos de dois anos, que são a redução do ensino superior a uma versão tupiniquim do ensino profissional alemão, para satisfazer a tal exigência. Ou seja, Crato foi o mais merkeliano dos ministros da educação e, portanto, estranha-se que estranhe que Merkel tire conclusões do atraso da aplicação da sua vontade. Alguém não está a ser coerente, e não me parece que seja Merkel.

Mas, como o gráfico demonstra, Merkel pretende para Portugal o que não pretende para a Alemanha. Portugal deve especializar-se em trabalhadores de especialização média, abdicando ou reduzindo-se na disputa do conhecimento, que é o centro da vida do ensino superior. Um paraíso para a deslocalização de empresas de trabalho a salário baixo.

Fica finalmente a pergunta: haverá um dia um primeiro-ministro de Portugal que faça um discurso sobre as deficiências do sistema de educação na Alemanha e o que nele deve ser corrigido?

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