terça-feira, 18 de novembro de 2014

Moçambique: INVESTIMENTOS MILIONÁRIOS QUE GERAM MISÉRIA



Verdade (mz), em Tema de Fundo

Para dar lugar ao que a empresa Green Resources considera projecto de reflorestamento, cujos investimentos ultrapassarão os 100 milhões de dólares norte-americanos até 2018, pelo menos 30 camponeses perderam as suas respectivas áreas de cultivo nos distritos de Ribáuè e Mecubúri e, consequentemente, a sua receita mensal estimada em 10 mil meticais. Hoje, para acomodar os interesses da indústria de madeira, os agricultores são obrigados a comer apenas mandioca ao pequeno-almoço, ao almoço e ao jantar.

Há dois anos, Pedro Sabonete, cuja idade desconhece, considerava-se um homem afortunado, pois, numa parcela da extensa terra que detinha, ele produzia a mandioca, a cebola e tomate para a sua subsistência e da sua família, e o excedente era destinado à comercialização.

Residente numa pequena aldeia conhecida por Vitika, que dista 30 quilómetros da vila municipal de Ribáuè, na província de Nampula, o agricultor recorre à agricultura para garantir o sustento diário do seu agregado familiar composto por cinco pessoas. Em média, por mês, ele tinha um rendimento de 10 mil meticais decorrente da venda de produtos agrícolas. Com aquele montante, Sabonete não só garantia o sustento do seu agregado familiar composto por cinco pessoas, mas também permitia manter na escola o seu filho mais velho.

As terras, de cujas dimensões não faz ideia, pertenciam aos progenitores da sua esposa. “Não sei dizer, ao certo, o tamanho do espaço, mas é muito extenso e não chegámos a explorar sequer um quarto do solo”, diz e acrescenta que os produtos que cultivava eram vendidos na localidade de Namigonha, o centro de comércio do distrito de Ribáuè.

Porém, a partir dos finais de 2011, a sorte de Pedro Sabonete começou a mudar. Para dar lugar a um projecto de plantação de eucaliptos da empresa de origem norueguesa denominada Green Resources, A.S (GR), o camponês viu-se forçado a abandonar as suas terras de cultivo. Com a promessa de que seria recompensado, ele e pouco mais de 30 agricultores foram “levados” a uma zona que se tem mostrado imprópria para a produção agrícola, uma vez que o solo é pedregoso. Se no passado Sabonete se dedicava a três culturas, presentemente, ele produz apenas mandioca que é destinada ao seu consumo.

“O novo espaço tem muitas pedras, facto que dificulta a actividade agrária”, afirma. Consequentemente, o rendimento reduziu de forma drástica, contando, actualmente, com uma média mensal de dois mil meticais. A mesma sorte teve Argentina António, de 29 anos de idade, que perdeu pelo menos 50 hectares de terra que, outrora, pertenceram ao seu avô.

Além de cajueiros e mangueiras, o espaço continha inúmeras árvores nativas que eram usadas para fins medicinais, para a lenha e para a construção das suas habitações. A camponesa, que sobrevive com base no cultivo de mandioca, conta que o processo de desapropriação da terra iniciou em 2011 e foi encabeçada pelos líderes comunitários. “Os régulos vieram ter connosco, e pediram para que abandonássemos as nossas machambas e disseram-nos que seríamos compensados. Em 2012, foi feito um levantamento, mas até hoje nada aconteceu”, explica.

No posto administrativo de Namina, no distrito de Mecubúri, encontrámos Madalena Guido, de 31 anos de idade, a descascar uma porção de mandioca que havia colhido na véspera. A camponesa explica que, desde que perdeu as suas terras cujas dimensões desconhece, ela tem- -se dedicado àquela cultura. Há sensivelmente dois anos, ela cultivava amendoim, mandioca, tomate e cebola, porém, presentemente, a situação tornou-se difícil. “Já não podemos usar as nossas terras e informaram-nos de que seríamos compensados. Além disso, foi-nos garantido que os nossos filhos seriam integrados nesses projectos, mas nada foi feito”, diz.

Pedro Sabonete, Argentina António e Madalena Guido são apenas alguns dos 30 camponeses que dependem da agricultura familiar para sobreviver, e viram os investimentos florestais de eucalipto usurpar-lhes a terra, sem direito a qualquer tipo de compensação. Os agricultores não só perderam os seus principais meios de sobrevivência, mas também ficaram sem as árvores nativas que eram usadas para diversos fins. “As plantações de eucaliptos são puramente comerciais, não permitem outras espécies, eliminando por completo todos os produtos florestais não madeireiros que eram, anteriormente, utilizados pelas comunidades locais”, afirma a activista ambiental Vanessa Cabanelas, da Justiça Ambiental (JA!).

Compensação em função das benfeitorias e não do potencial agrícola das terras

A lei estabelece que as pessoas devem ser ressarcidas pelos danos, porém, aquele grupo de agricultores não recebeu qualquer compensação. Presentemente, eles já começam a sentir o impacto negativo na sua produção agrícola, provocado pela monocultura, em grande escala, de eucaliptos cuja finalidade é abastecer a indústria de celulose e papel.

A ameaça da segurança alimentar e o empobrecimento de nutrientes são alguns dos principais problemas constatados naquelas regiões da província de Nampula. Não se sabe ao certo quantos camponeses foram desapropriados das suas terras, mas o @Verdade soube que cada agricultor devia receber uma indemnização segundo as benfeitorias existentes na sua área, caso estivesse dentro do espaço que o Estado moçambicano concedeu à empresa GR.

Ou seja, se eram árvores de fruta, eles deviam ser recompensados com um valor monetário estabelecido pelo Governo, ou podiam ser fornecidas mudas. Por exemplo, a cada árvore abatida, a Green Resources devia dar aos afectados cinco mudas da mesma espécie. Para o caso de casas pré-fabricadas, o tratamento era outro. Primeiro, era preciso avaliar-se com as autoridades locais e distritais o tipo de habitação e, posteriormente, indemnizava-se o proprietário. Devido à complexidade do procedimento, o mesmo não devia envolver apenas a GR, mas também o Governo de modo a tornar legítimo o processo de compensação. E não foi isso que se verificou. (continua)


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