Roberto
Savio* - Envolverde/IPS
Roma,
Itália, novembro/2014 – Depois de alguns dias durante os quais todos celebraram
o acordo histórico entre Estados Unidos e China sobre a redução das emissões de
CO2, assinado no dia 12 deste mês, uma ducha muito fria chegou da Índia.
O
ministro indiano de Energia, Piyush Goyal, declarou: “Os imperativos de
desenvolvimento da Índia não podem ser sacrificados no altar de uma potencial
mudança climática futura que demorará muitos anos. O Ocidente terá que
reconhecer que nós enfrentamos as necessidades da pobreza”.
Trata-se
de um duro golpe para o presidente norte-americano, Barack Obama, que após a
assinatura de Pequim no acordo sobre redução de emissões de CO2 (dióxido de
carbono) voltou para casa alardeando seu sucesso em estabelecer a política na
região asiática.
Porém,
mais importante ainda é que a posição de Nova Délhi fornece abundante munição
ao Congresso norte-americano, controlado pela oposição republicana, que
argumenta que os Estados Unidos não podem participar do controle climático, a
menos que outros grandes contaminadores assumam compromissos semelhantes.
Este
argumento se referia principalmente à China, que se recusava a qualquer tipo de
compromisso até que seu presidente, Xi Jinping, para surpresa de todos, assinou
o acordo com Obama.
A
Índia é um país contaminador importante. Não chega aos níveis da China, que
soma 9.900 toneladas métricas de CO2, contra 6.826 dos Estados Unidos, mas
aumenta suas emissões rapidamente.
Goyal
anunciou que o uso de carvão nacional na Índia passará dos 565 milhões de
toneladas registrados no ano passado para mais de um bilhão de toneladas em
2019, e está entregando concessões para extração de carvão em grande
velocidade.
Entretanto,
o novo primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, proclamou que realizará um
amplo programa de desenvolvimento de fontes renováveis de energia.
Há
um aparente paradoxo no fato de muitos cientistas que integram o Grupo
Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC) serem
indianos, como seu diretor, Rajendra K. Pachauri, que também é
diretor-executivo do Instituto de Recursos Energéticos da Índia.
O
último informe do IPCC é muito mais dramático do que os anteriores: afirma de
maneira concludente que a mudança climática se deve à ação do homem, e expõe
uma extensa revisão sobre os danos que afetarão o setor agrícola, sobretudo em
países pobres como a Índia. O documento prevê que ao menos 37 milhões de
pessoas serão deslocadas pela elevação do nível dos mares.
Metade
dos agricultores indianos depende da água das geleiras do Himalaia, que estão
derretendo pelo aquecimento global. As cidades da Índia são as mais
contaminadas do mundo, e várias vezes ao ano se supera o pior dia de
contaminação na China.
Porém,
o mais preocupante é que os governos estão reagindo com extrema lentidão. Seria
necessário um grande esforço, que não figura na agenda climática, para impedir
que a temperatura global aumente mais do que dois graus centígrados, para
depois começar a diminuir as emissões até 2020.
Estima-se
que em 2014 as emissões serão as mais altas da história e chegarão a 40 bilhões
toneladas, contra 32 bilhões de toneladas em 2010.
Existe
consenso de que, para limitar o aquecimento do planeta a não mais do que dois
graus centígrados acima do nível pré-industrial, os governos deveriam limitar
as emissões adicionais procedentes de combustíveis fósseis a não mais de um
trilhão de toneladas de dióxido de carbono.
Mas,
segundo a investigação do IPCC, as companhias de energia já programaram
reservas de carbono e petróleo que igualam várias vezes essa quantidade e estão
investindo cerca de US$ 600 bilhões por ano em novas explorações.
Em
contraste, gasta-se menos de US$ 400 bilhões por ano para reduzir as emissões.
Essa quantidade é menor do que a renda de uma única corporação petroleira
norte-americana, a ExxonMobil.
A
última reunião do Grupo dos 20 (G20) países ricos e emergentes, realizada na
cidade australiana de Brisbane, nos dias 15 e 16 deste mês, deu ao clima uma
atenção inesperada.
Mas
as nações do G20 gastam US$ 88 bilhões anuais em subsídios para a exploração de
hidrocarbonos, que é o dobro do que investem para esse fim as 20 empresas
privadas mais importantes do planeta.
Outro
bom exemplo da falta de coerência dos governos ocidentais é que prometeram US$
10 bilhões para o Fundo Verde para o Clima, cuja tarefa é apoiar os países do
Sul em desenvolvimento na mitigação e adaptação à mudança climática.
Essa
quantia é apenas dois terços do previsto para a criação do Fundo em 1999, que
ainda está longe de ser operacional.
E
agora a discussão passa para a 20ª Conferência das Partes (COP 20) da Convenção
Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que acontecerá nos 12
primeiros dias de dezembro em Lima, onde é previsível que, novamente, os
governos serão incapazes de conseguir um acordo satisfatório sobre os problemas
climáticos.
Se
isso acontecer, diminuirá ainda mais o tempo disponível para a salvação do
planeta.
Além
da anunciada resistência por parte do Congresso norte-americano, se prevê a
oposição de várias nações dependentes dos combustíveis fósseis, como Rússia,
Austrália, Índia, Venezuela, Irã, Arábia Saudita e os países do Golfo.
Essas
atitudes demonstram a ausência de coerência e de responsabilidade por parte dos
governos.
E,
quanto à opinião pública, se for feito um referendo perguntando à sociedade se
prefere pagar US$ 800 bilhões a menos de impostos, retirando os subsídios
contra a contaminação, há pouquíssimas dúvidas de que sairia ganhadora a
redução tributária.
O
mesmo resultado se obteria se lhe fosse perguntado se prefere gastar esses US$
800 bilhões em energia limpa ou deixar as coisas como estão.
Uma
agravante é que as corporações energéticas e os governos têm uma relação
incestuosa, que está fora da vista do público.
Tudo
isso prova que, quando estão em jogo a sobrevivência das ilhas, das costas, da
agricultura e dos pobres, os governos não são capazes, ou não desejam, ver além
de sua existência imediata.
A
conclusão é que nossa geração precisa urgente e desesperadamente de uma
governança global que seja capaz de enfrentar esse catastrófico tipo de
globalização. Envolverde/IPS
* Roberto
Savio é fundador e presidente emérito da agência de notícias Inter Press Service
(IPS) e editor do boletim Other News.
(IPS)
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