terça-feira, 2 de dezembro de 2014

PERDER MILHÕES EM “PETRODÓLARES” PARA MANTER O MERCADO



Benjamim Formigo – Jornal de Angola, opinião

A reunião da OPEP do passado dia 27 apenas tornou ainda mais evidente a divisão entre os seus membros e o domínio dos países do Médio Oriente, em particular da Arábia Saudita no cartel.

O facto do encontro não ter feito rigorosamente nada, não foi surpreendente dada a postura saudita desde o Verão e só por si foi o quase formalizar de uma guerra à exploração de xistos betuminosos em que os Estados Unidos se lançaram e que é parcialmente responsável pela queda brutal do preço do crude dos 115 dólares por barril) em Junho, para 80 em meados de Novembro tendo atingido imediatamente a seguir à reunião do cartel para 72 dólares por barril.

A entrada em força do “fracking” norte-americano no mercado acrescentou quatro milhões de barris diários À produção global de 75 milhões que já era excessiva. Tudo começou em meados da primeira década deste século, na sequência do crescimento constante, quando a procura do petróleo excedeu de tal modo a oferta que o crude atingiu entre 2007 e 2009 um máximo de 140 dólares. Uma subida que coincidiu com a crise financeira desencadeada por múltiplas irregularidades da banca norte-americana. De tal modo foi a recessão que o Petróleo caiu para menos de 50 dólares por barril para retomar pouco depois de forma moderada até ao ultimo Verão. Concomitantemente com os preços acima dos 100 dólares o barril, algumas empresas norte-americanas lançaram-se na exploração dos xistos betuminosos através de uma técnica cara e difícil de exploração horizontal. O custo do petróleo no mercado valia bem o custo de extracção entre 60 e 80 dólares o barril, conforme a zona do Texas e Norte Dakota. Os EUA reduziram em mais 30 por cento a sua dependência do petróleo importado.

A questão de facto deixou de ser na óptica dos sauditas e de muitos analistas a manutenção dos preços do crude acima de 80 dólares por barril, preferencialmente em torno dos 100 dólares, mas uma luta por não perder posições no mercado a favor do crude mais barato vindo do “fracking”. Daí que os países do Golfo, com a Arábia Saudita à frente, empurraram a OPEP para a manutenção da produção actual de 30 milhões de barris diários mesmo a custo quase se não mesmo deficitário para não ceder clientes aos americanos. 

Os países com maiores dificuldades vão manter ou mesmo subir a sua produção baixando eventualmente os preços. E é aqui que a estratégia saudita pode falhar. Arábia Saudita, Kuwait, EAU, dispõem de reservas que lhes permitem manter os correntes níveis de despesa publica e programas sociais vendendo o petróleo a preços de “dumping” (já o fizeram uma vez), contudo outros países como a Venezuela, Nigéria, o Irão, entre ouros, não têm as reservas árabes e têm compromissos externos consideráveis. Mas também aqui surge um factor tradicionalmente imprevisto: a Rússia que, segundo os seus dirigentes e analistas, pode subir a produção de petróleo e gás, descer os preços, conseguir rendimentos próximos dos que tem actualmente, sobretudo após a conclusão do gasoduto chinês. As sanções económicas até agora serviram aos americanos mas comprometeram a retoma europeia e a UE está à beira da terceira recessão em seis anos. Agora que se aproxima o final do ano e as principais economias europeias, com a aparente excepção da Alemanha, apresentam défices superiores ao admissível no tratado do euro e a Alemanha a rever em baixa o seu crescimento, a senhora Merkel, conhecidas as suas boas relações com Putin, pode conseguir tirar um coelho da cartola e a UE dar a volta às sanções de que os americanos pretendem tirar proveito com a exportação para a Europa do seu gás sobretudo se Vladimir Putin baixar os preços. 

A cada 10 por dento de descida dos combustíveis corresponde 0,1 por cento de crescimento económico. Mas o crescimento só ocorre se o mercado quiser comprar. Aí entram de novo os produtores tradicionais que são também os grandes consumidores. O aumento das suas receitas traduz-se num aumento das suas despesas que beneficiam as economias desenvolvidas.

A estratégia saudita pode de facto levar a uma descida de preços do crude que ponha fora do mercado uma parte das empresas do “fracking” todavia é bom não esquecer que também elas constituirão reservas para esta eventualidade que poucos previam.

O preço do petróleo e do gás tornou-se mais um problema geoestratégico do que uma questão de mercado. Os grandes devedores entre os produtores de petróleo, como a Venezuela, da OPEP, ou o México (não OPEP) podem jogar a cartada do incumprimento colectivo ou do dumping. O Irão cujo crescimento estava previsto pelo FMI era de 1,5 por cento este ano e 2,5 por cento em 2015 fica numa situação complicada com os preços do crude abaixo dos 100d dólares e pode achar inútil o diálogo com o Ocidente. Depois vem a Líbia, a retomar a produção, a Argélia, chave para suster movimentos como o autoproclamado Califado da Síria e do Levante ou movimentos desestabilizadores na África Central. 

A estabilidade confusa no mundo desenvolvido pode sê-lo ainda mais se o jogo não tiver regras. Aguentar esta guerra vai implicar sacrifícios de todos os lados a menos que impere o bom senso de fazer contas e encontrar um “break even” que satisfaça toda a gente.  A guerra não é pela obtenção de um preço mas a manutenção de quotas de mercado.

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