Luís
Rosa – jornal i, editorial
António
Costa deve perceber que há uma diferença muito grande entre imitar o diálogo do
guterrismo e formar um governo do tipo albergue espanhol, que seria sempre
ingovernável
António
Costa parece estar desorientado. Em menos de um ano, já o ouvimos dizer que
quer a maioria absoluta em 2015, ao mesmo tempo que se mostra disponível para
coligar com tudo e com todos: desde a extrema-esquerda institucionalizada
(vulgo PCP e Bloco de Esquerda), passando por um novo partido que deu à costa
(Livre) ou por grupos de cidadãos mediáticos muito respeitáveis (3D, Fórum
Manifesto e Renovação Comunista) que agora estão juntos com o Livre na
Plataforma Tempo de Avançar, e acabando em Marinho e Pinto e num governo de
Bloco Central. Tudo foi admitido por Costa. Pelo meio, Costa viu Basílio Horta,
eleito presidente da câmara de Sintra pelas listas do PS, a elogiar um futuro
governo PS/CDS.
Recapitulemos,
portanto: PCP, Bloco de Esquerda, Livre, 3D, Renovação Comunista, Marinho e
Pinto, PSD e CDS. Por muito que António Costa diga que o PS é um partido que
"não pisca nem à esquerda nem à direita", há uma diferença muito
grande entre mostrar capacidade de diálogo e formar um governo do tipo albergue
espanhol, que seria sempre ingovernável. Dito de outra forma: António Costa não
pode piscar os olhos a tudo e a todos.
Deixando
a ironia de parte. É muito provável que António Costa seja o próximo
primeiro-ministro de Portugal depois das legislativas do próximo ano.
Percebe-se que os eleitores já interiorizaram que o líder do PS "é o próximo
que se segue". Essa ideia, contudo, pode ser colocada em causa com a
actual estratégia de ziguezague, como a Rita Tavares bem descreve na pág. 4. Um
ziguezague que, refira-se, tem uma sensação de déjà-vu. Faz lembrar os tempos
gloriosos do guterrismo em que o PS negociava tudo e cedia a todos, um tempo em
que o Orçamento do Estado era viabilizado à conta do queijo limiano e das
greves de fome do deputado Daniel Campelo. Infelizmente, nenhum desses exemplos
é um bom prenúncio para o que podemos esperar de um governo liderado por
António Costa.
Costa
veio ontem a público queixar-se de que foi mal interpretado nos elogios que fez
a Mário Soares como líder do Bloco Central. A tentativa de desmentido acaba por
ser irrelevante porque a ideia de uma aliança entre PS e PSD em 2015, na
ausência de uma vitória por maioria absoluta por parte do PS, corresponde ao
desejo do Presidente Cavaco Silva, de boa parte da elite empresarial do país e,
direi mesmo, à expectativa geral da população.
Só
há um problema: o PSD desejará apoiar um governo Costa, sabendo de antemão que
a política que vai ser aplicada será necessariamente a mesma que está a ser
aplicada por Passos Coelho? Não tenhamos ilusões: enquanto a Alemanha não
permitir outro tipo de política, a austeridade continuará a ser o caminho.
Obviamente que o primeiro-ministro António Costa chamar-lhe-á outra coisa, mas
a política de contenção orçamental para diminuir o défice e reduzir a dívida
pública será a mesma. Ora, uma parte importante do PSD não quer continuar a ser
responsabilizado por essa política, até porque sabe que um falhanço de um novo
Bloco Central pode provocar uma grave crise de regime. A ironia, voltemos a
ela, é precisamente essa: o maior apoiante de um governo de bloco central
poderá chamar-se Pedro Passos Coelho, caso queira continuar como líder do PSD
após uma eventual derrota eleitoral.
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