terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Portugal: OUTRA VEZ O BLOCO CENTRAL?



Rui Sá – Jornal de Notícias, opinião

Confesso que, passados dez dias, o "caso Sócrates" já me chateia. Não apenas porque acho vergonhoso o espetáculo montado à porta da cadeia de Évora e que se reveste de um voyeurismo que nada nos traz de novo, a não ser mais uma imagem do crepúsculo vertiginoso de Mário Soares.

Mas toda esta telenovela também já me chateia porque, objetivamente, anda a "distrair" os portugueses de outros assuntos importantes que têm ou terão um forte e real impacto nas suas vidas. O Orçamento do Estado foi aprovado com uma previsão de aumentos brutais dos impostos. Mantém-se a escalada de cortes na Educação, na Saúde e na Segurança Social. A discussão sobre a legitimidade e a vergonha dos vistos dourados passou para segundo plano. Juncker criou um paraíso fiscal no Luxemburgo que permitiu às grandes empresas subtraírem centenas de milhões de euros aos cofres públicos e não tem um pingo de dignidade para se demitir de presidente da Comissão Europeia e tem a distinta lata de afirmar que quer harmonizar políticas fiscais. Estão em curso centenas de despedimentos na Administração Pública, designadamente na Segurança Social, com o ministro a dizer que não, que é tão amigo dos trabalhadores que até os está a mandar para "requalificação" (a forma de despedimento em lume brando mas que não deixa de queimar irreversivelmente as suas vítimas). Enfim, e como diz um cunhado meu, se tivesse sido nesta semana a aprovação da reposição das subvenções vitalícias aos titulares de cargos públicos (que resultou de um acordo entre Passos Coelho e António Costa), talvez não tivesse havido um "sobressalto" na consciência de alguns deputados do PSD e do PS e a lei teria sido aprovada.

E, perante problemas desta gravidade, querem impingir-nos que o importante é saber quem visita José Sócrates, quantos cigarros fumou, o que almoçou, o nome dos livros que pediu. Já não há pachorra!

E um dos assuntos importantes que se passaram esta semana está relacionado com o PS. Não falo tanto do seu Congresso que, sendo o 20.0º, já me permite falar sobre ele sem o ver. Presumo os atrasos enormes, as cadeiras vazias durante grande parte do tempo, intervenções de notáveis em "prime time" repletas de soundbites e em que nada ficará para a história a não ser umas mensagens fugazes, e em que o mais importante, para os seus autores, é o nível atingido no "aplaudómetro", eventualmente, um animador não previsto, como Tino de Rans. E a apoteose final, com a subida ao palco de todos os "irmãos desavindos", numa fictícia imagem de unidade que tem sempre o picante de envolver o próximo Brutus, ou seja, aquele que, tal como Costa fez a Seguro, o apunhalará pelas costas quando achar conveniente...

Mas mais importante do que isto é o que verdadeiramente vai fazendo caminho na cabeça dos que têm responsabilidades no PS. E, nisso, Francisco Assis tem sido o mais eloquente. Numa entrevista ao "Observador", Assis defendeu uma coligação pós eleitoral do PS com a Direita, referindo mesmo que prefere o PSD ao CDS. E, clarividente, diz que, se o PSD for derrotado, haverá mudanças na sua direção pelo que essa coligação ficará facilitada, avançando com o nome de Rui Rio como o parceiro ideal para protagonizar uma nova versão do Bloco Central. Aliás, e como refere o "Observador", idêntica posição tinha sido defendida por Augusto Santos Silva, um sempre ministeriável dirigente do PS.

E bem pode Francisco Assis ter abandonado o congresso, num golpe de teatro que, para além de lhe dar inequívoco protagonismo, procura fazer crer que as suas teses são hostilizadas no interior do partido. É que Assis limitou-se a dizer em voz alta aquilo que grande parte dos dirigentes do PS acha. E que só por razões táticas não dizem. Procurando criar a ilusão da maioria absoluta e, escondendo-se por trás dela, para não falar de possíveis coligações pós eleitorais. Estamos todos a ver o filme: "Dr. António Costa, com quem se vai coligar após as eleições? O PS tem um objetivo: a maioria absoluta! Mas se não a conseguir? Não falo sobre cenários e ninguém nos afastará desse objetivo!"

Como, com certeza, não haverá maioria absoluta.

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