Rui
Sá – Jornal de Notícias, opinião
Confesso
que, passados dez dias, o "caso Sócrates" já me chateia. Não apenas
porque acho vergonhoso o espetáculo montado à porta da cadeia de Évora e que se
reveste de um voyeurismo que nada nos traz de novo, a não ser mais uma imagem
do crepúsculo vertiginoso de Mário Soares.
Mas
toda esta telenovela também já me chateia porque, objetivamente, anda a
"distrair" os portugueses de outros assuntos importantes que têm ou
terão um forte e real impacto nas suas vidas. O Orçamento do Estado foi
aprovado com uma previsão de aumentos brutais dos impostos. Mantém-se a
escalada de cortes na Educação, na Saúde e na Segurança Social. A discussão
sobre a legitimidade e a vergonha dos vistos dourados passou para segundo
plano. Juncker criou um paraíso fiscal no Luxemburgo que permitiu às grandes
empresas subtraírem centenas de milhões de euros aos cofres públicos e não tem
um pingo de dignidade para se demitir de presidente da Comissão Europeia e tem
a distinta lata de afirmar que quer harmonizar políticas fiscais. Estão em
curso centenas de despedimentos na Administração Pública, designadamente na
Segurança Social, com o ministro a dizer que não, que é tão amigo dos
trabalhadores que até os está a mandar para "requalificação" (a forma
de despedimento em lume brando mas que não deixa de queimar irreversivelmente
as suas vítimas). Enfim, e como diz um cunhado meu, se tivesse sido nesta
semana a aprovação da reposição das subvenções vitalícias aos titulares de
cargos públicos (que resultou de um acordo entre Passos Coelho e António
Costa), talvez não tivesse havido um "sobressalto" na consciência de
alguns deputados do PSD e do PS e a lei teria sido aprovada.
E,
perante problemas desta gravidade, querem impingir-nos que o importante é saber
quem visita José Sócrates, quantos cigarros fumou, o que almoçou, o nome dos
livros que pediu. Já não há pachorra!
E
um dos assuntos importantes que se passaram esta semana está relacionado com o
PS. Não falo tanto do seu Congresso que, sendo o 20.0º, já me permite falar
sobre ele sem o ver. Presumo os atrasos enormes, as cadeiras vazias durante
grande parte do tempo, intervenções de notáveis em "prime time"
repletas de soundbites e em que nada ficará para a história a não ser umas
mensagens fugazes, e em que o mais importante, para os seus autores, é o nível
atingido no "aplaudómetro", eventualmente, um animador não previsto,
como Tino de Rans. E a apoteose final, com a subida ao palco de todos os
"irmãos desavindos", numa fictícia imagem de unidade que tem sempre o
picante de envolver o próximo Brutus, ou seja, aquele que, tal como Costa fez a
Seguro, o apunhalará pelas costas quando achar conveniente...
Mas
mais importante do que isto é o que verdadeiramente vai fazendo caminho na
cabeça dos que têm responsabilidades no PS. E, nisso, Francisco Assis tem sido
o mais eloquente. Numa entrevista ao "Observador", Assis defendeu uma
coligação pós eleitoral do PS com a Direita, referindo mesmo que prefere o PSD
ao CDS. E, clarividente, diz que, se o PSD for derrotado, haverá mudanças na
sua direção pelo que essa coligação ficará facilitada, avançando com o nome de
Rui Rio como o parceiro ideal para protagonizar uma nova versão do Bloco
Central. Aliás, e como refere o "Observador", idêntica posição tinha
sido defendida por Augusto Santos Silva, um sempre ministeriável dirigente do
PS.
E
bem pode Francisco Assis ter abandonado o congresso, num golpe de teatro que,
para além de lhe dar inequívoco protagonismo, procura fazer crer que as suas
teses são hostilizadas no interior do partido. É que Assis limitou-se a dizer
em voz alta aquilo que grande parte dos dirigentes do PS acha. E que só por
razões táticas não dizem. Procurando criar a ilusão da maioria absoluta e,
escondendo-se por trás dela, para não falar de possíveis coligações pós
eleitorais. Estamos todos a ver o filme: "Dr. António Costa, com quem se
vai coligar após as eleições? O PS tem um objetivo: a maioria absoluta! Mas se
não a conseguir? Não falo sobre cenários e ninguém nos afastará desse
objetivo!"
Como,
com certeza, não haverá maioria absoluta.
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