
DEUS E O “ESCOLHIDO
DE DEUS” NÃO GOSTAM DOS OVIMBUNDUS
Folha 8 - 29 março 2014
O presidente angolano
José Eduardo dos Santos exonerou Kundi Paihama do cargo de ministro dos Antigos
Combatentes e Veteranos da Pátria e nomeou-o, em 2014, pleno século XXI,
governador provincial do Huambo, quando até pelo factor idade, já percorreu quase
todos os pelouros, sem nunca ter emprestado nada de substantivo, para exibir
como legado, intelectual, reconciliador e de competência. Ora, com este acto do
titular do poder executivo, fica demonstrado duas coisas: primeiro, José
Eduardo dos Santos, deixou de respeitar até os seus mais próximos, face a
concentração excessiva do poder, segundo, Kundi Pahiama demonstra não se
respeitar a si próprio, quer como político, quer como gestor público, com
ideias próprias e ambições pragmáticas.
Com base nisso,
temos que nem Deus nem o “escolhido de Deus” gostam dos ovimbundus. Quem melhor
explicou essa antipatia, tão genética quanto patológica, foi o próprio Kundi
Paihama quando disse que em Angola existem dois tipos de pessoas, os angolanos
e os kwachas, sendo que estes eram, ou são, os ovimbundus que apoiavam a UNITA.
Embora saibam que
pecar em pensamento pode ser, de o MPLA descobrir, crime contra o Estado, os
ovimbundus – entre outros – recordam o discurso do general Kundi Paihma, em
Agosto de 2012, no Estádio Nacional de Ombaka, em que ele garantiu que os que
lutarem contra o MPLA e contra José Eduardo dos Santos “vão ser varridos”.
Muitos já foram; Mfulumpinga Landu Victor, Adão da Silva, Alves Kamulingue,
Isaías Cassule, Hibert Ganga, etc e outros estão em lista de espera.
Reconheça-se que se
Kundi Paihama o diz é porque vai mesmo fazer isso. O regime, ou seja o MPLA,
há muito que começou – embora de forma mais subtil - a pôr a razão da força
acima da força da razão, mostrando que na sua óptica só é possível haver paz e
democracia em Angola se tudo continuar na mesma: Povo, sociedade civil não
bajuladora e oposição, todos devem ficar subjugados aos apetites do partido no
poder.
CUMPLICIDADE DO
OCIDENTE NA FRAUDE
Ao que parece, e ao
contrário do que aconteceu em 2008, o regime tem cada vez indicações fidedignas
de que, nas eleições autárquicas ou nas outras (se as houver), os mortos se vão
recusar a votar no MPLA. Isso não é, reconheça-se, impeditivo de uma solução
alternativa, testada com êxito nas anteriores eleições, em que em alguns
círculos eleitorais apareçam mais votos do que votantes.
Se se estivesse a
falar de um Estado de Direito e de uma comunidade internacional honesta, seria
criticável que o partido que nos desgoverna desde 11 de Novembro de 1975, que
tem como seu líder carismático e presidente da República alguém que está no
poder desde 1979 sem ter sido nominalmente eleito, sentisse necessidade de
usar a intimidação violenta para ganhar eleições.
Mas como nada disso
se passa, tudo vai continuar a ser feito por medida e à medida do MPLA. É para
isso que o petróleo existe.
E porque o regime
só reconhece a existências de um único “escolhido de Deus”, Eduardo dos
Santos, não admite que existam dúvidas, não aceita que a sua liberdade termine
onde começa a do Povo. Vai daí, intimida, ameaça, espanca, rapta e mata quem
tiver a veleidade de contrariar o “querido líder”.
Como dizia o bispo
emérito de Cabinda, Paulino Madeca, “quando um político entra em conflito com
o seu próprio povo, perde a sua credibilidade, torna-se um eterno ditador”.
Por alguma razão
Kundi Paihama, tal como os restantes “yes man” do regime, continua a pedir
aos militantes do seu partido para que controlem “milimetricamente” todas as
acções da oposição, para não serem “surpreendidos”.
Na senda do que tem
feito ao longo dos anos, o MPLA acusa a Oposição de enveredar por “manifestações
violentas e hostis, provocando vítimas, inventando vítimas, incentivando a
desobediência civil, greves e tumultos, provocando esquadras e agentes e patrulhas
da polícia com pedras, garrafas e paus”.
OBJECTIVO É
DESTRUIR OPOSIÇÃO
Certamente graças
ao árduo trabalho de Kundi Paihama, o MPLA sempre disse que tinha em seu poder
“informações secretas que apontam que a UNITA e outros opositores estão prestes
a levar a cabo um plano B”.
Plano que prevê,
segundo os etílicos delírios dos dirigentes do regime, “uma insurreição a nível
nacional, tipo Líbia, Egipto, Tunísia e Síria”, sendo as províncias de Luanda,
Huíla, Benguela, Uíge e, claro está, Huambo as visadas.
Sempre que no
horizonte se vislumbra, mesmo que seja uma hipótese remota, a possibilidade de
alguma mudança, o regime dá logo sinais preocupantes quanto ao medo de perder
as eleições e de ver outro partido que não o MPLA a governar o país.
Para além do
domínio quase total dos meios mediáticos, tanto nacionais como estrangeiros,
o MPLA aposta forte numa estratégia que tem dado bons resultados. Isto é, no
clima de terror e de intimidação. E para esse papel, reconheça-se, não ninguém
melhor do que Kundi Paihama, nomeadamente numa província que, apesar de alguma
submissão, continua a ser uma espinha entalada na garganta do regime.
Aliás, um dia
destes vamos ver por aí Kundi Paihama afirmar que todos aqueles que têm,
tiveram, ou pensam ter qualquer tipo de armas são terroristas da UNITA que
devem “ser varridos”.
E, na ausência de
melhor motivo para aniquilar os adversários que, segundo o regime, são isso
sim inimigos, o MPLA poderá sempre jogar a cartada que tem na primeira linha
das suas opções e que é tão do agrado das potências internacionais, ou seja a
de que há perigo de terrorismo, de guerra civil.
Kundi Paihama não
tardará (por ele já o teria feito) a redescobrir mais uns tantos exércitos
espalhados pelas terras onde a UNITA tem mais influência política, no Huambo
por exemplo, para além de já ter dito que quem falar contra o MPLA vai para a
cadeia, certamente comer farelo.
Tal como mandam os
manuais, o MPLA começa a subir o dramatismo para, paralelamente às enxurradas
de propaganda, prevenir os angolanos de que ou estão com ele ou vem aí o fim
do mundo.
Além disso, nos
areópagos internacionais vai deixando a mensagem de que ainda existem por todo
o país bandos armados que precisam de ser neutralizados. E não precisa de
fazer grande esforço para que os amigos acreditem. Aliás, essa estratégia é
mesmo aconselhada pelos seus submissos parceiros.
ARMAS DE CAÇA “EME”
E CÃES GOVERNADOR
Como também dizem
os manuais marxistas, se for preciso o MPLA até sabe como armar uns tantos dos
seus “paihamas” para criar a confusão mais útil. E, como também todos sabemos,
em caso de dúvida a UNITA e os seus aliados serão culpados até prova em
contrário.
Numa entrevista à
LAC - Luanda Antena Comercial, no dia 12 de Fevereiro de 2008, era então
ministro da Defesa, Kundi Paihama, levantou a suspeita (nunca confirmada mas
também nunca desmentida) de que a UNITA mantinha armas escondidas e que alguns
dos seus dirigentes tinham o objectivo de voltar à guerra.
Kundi Paihama, ao
seu melhor estilo, esclareceu, contudo, que os antigos militares do MPLA, “se
têm armas”, não é para “fazer mal a ninguém” mas sim “para ir à caça”. Não era
preciso dizê-lo. Todos sabemos que é mesmo assim…
Quanto aos antigos
militares da UNITA, Kundi Paihama disse que a conversa era outra e lembrou
que mais cedo ou mais tarde seria preciso falar sobre este assunto. Na
entrevista à LAC disse textualmente: “Ainda hoje se está a descobrir
esconderijos de armas”.
Razão tinha, aliás,
Kundi Paihama quando, uns dias antes, “botou faladura” num comício na Sede do
Município da Matala e disse: “Durmo bem, como bem e o que restar no meu prato
dou aos meus cães e não aos pobres”. Cães que, certamente, o vão acompanhar no
Huambo.
E por que não vai
para os pobres?, perguntam os leitores, tal como os milhões (ou serão só meia
dúzia?) que todos os dias passam fome. Não vai porque não há pobres em Angola.
E se não há pobres, mas há cães… é preciso alimentá-los bem.
E se todos fizessem
como Kundi Paihama, não haveria cães com raiva. Continuaria a haver, é claro,
angolanos a morrer à fome. Mas entre morrer à fome e morrer contaminado com
raiva...
“Eu semanalmente
mando um avião para as minhas fazendas buscar duas cabeças de gado; uma para
mim e filhos e outra para os cães”, disse então o agora governador do Huambo.
Não admira, por
isso, que todos os angolanos procurem, e os ovimbundos não são excepção, ter a
mesma sorte que os cães de Kundi Paihama. Têm, contudo, pouca sorte. Os cães
que lhes tocaram em sorte estão cheios de raiva.
É claro que, embora
reconhecendo a legitimidade que os cães do governador do Huambo têm para reivindicar
uma boa alimentação, não se pode deixar de dar um conselho aos milhões, os
tais 68%, de angolanos que são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco
depois com fome.
Não. Não se
transformem em cães para ter um prato de comida. Reivindiquem o direito tão
simples de comer como os cães de Kundi Paihama.