segunda-feira, 31 de março de 2014

Angola: EM 2014, UM NOVO, VELHO GOVERNADOR PARA O HUAMBO




DEUS E O “ESCOLHIDO DE DEUS” NÃO GOSTAM DOS OVIMBUNDUS

Folha 8 - 29 março 2014

O presidente angola­no José Eduardo dos Santos exonerou Kundi Paihama do cargo de ministro dos Antigos Comba­tentes e Veteranos da Pátria e nomeou­-o, em 2014, pleno século XXI, gover­nador provincial do Huambo, quando até pelo factor idade, já percorreu quase todos os pelouros, sem nunca ter em­prestado nada de substantivo, para exibir como legado, intelectual, reconciliador e de competência. Ora, com este acto do titular do poder executivo, fica demonstra­do duas coisas: primeiro, José Eduardo dos Santos, deixou de respeitar até os seus mais próximos, face a concentração excessiva do poder, segundo, Kundi Pahiama demonstra não se respeitar a si próprio, quer como po­lítico, quer como gestor público, com ideias próprias e ambições pragmáticas.

Com base nisso, temos que nem Deus nem o “escolhido de Deus” gostam dos ovimbundus. Quem melhor explicou essa antipatia, tão genética quanto patológica, foi o próprio Kundi Paihama quando disse que em Angola existem dois tipos de pessoas, os angolanos e os kwachas, sendo que estes eram, ou são, os ovimbundus que apoiavam a UNITA.

Embora saibam que pecar em pensamento pode ser, de o MPLA descobrir, crime contra o Estado, os ovimbundus – entre outros – recordam o dis­curso do general Kundi Paihma, em Agosto de 2012, no Estádio Nacional de Ombaka, em que ele garantiu que os que lutarem contra o MPLA e contra José Eduardo dos Santos “vão ser var­ridos”. Muitos já foram; Mfulumpinga Landu Victor, Adão da Silva, Alves Kamulingue, Isaías Cassule, Hibert Ganga, etc e outros estão em lista de espera.

Reconheça-se que se Kundi Paihama o diz é por­que vai mesmo fazer isso. O regime, ou seja o MPLA, há muito que começou – embora de for­ma mais subtil - a pôr a razão da força acima da força da razão, mostrando que na sua óptica só é possível haver paz e democracia em Angola se tudo continuar na mesma: Povo, sociedade civil não bajuladora e oposição, todos devem ficar subjugados aos apetites do partido no poder.

CUMPLICIDADE DO OCIDENTE NA FRAUDE

Ao que parece, e ao con­trário do que aconteceu em 2008, o regime tem cada vez indicações fide­dignas de que, nas eleições autárquicas ou nas outras (se as houver), os mortos se vão recusar a votar no MPLA. Isso não é, reco­nheça-se, impeditivo de uma solução alternativa, testada com êxito nas an­teriores eleições, em que em alguns círculos eleito­rais apareçam mais votos do que votantes.

Se se estivesse a falar de um Estado de Direito e de uma comunidade in­ternacional honesta, seria criticável que o partido que nos desgoverna desde 11 de Novembro de 1975, que tem como seu líder carismático e presidente da República alguém que está no poder desde 1979 sem ter sido nominalmen­te eleito, sentisse necessi­dade de usar a intimidação violenta para ganhar elei­ções.

Mas como nada disso se passa, tudo vai continuar a ser feito por medida e à medida do MPLA. É para isso que o petróleo existe.

E porque o regime só reco­nhece a existências de um único “escolhido de Deus”, Eduardo dos Santos, não admite que existam dúvi­das, não aceita que a sua liberdade termine onde começa a do Povo. Vai daí, intimida, ameaça, espanca, rapta e mata quem tiver a veleidade de contrariar o “querido líder”.

Como dizia o bispo emé­rito de Cabinda, Paulino Madeca, “quando um po­lítico entra em conflito com o seu próprio povo, perde a sua credibilidade, torna-se um eterno dita­dor”.

Por alguma razão Kundi Paihama, tal como os res­tantes “yes man” do regi­me, continua a pedir aos militantes do seu partido para que controlem “mi­limetricamente” todas as acções da oposição, para não serem “surpreendi­dos”.

Na senda do que tem fei­to ao longo dos anos, o MPLA acusa a Oposição de enveredar por “ma­nifestações violentas e hostis, provocando víti­mas, inventando vítimas, incentivando a desobe­diência civil, greves e tumultos, provocando esquadras e agentes e pa­trulhas da polícia com pe­dras, garrafas e paus”.

OBJECTIVO É DESTRUIR OPOSIÇÃO

Certamente graças ao ár­duo trabalho de Kundi Paihama, o MPLA sempre disse que tinha em seu po­der “informações secretas que apontam que a UNITA e outros opositores estão prestes a levar a cabo um plano B”.

Plano que prevê, segundo os etílicos delírios dos diri­gentes do regime, “uma in­surreição a nível nacional, tipo Líbia, Egipto, Tunísia e Síria”, sendo as provín­cias de Luanda, Huíla, Ben­guela, Uíge e, claro está, Huambo as visadas.

Sempre que no horizonte se vislumbra, mesmo que seja uma hipótese remota, a possibilidade de alguma mudança, o regime dá logo sinais preocupantes quanto ao medo de perder as eleições e de ver outro partido que não o MPLA a governar o país.

Para além do domínio qua­se total dos meios mediáti­cos, tanto nacionais como estrangeiros, o MPLA aposta forte numa estra­tégia que tem dado bons resultados. Isto é, no clima de terror e de intimidação. E para esse papel, reconhe­ça-se, não ninguém melhor do que Kundi Paihama, nomeadamente numa pro­víncia que, apesar de algu­ma submissão, continua a ser uma espinha entalada na garganta do regime.

Aliás, um dia destes vamos ver por aí Kundi Paihama afirmar que todos aqueles que têm, tiveram, ou pen­sam ter qualquer tipo de armas são terroristas da UNITA que devem “ser varridos”.

E, na ausência de melhor motivo para aniquilar os adversários que, segun­do o regime, são isso sim inimigos, o MPLA poderá sempre jogar a cartada que tem na primeira linha das suas opções e que é tão do agrado das potências inter­nacionais, ou seja a de que há perigo de terrorismo, de guerra civil.

Kundi Paihama não tardará (por ele já o teria feito) a re­descobrir mais uns tantos exércitos espalhados pelas terras onde a UNITA tem mais influência política, no Huambo por exemplo, para além de já ter dito que quem falar contra o MPLA vai para a cadeia, certa­mente comer farelo.

Tal como mandam os ma­nuais, o MPLA começa a subir o dramatismo para, paralelamente às enxur­radas de propaganda, pre­venir os angolanos de que ou estão com ele ou vem aí o fim do mundo.

Além disso, nos areópa­gos internacionais vai deixando a mensagem de que ainda existem por todo o país bandos ar­mados que precisam de ser neutralizados. E não precisa de fazer grande esforço para que os ami­gos acreditem. Aliás, essa estratégia é mesmo acon­selhada pelos seus sub­missos parceiros.

ARMAS DE CAÇA “EME” E CÃES GOVERNADOR

Como também dizem os manuais marxistas, se for preciso o MPLA até sabe como armar uns tantos dos seus “paihamas” para criar a confusão mais útil. E, como também todos sa­bemos, em caso de dúvida a UNITA e os seus aliados serão culpados até prova em contrário.

Numa entrevista à LAC - Luanda Antena Comercial, no dia 12 de Fevereiro de 2008, era então ministro da Defesa, Kundi Paihama, levantou a suspeita (nunca confirmada mas também nunca desmentida) de que a UNITA mantinha armas escondidas e que alguns dos seus dirigentes tinham o objectivo de vol­tar à guerra.

Kundi Paihama, ao seu melhor estilo, esclareceu, contudo, que os antigos militares do MPLA, “se têm armas”, não é para “fazer mal a ninguém” mas sim “para ir à caça”. Não era preciso dizê-lo. Todos sabemos que é mesmo as­sim…

Quanto aos antigos mili­tares da UNITA, Kundi Paihama disse que a con­versa era outra e lembrou que mais cedo ou mais tar­de seria preciso falar sobre este assunto. Na entrevis­ta à LAC disse textual­mente: “Ainda hoje se está a descobrir esconderijos de armas”.

Razão tinha, aliás, Kun­di Paihama quando, uns dias antes, “botou faladu­ra” num comício na Sede do Município da Matala e disse: “Durmo bem, como bem e o que restar no meu prato dou aos meus cães e não aos pobres”. Cães que, certamente, o vão acom­panhar no Huambo.

E por que não vai para os pobres?, perguntam os lei­tores, tal como os milhões (ou serão só meia dúzia?) que todos os dias passam fome. Não vai porque não há pobres em Angola. E se não há pobres, mas há cães… é preciso alimentá­-los bem.

E se todos fizessem como Kundi Paihama, não have­ria cães com raiva. Conti­nuaria a haver, é claro, an­golanos a morrer à fome. Mas entre morrer à fome e morrer contaminado com raiva...

“Eu semanalmente man­do um avião para as mi­nhas fazendas buscar duas cabeças de gado; uma para mim e filhos e outra para os cães”, disse então o agora governador do Huambo.

Não admira, por isso, que todos os angolanos procu­rem, e os ovimbundos não são excepção, ter a mesma sorte que os cães de Kun­di Paihama. Têm, contudo, pouca sorte. Os cães que lhes tocaram em sorte es­tão cheios de raiva.

É claro que, embora reco­nhecendo a legitimidade que os cães do governador do Huambo têm para rei­vindicar uma boa alimen­tação, não se pode deixar de dar um conselho aos milhões, os tais 68%, de angolanos que são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco de­pois com fome.

Não. Não se transformem em cães para ter um prato de comida. Reivindiquem o direito tão simples de comer como os cães de Kundi Paihama.

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