João
Galamba – Expresso, opinião
A apresentação, por parte
da Comissão Europeia, dos termos em que vai assentar uma leitura mais flexível
do Pacto de Estabilidade e Crescimento constitui o primeiro revés institucional
do processo de constitucionalização das política de austeridade. Apesar de
manifestamente insuficiente, apesar de todos os seus erros e contradições,
trata-se de um recuo com um profundo significado político. Desde da viragem
austeritária de 2010, esta "leitura inteligente" das regras
orçamentais representa o primeiro reconhecimento institucional de que a aposta
na austeridade fracassou e tem de ser revista. A Comissão nunca o diria desta
forma, como é evidente. Mas há actos que valem mais que todas as palavras.
Ver a Comissão Europeia, uma tradicional guardiã da ortodoxia europeia em
matérias económicas, orçamentais e financeiras, a reconhecer que a recuperação
do investimento e do emprego requer mudanças (expansionistas) na actual
estratégia orçamental, e a defender que a mobilização de recursos públicos é
fundamental para reanimar o investimento privado, coloca-nos num universo
distinto do da malograda austeridade expansionista e suas fadas da confiança.
Abandonado esse universo de misticismo económico, por manifesta
insustentabilidade das crenças que o sustentavam, mas, sobretudo, por
pragmatismo, a Comissão Europeia mostra que não está condenada a desempenhar as
funções de executora de um plano económica, social e politicamente suicida, que
aceleraria a actual dinâmica de desintegração do projecto europeu.
O espírito que esteve na base do reforço das regras orçamentais, e que
pretendia inviabilizar políticas do tipo keynesiano, institucionalizando um regime
de austeridade permanente que, via a "fada da confiança", gerasse
investimento e emprego, foi substituído por um outro, em que a austeridade deve
ceder perante os objectivos do investimento e do emprego.
Esta abertura mostra que há espaço para negociação, sobretudo se essa
negociação procurar resolver algumas contradições nas actuais posições da
própria Comissão. Por exemplo, a não aplicação da chamada Cláusula de
Investimento (certas despesas de investimento publico não são tidas em conta
para efeitos das obrigações em matéria de défice e divida) a países com défices
superiores a 3% não faz grande sentido, porque acaba por frustrar uma parte dos
objectivos da própria Comissão. Para Portugal ou Grécia, ou para qualquer outro
país da chamada Coesão, o que faz sentido é excluir o investimento publico
nacional destinado a executar os fundos europeus do défice relevante para o
cumprimento das nossas obrigações orçamentais. São os países da Coesão quem
mais precisa de apoio em matéria de investimento, pelo que não faz qualquer
sentido exclui-los deste benefício. Só assim se pode compatibilizar os
objectivos de desenvolvimento e coesão social, que constituem o fundamento do
próprio projecto europeu, com os objectivos em termos de finanças públicas.
O primeiro teste a esta abertura e flexibilização por parte da Comissão virá da
Grécia, sobretudo se o Syriza vender as eleições. Veremos o que acontece. Só aí
perceberemos o verdadeiro significado e alcance desta (aparente) mudança.
Sem comentários:
Enviar um comentário