segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

A TAL FLEXIBILIZAÇÃO



João Galamba – Expresso, opinião

A apresentação, por parte da Comissão Europeia, dos termos em que vai assentar uma leitura mais flexível do Pacto de Estabilidade e Crescimento constitui o primeiro revés institucional do processo de constitucionalização das política de austeridade. Apesar de manifestamente insuficiente, apesar de todos os seus erros e contradições, trata-se de um recuo com um profundo significado político. Desde da viragem austeritária de 2010, esta "leitura inteligente" das regras orçamentais representa o primeiro reconhecimento institucional de que a aposta na austeridade fracassou e tem de ser revista. A Comissão nunca o diria desta forma, como é evidente. Mas há actos que valem mais que todas as palavras.

Ver a Comissão Europeia, uma tradicional guardiã da ortodoxia europeia em matérias económicas, orçamentais e financeiras, a reconhecer que a recuperação do investimento e do emprego requer mudanças (expansionistas) na actual estratégia orçamental, e a defender que a mobilização de recursos públicos é fundamental para reanimar o investimento privado, coloca-nos num universo distinto do da malograda austeridade expansionista e suas fadas da confiança. 

Abandonado esse universo de misticismo económico, por manifesta insustentabilidade das crenças que o sustentavam, mas, sobretudo, por pragmatismo, a Comissão Europeia mostra que não está condenada a desempenhar as funções de executora de um plano económica, social e politicamente suicida, que aceleraria a actual dinâmica de desintegração do projecto europeu.

O espírito que esteve na base do reforço das regras orçamentais, e que pretendia inviabilizar políticas do tipo keynesiano, institucionalizando um regime de austeridade permanente que, via a "fada da confiança", gerasse investimento e emprego, foi substituído por um outro, em que a austeridade deve ceder perante os objectivos do investimento e do emprego. 

Esta abertura mostra que há espaço para negociação, sobretudo se essa negociação procurar resolver algumas contradições nas actuais posições da própria Comissão. Por exemplo, a não aplicação da chamada Cláusula de Investimento (certas despesas de investimento publico não são tidas em conta para efeitos das obrigações em matéria de défice e divida) a países com défices superiores a 3% não faz grande sentido, porque acaba por frustrar uma parte dos objectivos da própria Comissão. Para Portugal ou Grécia, ou para qualquer outro país da chamada Coesão, o que faz sentido é excluir o investimento publico nacional destinado a executar os fundos europeus do défice relevante para o cumprimento das nossas obrigações orçamentais. São os países da Coesão quem mais precisa de apoio em matéria de investimento, pelo que não faz qualquer sentido exclui-los deste benefício. Só assim se pode compatibilizar os objectivos de desenvolvimento e coesão social, que constituem o fundamento do próprio projecto europeu, com os objectivos em termos de finanças públicas.

O primeiro teste a esta abertura e flexibilização por parte da Comissão virá da Grécia, sobretudo se o Syriza vender as eleições. Veremos o que acontece. Só aí perceberemos o verdadeiro significado e alcance desta (aparente) mudança.

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