terça-feira, 6 de janeiro de 2015

DEMOCRACIA, ESSA MAÇADA



Pedro Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião

No laboratório de Berlim, a Grécia foi sempre o ratinho mais estimado. E sacrificado.

Foi a primeira nação a ser pregada na cruz da austeridade, a primeira a projetar para o Mundo o ideário maligno de uma Europa desregulada, despesista, quase selvagem no uso dos dinheiros públicos. A Grécia, com a sua ultrajante economia paralela, manifestações violentas e hordas de gente sem emprego e com fome, era uma doença de que todos queriam fugir. Mas a resiliência do vírus prevaleceu. Contagiou a Irlanda e a Espanha. Chegou a Portugal.

Ainda assim, há cinco anos, Angela Merkel não queria ouvir falar na possibilidade de a Grécia abandonar o euro. Reinava a chamada teoria do dominó: se caísse a Grécia, caía tudo. Os tempos eram outros. E, em política, como é sabido, os tempos ditam os estilos.

A teoria do dominó deu, agora, lugar a uma novel designação, mais prosaica, chamada teoria da cadeia: quando o elo mais fraco sai, o resto da cadeia torna-se mais forte. É assim uma espécie de limpeza higiénica em favor da sobrevivência.

A mesma Angela Merkel que não se comoveu com as convulsões sociais vividas pela Europa no dealbar da crise económica fica de joelhos trémulos ante a possibilidade de o Syriza, partido da Esquerda radical que tem ganho ascendente no eleitorado helénico, poder vir a ganhar as eleições legislativas do próximo dia 25. Partido esse que, embora tenha vindo a moderar o seu discurso, não abdica, no essencial, de acabar com a austeridade, garantindo o perdão de uma parte da dívida do país aos credores, por considerá-la impagável.

É disto que falamos quando vemos Berlim a deixar cair Atenas: a Alemanha não aceita que um povo que durante anos sentiu o cajado da austeridade nas costas possa escolher livremente o seu governo, seja ele qual for, porque essa escolha pode ser contrária aos interesses não da Europa, mas da ideia da Europa que a Alemanha quer fazer vingar. Facilmente se percebe onde quer chegar Merkel: este aviso é para ser escutado pela Frente Nacional, em França, pelo Movimento Cinco Estrelas, em Itália, e pelo Podemos, em Espanha. Esta Europa que a Alemanha abomina é a Europa que a Alemanha gerou.

Para Merkel, a democracia é uma maçada. Os gregos foram bons sacos de boxe enquanto dar pancada nos países do Sul foi um desporto de massas; os gregos tornaram-se nuns empecilhos quando ameaçaram usar em sua defesa o poder que verdadeiramente faz a diferença em democracia: o voto.

Editor-Executivo-Adjunto

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