Ana
Sá Lopes – jornal i
"Ambição"
é o romance de estreia da jornalista Lurdes Feio, que viveu mais de 30 anos com
os bastidores da política, de que faz agora o retrato
Lurdes
Feio foi para jornalista porque queria escrever mas também com um espírito de
missão. Depressa percebeu que nem tudo se pode escrever. Em
"Ambição", um policial que retrata os bastidores de um governo e do
jornalismo - um ministro apaixona-se por uma jornalista e isso é a base da narrativa
-, Lurdes Feio afirma que está a retratar o poder que conheceu, um poder
"manipulador".
Conheceste
por dentro os bastidores do poder. O que no teu livro tem semelhança com a
realidade é mera coincidência?
Coincidências
há muitas. Casos que no fundo correspondam à realidade haverá poucos, ou
nenhum. Eu peguei na realidade que conheci – não escamoteio isso –, que a nossa
classe conhece bem, e fiz com ela uma ficção, de casos pessoais. Mas só os
casos pessoais são ficção. O resto é a realidade contada numa história
ficcionada. Foi a intenção deliberada desde o início, e é assim que eu julgo
que deve ser lido.
É
um livro que conta que temos um ministro que ganha dinheiro à conta das suas
ligações com empreiteiros.
Sim,
e eu não tenho a menor dúvida que aquele ministro existe, embora com outro
nome, provavelmente com outra pasta, até porque aquela pasta não existe. Eu
propositadamente dei um nome para que não houvesse qualquer correspondência,
assim como propositadamente matei um dos protagonistas para não pensarem que
aquilo é um caso verídico. Há muita gente que me começou a perguntar quem é a
Marta.
E
quem é a Marta?
O
mal do envolvimento entre políticos e jornalistas é que acabam muitas vezes por
misturar as coisas. Esse ponto eu friso muito bem no livro. Estes não misturam
as duas vertentes política e jornalismo e a relação afectiva. Se as
coisas funcionarem assim, não há mal nenhum. As pessoas podem apaixonar-se.
Nunca vi nenhuma cena dessas, não conheço ninguém que tenha vivido um caso destes,
mas podia acontecer. O problema é quando as pessoas misturam as coisas e o
jornalismo começa a fazer fretes à política. Este meu livro não quer ser
moralista nesse aspecto. Quer apenas separar bem o que deve ser a política e o
que deve ser o jornalismo, e até que ponto quando as relações quando se
misturam e se manipulam ambas as partes pode dar mau resultado, como é óbvio.
Houve alguém que me perguntou se um caso como o do presidente francês ou ou da
Monica Lewinsky acontecesse em Portugal como é que a imprensa ia reagir.
E
como é que tu achas que reagia?
Eu
acho que a imprensa portuguesa jamais teve uma espírito persecutório. Nunca foi
uma imprensa capaz de aproveitar a vida privada dos políticos para lhes
denegrir a imagem. Respeita muito a esfera privada. O que acho é que os
adversários políticos aproveitam esse tipo de casos para tentar denegrir os
outros.
Este
romance estava há muitos anos na tua cabeça? Eram coisas que gostarias de ter
escrito como jornalista mas não podias?
Fui
jornalista durante mais de 30 anos sempre com a ideia de um dia escrever uma
coisa destas. Desde que me lembro que gosto de escrever. Fui para o jornalismo
com um espírito de missão, mas a maior frustração foi ter chegado às
redacções e percebido que não podia escrever a maior parte das coisas. Não
podia escrever aquilo que achava que era meu dever escrever enquanto
jornalista. Este tipo de temas maturei-os ao longo da carreira.
Este
livro é um retrato fiel do poder?
É
o retrato fiel do poder que eu conheci, que eu observei.
Estamos
a falar de um poder corrupto.
Estamos
a falar de um poder manipulador. Muitas vezes as pessoas que não são corruptas
nem corrompem têm pouco de ingénuas. É um poder que tem pouco de boa-fé e muito
de manipulação. Querer estar por cima, querer controlar.
Qual
foi a personagem que te deu mais trabalho?
Foi
a Marta. Foi a personagem de que eu tive de me manter mais distante. A minha
dificuldade foi fazer com que as pessoas não confundissem a Marta comigo. Eu
sou jornalista, fiz jornalismo político, podia muito bem ser uma Marta na vida
real. Mas não sou! A dificuldade que eu tive foi fazer com que aquela Marta
fosse credível, mas ao mesmo tempo distanciar-me suficientemente dela para não
nos misturarmos. Foi a personagem mais difícil do princípio ao fim.
O
primeiro-ministro lembra o Cavaco...
É
natural, a mim também me lembra [risos]. Deu-me jeito ter um primeiro- ministro daquele tipo. Se fosse um primeiro-ministro como Mário Soares se
calhar não se importava que o Francisco tivesse amantes. Eu tinha de arranjar
um primeiro-ministro austero.
Foto:
Manuel Vicente
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