quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Portugal - Lurdes Feio. "Este livro é o retrato do poder manipulador que eu conheci"



Ana Sá Lopes – jornal i

"Ambição" é o romance de estreia da jornalista Lurdes Feio, que viveu mais de 30 anos com os bastidores da política, de que faz agora o retrato

Lurdes Feio foi para jornalista porque queria escrever mas também com um espírito de missão. Depressa percebeu que nem tudo se pode escrever. Em "Ambição", um policial que retrata os bastidores de um governo e do jornalismo - um ministro apaixona-se por uma jornalista e isso é a base da narrativa -, Lurdes Feio afirma que está a retratar o poder que conheceu, um poder "manipulador".

Conheceste por dentro os bastidores do poder. O que no teu livro tem semelhança com a realidade é mera coincidência?

Coincidências há muitas. Casos que no fundo correspondam à realidade haverá poucos, ou nenhum. Eu peguei na realidade que conheci – não escamoteio isso –, que a nossa classe conhece bem, e fiz com ela uma ficção, de casos pessoais. Mas só os casos pessoais são ficção. O resto é a realidade contada numa história ficcionada. Foi a intenção deliberada desde o início, e é assim que eu julgo que deve ser lido.

É um livro que conta que temos um ministro que ganha dinheiro à conta das suas ligações com empreiteiros.

Sim, e eu não tenho a menor dúvida que aquele ministro existe, embora com outro nome, provavelmente com outra pasta, até porque aquela pasta não existe. Eu propositadamente dei um nome para que não houvesse qualquer correspondência, assim como propositadamente matei um dos protagonistas para não pensarem que aquilo é um caso verídico. Há muita gente que me começou a perguntar quem é a Marta.

E quem é a Marta?

O mal do envolvimento entre políticos e jornalistas é que acabam muitas vezes por misturar as coisas. Esse ponto eu friso muito bem no livro. Estes não misturam as duas vertentes política e jornalismo e a relação afectiva.  Se as coisas funcionarem assim, não há mal nenhum. As pessoas podem apaixonar-se. Nunca vi nenhuma cena dessas, não conheço ninguém que tenha vivido um caso destes, mas podia acontecer. O problema é quando as pessoas misturam as coisas e o jornalismo começa a fazer fretes à política. Este meu livro não quer ser moralista nesse aspecto. Quer apenas separar bem o que deve ser a política e o que deve ser o jornalismo, e até que ponto quando as relações quando se misturam e se manipulam ambas as partes pode dar mau resultado, como é óbvio. Houve alguém que me perguntou se um caso como o do presidente francês ou ou da Monica Lewinsky acontecesse em Portugal como é que a imprensa ia reagir.

E como é que tu achas que reagia?

Eu acho que a imprensa portuguesa jamais teve uma espírito persecutório. Nunca foi uma imprensa capaz de aproveitar a vida privada dos políticos para lhes denegrir a imagem. Respeita muito a esfera privada. O que acho é que os adversários políticos aproveitam esse tipo de casos para tentar denegrir os outros.

Este romance estava há muitos anos na tua cabeça? Eram coisas que gostarias de ter escrito como jornalista mas não podias?

Fui jornalista durante mais de 30 anos sempre com a ideia de um dia escrever uma coisa destas. Desde que me lembro que gosto de escrever. Fui para o jornalismo com um  espírito de missão, mas a maior frustração foi ter chegado às redacções e percebido que não podia escrever a maior parte das coisas. Não podia escrever aquilo que achava que era meu dever escrever enquanto jornalista. Este tipo de temas maturei-os ao longo da carreira.

Este livro é um retrato fiel do poder?

É o retrato fiel do poder que eu conheci, que eu observei.

Estamos a falar de um poder corrupto.

Estamos a falar de um poder manipulador. Muitas vezes as pessoas que não são corruptas nem corrompem têm pouco de ingénuas. É um poder que tem pouco de boa-fé e muito de manipulação. Querer estar por cima, querer controlar.  

Qual foi a personagem que te deu mais trabalho?

Foi a Marta. Foi a personagem de que eu tive de me manter mais distante. A minha dificuldade foi fazer com que as pessoas não confundissem a Marta comigo. Eu sou jornalista, fiz jornalismo político, podia muito bem ser uma Marta na vida real. Mas não sou! A dificuldade que eu tive foi fazer com que aquela Marta fosse credível, mas ao mesmo tempo distanciar-me suficientemente dela para não nos misturarmos. Foi a personagem mais difícil do princípio ao fim.

O primeiro-ministro lembra o Cavaco...

É natural, a mim também me lembra [risos]. Deu-me jeito ter um primeiro- ministro daquele tipo. Se fosse um primeiro-ministro como Mário Soares se calhar não se importava que o Francisco tivesse amantes. Eu tinha de arranjar um primeiro-ministro austero.

Foto: Manuel Vicente

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