Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Uma
imensidão de "verdades instituídas" nas governações neoliberais a que
estamos sujeitos, no país e na União Europeia, não passam de aldrabices bem
camufladas por pronunciamentos de "especialistas", ancorados em
"estudos científicos", repetidos até à exaustão nos grandes meios de
informação. Quem se atrever a interpretações e explicações alternativas é
alcunhado de irresponsável, de não ter em conta a "realidade que
vivemos" e corre o risco de ser aconselhado a um qualquer internamento
hospitalar.
É
esse o risco que corro neste artigo porque em diálogo recente com economistas
bem preparados e não submetidos às verdades oficiais, sobre, nomeadamente, a
origem do dinheiro e a atuação do Banco Central Europeu (BCE), eles me
mostravam haver coisas que de tão simples é difícil nelas acreditar. Por
exemplo: quando um banco comercial concede crédito, normalmente não entrega um
maço de notas ao cliente, credita-lhe a conta. De um lado do balanço fica um
registo de depósito, do outro, um registo de crédito concedido. O dinheiro que
estava nos depósitos dos outros clientes não diminuiu nem aumentou. O banco
criou dinheiro. Dir-me-ão, há limites! Sim, os que o Banco Central impõe e os
que os bancos impõem uns aos outros. Se emprestassem de mais ninguém estaria
disposto a pagar um juro.
Os
bancos centrais também criam dinheiro sem ter por detrás de cada euro um
bocadinho de ouro, de prata, ou de outra coisa qualquer aferrolhado no cofre,
embora muitas pessoas pensem o contrário. Na maior parte dos casos, o Banco
Central nem precisa de papel. Basta-lhe uma transferência eletrónica para uma
qualquer conta bancária.
Observaram-me
que o professor de Economia da Universidade de Cambridge, John Muellbauer,
escreveu a 23 de dezembro passado no portal VOX: o que o BCE devia fazer agora
era "imprimir largas somas de dinheiro e distribuí-lo ao público".
Ora, se o depositasse nas contas bancárias de todos os cidadãos, ficava
distribuído.
Se
toda a gente tivesse emprego, todas as máquinas estivessem a trabalhar 24 horas
por dia e os campos cultivados, havendo mais dinheiro, o preço das coisas
produzidas aumentaria porque não seria possível produzir mais coisas, logo,
criar mais dinheiro seria estúpido e prejudicial. Mas, numa crise económica há
muitas pessoas e máquinas paradas, há campos por cultivar porque não há
procura, e não há procura porque as pessoas não têm dinheiro. E há muita
pobreza e fome. Neste caso, imprimir dinheiro e distribuí-lo bem, ajuda. Claro
que também são necessárias políticas novas noutras áreas.
Por
que é que eles (BCE, etc.), apesar da crise, não querem que o dinheiro chegue
às pessoas? Porque, sendo escasso, quem o tem pode empresta-lo com um juro
elevado. Quem o não tem é obrigado a arranjar o indispensável para viver ou
sobreviver, trabalhando pelo salário que lhe aparecer, logo aumentando o seu
aprisionamento.
Custará
a acreditar, mas é verdade: se há alguma coisa na economia que não é
necessariamente escassa, essa coisa é o dinheiro. E o BCE passa a vida a
"imprimir" dinheiro para alimentar um sistema de acumulação de riqueza
instalado a favor de alguns e não para, como era preciso, servir as pessoas e
resolver a crise.
Há
mais coisas simples para descobrir. Quando as pessoas têm pouco dinheiro, as
coisas não se vendem e os preços baixam. Os vendedores têm perdas e despedem
trabalhadores. Com mais desemprego os salários baixam ainda mais e as pessoas
ficam com menos dinheiro. Os vendedores são de novo obrigados a baixar os
preços. Isto chama-se deflação e é sobre este risco que nos encontramos.
Em
deflação, quem ainda tem algum dinheiro tende a não o investir e até o poderá
guardar debaixo do colchão, ou num buraco no chão dentro de uma panela, dado
que amanhã esse dinheiro poderá comprar mais coisas, entretanto mais baratas.
Há
dias o INE anunciou que os preços tinham caído em 2014. E constata-se um
agravamento do desemprego e da qualidade do emprego, bem como redução dos
salários. Se houvesse mais dinheiro nas carteiras, de quem utilmente precisa
dele, isto não aconteceria: haveria mais emprego, melhores salários e
desenvolvimento.
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