Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Gregos,
portugueses e muitos outros milhões de cidadãos europeus, ou que vivem na
Europa, têm sido torturados com políticas de austeridade que agravam problemas
de toda a ordem, que tornam a sociedade mais desigual e mais injusta. No
momento em que o povo grego, com um Governo que não abdica de representar os
seus interesses e afirmar a sua dignidade, pondo em causa a falsidade dos
alicerces da austeridade, os detentores do poder tudo fazem para impor a ordem:
prossiga a tortura.
É
tempo de discutir política a sério. Como muita gente de quadrantes diversos vem
alertando, na Europa estamos todos - toda a União Europeia (UE) e não só -
perante uma complexa encruzilhada. Passos Coelho ao classificar o programa do
Governo grego de "conto de crianças" e ao dizer-nos que em Portugal
temos de seguir em frente no caminho que vimos trilhando, convida-nos,
criminosamente, a aceitar a continuação da tortura. Apesar da "troika fora
do país", o FMI já anunciou a receita em reserva.
O
Governo grego reclama, justamente, que a Europa seja governada politicamente ao
serviço dos povos, com princípios éticos, com responsabilidade e solidariedade.
Quer que o seu povo se liberte um pouco dos interesses financeiros e económicos
ao serviço dos poderosos.
Como
irá a UE responder às propostas do Governo grego?
No
imediato, puseram em ação a sua organização detentora dos instrumentos de
tortura - o BCE - que, como qualquer torturador experimentado, é muito
violento, mas capaz de confundir com momentos em que faz de bonzinho. Não sabemos
o que vai sair daqui. Os governantes dos diversos países e os mandantes da UE
dividem-se em três grupos: os servilistas como Passos Coelho, para quem as
soluções serão as que os patrões ditarem; os dos sorrisos amarelos e sonsos à
Hollande, sempre no exercício de agradar a Deus e ao Diabo, mas no fim
entregando-se às "inevitabilidades"; os das caras fechadas, das
ameaças puras e duras. O que mais preocupa no imediato são as ameaças: um
documento "secreto" divulgado à Reuters pelo Governo alemão exige ao
Governo grego que cumpra tudo o que os seus predecessores prometeram aos
credores, levando o que resta da Grécia à ruína; uma decisão do BCE que concede
apenas mais alguns dias de acesso dos bancos gregos ao financiamento do seu
Banco Central (o BCE).
O
que irá a UE decidir?
Não
sabemos. Neste momento, a situação é de tal forma complexa e prenhe de
contradições que talvez nem o Governo alemão saiba bem o que vai fazer. O
desfecho até pode vir a ser ditado não por decisões, mas pela falta delas.
Basta, por exemplo, que o acesso ao crédito do Banco Central por parte dos
bancos gregos seja bloqueado: é o que pode suceder se não forem tomadas
decisões políticas a tempo. Aí o Governo grego encontrar-se-á perante a
escolhas trágicas que tem estado a querer evitar.
O
corte do acesso ao BCE equivale de facto a uma expulsão da Grécia da Zona Euro,
algo não previsto nos tratados. Ninguém sabe o que pode acontecer de seguida.
Pode ser que a Alemanha, que se tem vindo a precaver para essa possibilidade,
consiga absorver as ondas de choque de uma crise potencialmente fatal do euro.
Mas, o mesmo não acontecerá em Portugal. Portugal , como a Imprensa internacional
não se tem cansado de lembrar, seria o próximo na linha de abate.
Portugal
e os portugueses estão muito interessados na situação da Grécia. Uma solução
negociada para esta emergência europeia, mesmo que fique algo distante da
garantia de um rumo novo de rutura com as políticas de austeridade, é uma
necessidade para os portugueses. O sucesso da Grécia é-nos muito vantajoso.
Infelizmente
Portugal não tem neste momento um Governo que o defenda, pois alinha com o mais
descabelado fundamentalismo punitivo na UE, não para defender o país, mas para
mostrar que não há alternativa à submissão. O Governo que Portugal tem neste
momento representa um enorme perigo. Ele é uma ameaça para os interesses mais
imediatos e para o futuro dos portugueses. Uma ameaça para o interesse
nacional, também identificado na independência e soberania de um povo e de um
país, e no direito a uma vida comum em democracia e com dignidade.
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