segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Portugal: BES – A CHANTAGEM DE SALGADO



Luís Rosa – jornal i, editorial

O que é que Ricardo Salgado, António Barreto e a extrema- -esquerda do Syriza grego e do Podemos espanhol têm em comum? Embora possa parecer estranho, tudo.

Comecemos pelo ex-Dono Disto Tudo (DDT). Escreveu uma carta ao parlamento a admitir que teve encontros com Cavaco Silva, Passos Coelho, Paulo Portas, Durão Barroso e Carlos Moedas sobre os riscos sistémicos da falência do BES e para pedir ajuda para salvar o banco da sua família. Traduzindo a estratégia: Salgado voltou a ligar a ventoinha para tentar espalhar a porcaria do caso BES. Já que os reguladores (Banco de Portugal e Comissão de Mercado de Valores Mobiliários) não compreendiam as suas posições, Salgado recorreu ao poder político para intervir e ajudá-lo a conseguir um empréstimo de emergência junto de um sindicato bancário liderado pela Caixa Geral de Depósitos. Na cabeça de Ricardo Salgado, Cavaco, Passos, Portas, Barroso e Moedas deviam-lhe qualquer coisa, daí o seu pedido ser natural e lógico. A estratégia, contudo, não resultou e o Grupo Espírito Santo (GES) desmoronou-se como um castelo de cartas.

Ricardo Salgado não perdoa e está numa posição de ataque porque sabe que muito ainda resta saber sobre o caso BES - resta saber até onde está disponível para ir. Por exemplo, descobriu-se recentemente que o GES tinha uma empresa chamada Espírito Santo Enterprise que funcionava como uma espécie de saco azul do grupo. Essa sociedade terá recebido cerca de 300 milhões de euros para fazer pagamentos não documentados a terceiros. Quem? Ainda não sabemos. Ricardo Salgado saberá mas, para já, apenas quer pressionar - e não falar.

O caso BES é o culminar de diversos casos que revelaram a podridão moral da elite política, financeira e empresarial. Essas diversas elites vivem da interdependência entre si, da troca de favores entre os seus principais protagonistas, do tráfico de influências e mesmo da pura corrupção que se instalou nos grandes negócios feitos entre o Estado e os privados. Daí António Barreto, um homem habitualmente moderado, ter afirmado ao i no sábado que "gostaria de ver presos (...) alguns banqueiros, empresários, administradores, ex-ministros, ex- -secretários-gerais". Barreto, para horror dessas elites, mais não fez do que verbalizar o sentimento de muitos portugueses que não percebem como é possível o enriquecimento inexplicável de muitos dos protagonistas políticos dos últimos 40 anos, a incompetência manifestada nos contratos das parcerias público-privadas, a construção sem nexo de equipamentos públicos inúteis, repetidos e pornograficamente caros e fora do orçamento previsto ou a promiscuidade quase total entre o Estado e as grandes empresas sempre em prejuízo do erário público.

O facto de os portugueses ainda não terem encontrado alguém que capitalize esse descontentamento não deve levar PSD, PS e CDS ao relaxamento. Se, por um lado, percebemos facilmente que não só o Bloco de Esquerda e o PCP não merecem credibilidade do eleitorado moderado como os grupúsculos de extrema-esquerda que pululam por aí como coelhos a quererem imitar o Podemos em Espanha ou o Syriza na Grécia são irrelevantes; por outro lado, não podemos desvalorizar a tendência de crescimento das elevadas taxas de abstenção dos últimos actos eleitorais e o descontentamento da classe média com a democracia representativa e as políticas erradas seguidas nos últimos 20 anos. Os portugueses, como os gregos e os espanhóis, estão cansados de uma classe política descredibilizada. Por estranho que possa parecer, Ricardo Salgado pode vir a ser o maior aliado de quem quer derrubar o regime. Basta o ex-DDT querer.

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