sexta-feira, 13 de março de 2015

Angola. A TRAGÉDIA ANUNCIADA



Jornal de Angola, editorial

Aconteceu mas não podia acontecer. Mil avisos foram feitos mas sempre ignorados. A Protecção Civil e os Bombeiros informam de minuto a minuto que ninguém pode erguer casebres junto às linhas de água ou valas de drenagem. No Cacimbo nem o rio Cavaco corre, as suas águas ficam escondidas debaixo da areia. Mas na estação da Chuva surgem por toda a parte regatos e riachos. 

Quando vem a tempestade, as enxurradas levam tudo à frente. O que antes era um sítio acolhedor transforma-se num inferno de lama e destroços. Há vidas humanas que são engolidas pelas águas tumultuosas.

Aconteceu no Lobito mas não devia acontecer. Pelo menos 45 pessoas morreram, arrastadas pelas enxurradas. Na noite de quarta-feira choveu mais do que o normal e as valas de drenagem dos bairros 4 de Fevereiro e Santa Cruz transbordaram. A corrente arrastou o lixo mas também as casas precárias de centenas de famílias que teimam em viver nas zonas perigosas. A tragédia do Lobito só aconteceu porque os técnicos da Protecção Civil não foram ouvidos. Os habitantes das zonas sinistradas ignoraram todos os avisos e persistiram em viver de mãos dadas com o perigo e a morte.

A tragédia aconteceu mas nunca devia ter acontecido. O administrador municipal do Lobito disse em conferência de imprensa que vai realojar os sobreviventes lá em cima, nos Morros, onde não há linhas de água perigosas. Mas é legítimo perguntar porque razão só agora vai ser feito o realojamento. A resposta é muito simples: faltou, mais uma vez, a Autoridade do Estado. E esse é o principal problema com que Angola se debate. Cada um constrói onde quer. As regras urbanísticas não interessam. A licença de construção não conta para nada. A fiscalização fecha os olhos e vira as costas. A UNITA defende no Parlamento as ocupações ilegais, os casebres nas áreas de risco. Os seus dirigentes dizem que a terra é do povo.

Um debate parlamentar revelou uma Oposição rendida ao populismo, apoiando o caos urbanístico e as ocupações das reservas fundiárias. As demolições são criticadas e classificadas como crimes. Depois vem chuva em excesso, “nascem” rios caudalosos onde ninguém esperava, as valas de drenagem transbordam, há derrocadas e mortes. Nesta altura só o Estado responde aos sinistrados. Os que defendem o caos urbanístico e as cidades de casebres e barracas fingem que não é nada com eles.

Políticos angolanos especializados no populismo e no deita abaixo são contra a demolição de barracas e casebres. Como se os angolanos estivessem condenados a esta pobreza  e vulneráveis a todas as desgraças. Nós sabemos quem começou a demolir sistematicamente a Autoridade do Estado. À saída das primeiras eleições multipartidárias em 1992, os derrotados ocuparam pela força das armas, praticamente todas as capitais provinciais e arrasaram as autoridades instituídas, à lei da bala. Foi esse o exemplo que deram às comunidades. Destruíram instalações da Administração Pública, queimaram e saquearam. Mataram ou escorraçaram os representantes do Estado. 

A lição foi clara: com a UNITA não há lugar para o Estado e as suas instituições. Foi assim até ao ano de 2002. Mas o que foi destruído durante décadas não se refaz por decreto. Não basta reconstruir ou construir novos equipamentos para levar as comunidades a aceitar a Autoridade do Estado e respeitar as regras da boa convivência. 

Os titulares do poder local têm também culpa. Se alguém constrói junto a uma linha de água ou de uma vala de drenagem, o casebre tem de ser imediatamente demolido. Quem precisar de apoios sociais, é apoiado. Mas permitir que uma família viva na margem de uma vala de drenagem, não é ajuda nenhuma. É colocar em risco a vida das pessoas. E as autoridades têm o dever de proteger todas as vidas.

A tragédia do Lobito aconteceu mas não podia ter acontecido. Vamos chorar os mortos e cuidar dos vivos. As autoridades comunais, municipais e provinciais têm de acabar de uma vez por todas com as construções precárias em locais de risco. Se os políticos da Oposição persistirem em defender o caos urbanístico e as construções precárias em zonas de risco, há uma boa solução: entregam as suas casas aos necessitados e vão eles viver para os casebres. A tragédia do Lobito ceifou vidas humanas. Para que as mortes não sejam em vão, a partir de agora, brigadas técnicas têm de percorrer todo o país, sinalizar as casas e casebres nas zonas de risco e, de imediato, proceder à sua demolição. Mais vale viver num centro de acolhimento algum tempo, do que ficar soterrado em lama.

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