Díli,
08 mar (Lusa) - Herdeiros de dois liurais timorenses recordaram histórias dos
pactos de sangue que os chefes tradicionais fizeram com Ruy Cinatti no século
passado, numa cerimónia hoje em Díli por ocasião do centenário do nascimento do
poeta e biólogo português.
A
intervenção de Cornélio Ximenes, filho do liurai Adelino Ximenes de Loré e de
Saturnino Barreto, bisneto do liurai Armando Barreto, de Ai-Assa, foi um dos
pontos altos da cerimónia de hoje que decorreu na escola criada em 2002 em Díli
e que desde 2009 tem o nome de Ruy Cinatti.
Os
familiares estiveram em Díli numa iniciativa coordenada entre a escola Ruy
Cinatti e o Arquivo e Museu da Resistência Timorense em Díli.
"Tinha
10 anos quando se fez o pacto de sangue", recordou hoje Cornélio Ximenes
"O
pacto de sangue foi feito num lugar sagrado entre o meu pai e o Ruy Cinatti, de
forma privada. Com esse pacto ficam como irmãos gémeos. Havia lá uma casa onde
ele viveu e onde ainda há pinturas feitas por um velhote que ainda está
vivo", disse.
Cornélio
Ximenes disse que Cinatti pediu ao liurai "que tinha 9 mulheres",
para dar o seu nome a um filho" e, por isso "hoje há por aí montes de
Cinattis".
Saturnino
Barreto, por seu lado, recordou que além do pacto de sangue foi feito, em
Ai-Assa, uma "cerimónia de bandeira de segunda linha" tendo sido
distribuídas bandeiras de Portugal aos 18 chefes de suco da região.
"Sete
dos chefes de suco foram com o liurai de Ai-Assa e com o saudoso Ruy Cinatti
para Ai-Assa onde houve uma festa de um dia e uma noite. De manhã os sete
concentraram-se num lugar sagrado para testemunhar o pacto de sangue",
disse.
"A
informação que o meu pai me deu não explica o objetivo da cerimónia. O sítio
onde foi feito o pacto de sangue é sagrado. E não é qualquer pessoa que lá pode
ir", disse.
Os
dois descendentes dos liurais descerraram depois uma placa comemorativa do
centenário de Ruy Cinatti, inaugurando uma exposição preparada com material
documental do Arquivo e Museu da Resistência Timorense em Díli e obras de
alunos da escola portuguesa.
Natural
de Londres, onde nasceu em 1915, Ruy Cinatti era agrónomo e poeta, dividindo a
sua vida entre as ciências humanísticas e as ciências naturais.
"Conhecer
a sua vida é conhecer um pouco do que foi Timor. Era um homem que aprendia
muito depressa o que via e observada. Desde que chegou que tinha um visão do
que deveria ser o desenvolvimento de Timor", recordou o embaixador de
Portugal em Díli, Manuel Gonçalves de Jesus.
Cinatti
chegou a Timor-Leste pela primeira vez em julho de 1946, como secretário do
então governador Oscar Ruas e no ano seguinte, com o país a recuperar das
marcas da invasão japonesa, percorreu o território realizando um primeiro
estudo.
O
seu estudo e a sua análise de Timor englobou temas tão diversos como a
botânica, a meteorologia, etnologia e a arqueologia, sendo no pacto de sangue
que alcançou uma ligação eterna aos rituais mais sagrados do país.
Cinatti,
que nunca deixou de viver essa ligação de "irmão" timorense, é autor
do que se pensa ser o primeiro plano de fomento agrário do país e deixou uma
vasta obra ainda hoje referência essencial para estudiosos de Timor-Leste.
"Recolheu
hoje dados, como por exemplo sobre a arquitetura de Timor-Leste, que nos
ajudaram a preservar o conhecimento e a memória de Timor. Com estudos sobre
botânica, os motivos artísticos timorenses ou outros", recordou o
embaixador.
ASP//GC
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