domingo, 8 de março de 2015

Herdeiros de liurais timorenses recordam pacto de sangue com Ruy Cinatti




Díli, 08 mar (Lusa) - Herdeiros de dois liurais timorenses recordaram histórias dos pactos de sangue que os chefes tradicionais fizeram com Ruy Cinatti no século passado, numa cerimónia hoje em Díli por ocasião do centenário do nascimento do poeta e biólogo português.

A intervenção de Cornélio Ximenes, filho do liurai Adelino Ximenes de Loré e de Saturnino Barreto, bisneto do liurai Armando Barreto, de Ai-Assa, foi um dos pontos altos da cerimónia de hoje que decorreu na escola criada em 2002 em Díli e que desde 2009 tem o nome de Ruy Cinatti.

Os familiares estiveram em Díli numa iniciativa coordenada entre a escola Ruy Cinatti e o Arquivo e Museu da Resistência Timorense em Díli.

"Tinha 10 anos quando se fez o pacto de sangue", recordou hoje Cornélio Ximenes

"O pacto de sangue foi feito num lugar sagrado entre o meu pai e o Ruy Cinatti, de forma privada. Com esse pacto ficam como irmãos gémeos. Havia lá uma casa onde ele viveu e onde ainda há pinturas feitas por um velhote que ainda está vivo", disse.

Cornélio Ximenes disse que Cinatti pediu ao liurai "que tinha 9 mulheres", para dar o seu nome a um filho" e, por isso "hoje há por aí montes de Cinattis".

Saturnino Barreto, por seu lado, recordou que além do pacto de sangue foi feito, em Ai-Assa, uma "cerimónia de bandeira de segunda linha" tendo sido distribuídas bandeiras de Portugal aos 18 chefes de suco da região.

"Sete dos chefes de suco foram com o liurai de Ai-Assa e com o saudoso Ruy Cinatti para Ai-Assa onde houve uma festa de um dia e uma noite. De manhã os sete concentraram-se num lugar sagrado para testemunhar o pacto de sangue", disse.

"A informação que o meu pai me deu não explica o objetivo da cerimónia. O sítio onde foi feito o pacto de sangue é sagrado. E não é qualquer pessoa que lá pode ir", disse.

Os dois descendentes dos liurais descerraram depois uma placa comemorativa do centenário de Ruy Cinatti, inaugurando uma exposição preparada com material documental do Arquivo e Museu da Resistência Timorense em Díli e obras de alunos da escola portuguesa.

Natural de Londres, onde nasceu em 1915, Ruy Cinatti era agrónomo e poeta, dividindo a sua vida entre as ciências humanísticas e as ciências naturais.

"Conhecer a sua vida é conhecer um pouco do que foi Timor. Era um homem que aprendia muito depressa o que via e observada. Desde que chegou que tinha um visão do que deveria ser o desenvolvimento de Timor", recordou o embaixador de Portugal em Díli, Manuel Gonçalves de Jesus.

Cinatti chegou a Timor-Leste pela primeira vez em julho de 1946, como secretário do então governador Oscar Ruas e no ano seguinte, com o país a recuperar das marcas da invasão japonesa, percorreu o território realizando um primeiro estudo.

O seu estudo e a sua análise de Timor englobou temas tão diversos como a botânica, a meteorologia, etnologia e a arqueologia, sendo no pacto de sangue que alcançou uma ligação eterna aos rituais mais sagrados do país.

Cinatti, que nunca deixou de viver essa ligação de "irmão" timorense, é autor do que se pensa ser o primeiro plano de fomento agrário do país e deixou uma vasta obra ainda hoje referência essencial para estudiosos de Timor-Leste.

"Recolheu hoje dados, como por exemplo sobre a arquitetura de Timor-Leste, que nos ajudaram a preservar o conhecimento e a memória de Timor. Com estudos sobre botânica, os motivos artísticos timorenses ou outros", recordou o embaixador.

ASP//GC

Sem comentários:

Mais lidas da semana