Alexandre
Parafita – Jornal de Notícias, opinião
Sou
ainda daqueles que construíram o seu imaginário nas distantes tertúlias
domésticas, à volta da lareira, a ouvir as narrativas, mais ou menos lendárias,
dos célebres salteadores de estrada.
Começava-se
no temerário Zé do Telhado, o tal das "barbas negras", que carregava
o ADN de uma temida legião de bandidos, como foram o seu pai Teixeira, o irmão
Joaquim e o tio-avô Sodiano. Vinham depois as histórias arrepiantes do
"Sancho Pacato", e do "Pichorras", à mistura com as de um
tal Custódio "Boca Negra", mais o "Tira Vidas", o "Mói
Tudo", o Morgado da "Magantinha" e o Zé Pequeno (um cobardolas
denunciante, a quem o Zé do Telhado arrancou a língua...). Pelo meio, falava-se
de um sinistro "Labardeiro" que atacava para os lados do Minho,
servido por um não menos cruel "Picanço". E com um curriculum de
fazer-lhes inveja, também se contavam histórias de um tal "Pita", que
investia, disfarçado de padre, nas terras de Basto, encobrindo as pistolas com
a sotaina. Os mais temidos refugiavam-se no Marão. À hora menos pensada, saíam das
moitas e boqueirões da serra, caindo sobre as malas-postas, a cujos ocupantes
indefesos esvaziavam os bolsos e a bagagem. A testemunhar estes episódios,
ainda hoje, no alto do Marão, é referenciado, na memória oral, um topónimo: a
"Fonte dos Ladrões".
Episódios
destes, históricos ou lendários, já diluídos na penumbra do tempo, julgava eu
terem ficado nas velhas estradas serpenteadas da serra. Longe estava, pois, de
os ver ocorrerem-me à memória, agora que as estradas serpenteadas deram lugar
às autoestradas, onde cidadãos incautos e indefesos estão a ser grosseiramente
depenados pelo Estado ou por quem o usa a seu belo proveito. Na verdade, por
uns míseros dois euros de uma passagem num pórtico de uma ex-scut, que há mais
de um ano devia ter pago, e que nem sequer recordo, fui intimado a pagar uma
soma de... 112.02 euros (!), sob pena de vir a ser penhorado. Outros cidadãos,
igualmente incautos, confrontados com cobranças de valores muito maiores, estão
já a enfrentar processos de penhora.
Mas
que Estado é este, afinal, que usa e abusa de uma maquiavélica fonte de
receitas, extorquindo, indefensavelmente, somas exorbitantes aos cidadãos? Como
distingui-lo dos antigos salteadores de estrada, de que falam as lendas? Pelo
menos de alguns, como o celebrado Zé do Telhado, encarnando o mito do
herói-bandido, ainda se dizia que depenava os ricos para dar aos pobres...
*Escritor
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