Paulo
Pereira de Almeida – Diário de Notícias, opinião
A
pobreza é um dos princípios para se desencadearem conflitos violentos. Guerras.
É por isso - no mínimo - espantoso que uma elite de privilegiados e bem pagos
tecnocratas continuem a insistir numa receita para o desastre. Neste caso
concreto - e na União Europeia (UE), em geral, e no caso da zona euro, em
particular - soubemos na semana passada pelo DN que "o Presidente da
República e Subir Lall, o chefe de missão do FMI a Portugal, disseram que as
reformas das contas públicas e da economia são um novo "modo de vida"
que os países têm de adotar e de maneira "permanente"."
Mais.
Esta opinião foi também reforçada pelo chamado Conselho das Finanças Públicas
(CFP), pelo que - segundo o Dinheiro Vivo (um excelente site especializado em
economia) - "o estudo do CFP acaba por servir de recado ao próximo
governo. Se o executivo que sair das eleições de setembro/outubro próximo não
incrementar as reformas -, isto é, se as políticas adotadas forem as mesmas que
hoje existem (o chamado "pressuposto de políticas invariantes") e se
forem totalmente eliminadas as medidas excecionais (sobretaxa do IRS, corte de
salários públicos) -, a diferença entre o saldo orçamental sem mais medidas e o
"saldo necessário para cumprir o ajustamento anual" à luz das regras
europeias traduz-se num "desvio" de 1,9% do PIB já em 2016." Ou
seja, a "austeridade" tem agora um novo nome e uma nova semântica.
Designa-se "pressuposto de políticas invariantes" e é apresentada -
uma vez mais - como a única alternativa (semanticamente nem se trata de alternativa,
pois esta pressupõe - justamente - a possibilidade de escolha). É grave. Se
considerarmos o que aconteceu em países soberanos como Portugal e Grécia, e se
atendermos às políticas públicas socialmente devastadoras que aqui foram
implementadas como se se tratasse de "engenharia social", os
resultados foram um retrocesso civilizacional, uma desmotivação das populações
e um afastamento e alheamento da política e das causas públicas. Na verdade,
estamos - seguramente - à beira de uma rutura social e cívica com consequências
ainda imprevisíveis. E se somarmos a este cenário a reconfiguração do espectro
político, com o já visível (em França e em Espanha, concretamente) fim do
bipartidarismo e com a fragmentação dos eleitorados aparentemente órfãos de uma
representação política e democrática que os mobilize para a sua vida quotidiana
e para os desafios políticos dos seus países, corremos - então - um
considerável risco de anomia social.
Mas
isto não é tudo. O mais preocupante - em meu entender - é mesmo a atual forma
de mobilização da mão-de-obra e a sua cada vez mais parca capacidade de
melhoria da qualidade de vida através de um salário digno. E é este o resultado
do tal "pressuposto de políticas invariantes". Escandaloso. Mas foi
esta mesma elite de tecnocratas que - a seu tempo - defendeu a
"necessidade" de baixar salários e de reduzir despesas. Lamento.
Estão - em minha opinião - invariavelmente errados. É que o resultado e o fim
último da política deve - obviamente - ser o da melhoria da qualidade de vida
das populações, o prolongamento da sua esperança de vida e do seu bem-estar.
Esperemos - pois - que esta ditadura da austeridade, este neofeudalismo que nos
transforma em escravos deste tipo de políticas tenha - nos próximos tempos - um
fim à vista. Pela minha parte, e porque não gostaria de ver a Europa novamente num
conflito armado, vou - obviamente - manter a esperança.
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