sexta-feira, 27 de março de 2015

Portugal. SOMOS ESCRAVOS DA AUSTERIDADE?



Paulo Pereira de Almeida – Diário de Notícias, opinião

A pobreza é um dos princípios para se desencadearem conflitos violentos. Guerras. É por isso - no mínimo - espantoso que uma elite de privilegiados e bem pagos tecnocratas continuem a insistir numa receita para o desastre. Neste caso concreto - e na União Europeia (UE), em geral, e no caso da zona euro, em particular - soubemos na semana passada pelo DN que "o Presidente da República e Subir Lall, o chefe de missão do FMI a Portugal, disseram que as reformas das contas públicas e da economia são um novo "modo de vida" que os países têm de adotar e de maneira "permanente"."

Mais. Esta opinião foi também reforçada pelo chamado Conselho das Finanças Públicas (CFP), pelo que - segundo o Dinheiro Vivo (um excelente site especializado em economia) - "o estudo do CFP acaba por servir de recado ao próximo governo. Se o executivo que sair das eleições de setembro/outubro próximo não incrementar as reformas -, isto é, se as políticas adotadas forem as mesmas que hoje existem (o chamado "pressuposto de políticas invariantes") e se forem totalmente eliminadas as medidas excecionais (sobretaxa do IRS, corte de salários públicos) -, a diferença entre o saldo orçamental sem mais medidas e o "saldo necessário para cumprir o ajustamento anual" à luz das regras europeias traduz-se num "desvio" de 1,9% do PIB já em 2016." Ou seja, a "austeridade" tem agora um novo nome e uma nova semântica. Designa-se "pressuposto de políticas invariantes" e é apresentada - uma vez mais - como a única alternativa (semanticamente nem se trata de alternativa, pois esta pressupõe - justamente - a possibilidade de escolha). É grave. Se considerarmos o que aconteceu em países soberanos como Portugal e Grécia, e se atendermos às políticas públicas socialmente devastadoras que aqui foram implementadas como se se tratasse de "engenharia social", os resultados foram um retrocesso civilizacional, uma desmotivação das populações e um afastamento e alheamento da política e das causas públicas. Na verdade, estamos - seguramente - à beira de uma rutura social e cívica com consequências ainda imprevisíveis. E se somarmos a este cenário a reconfiguração do espectro político, com o já visível (em França e em Espanha, concretamente) fim do bipartidarismo e com a fragmentação dos eleitorados aparentemente órfãos de uma representação política e democrática que os mobilize para a sua vida quotidiana e para os desafios políticos dos seus países, corremos - então - um considerável risco de anomia social.

Mas isto não é tudo. O mais preocupante - em meu entender - é mesmo a atual forma de mobilização da mão-de-obra e a sua cada vez mais parca capacidade de melhoria da qualidade de vida através de um salário digno. E é este o resultado do tal "pressuposto de políticas invariantes". Escandaloso. Mas foi esta mesma elite de tecnocratas que - a seu tempo - defendeu a "necessidade" de baixar salários e de reduzir despesas. Lamento. Estão - em minha opinião - invariavelmente errados. É que o resultado e o fim último da política deve - obviamente - ser o da melhoria da qualidade de vida das populações, o prolongamento da sua esperança de vida e do seu bem-estar. Esperemos - pois - que esta ditadura da austeridade, este neofeudalismo que nos transforma em escravos deste tipo de políticas tenha - nos próximos tempos - um fim à vista. Pela minha parte, e porque não gostaria de ver a Europa novamente num conflito armado, vou - obviamente - manter a esperança.

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