Martinho Júnior, Luanda (ver texto anterior)
5
– A tornar mais complexa a abordagem, interessa desde logo definir a amplitude
da batalha e as questões geo estratégicas intimamente associadas ao conjunto de
dispositivos.
Para
tal julgo ser evidente que toda a linha que preenche Kuito Kuanavale (no Kuando
Kubango) até ao Ruacaná/Calueque (no Cunene) era formada dum lado e do outro
das barricadas, por um sistema de vasos comunicantes, assistido por vias e
meios de comunicação, capacidades de logística, movimento de unidades
terrestres e aerotransportadas, bem como apoio aéreo multiforme, que abarcava
uma área enorme a sul do Moxico, do Bié e da Huila: o que se passasse de
excepcional num dos pontos (neste caso a leste), poderia assim vir a implicar
alterações profundas na correlação de forças nos outros pontos (nos
dispositivos no centro e a oeste do sistema).
Isso
teve de ver com a gestão de reservas, com a decisão do aumento do contingente
cubano, com o emprego por parte das FAPLA/FAR/PLAN de armamento mais moderno,
assim como com a compressão e a distensão das linhas de logística, algo que
também se torna necessário levar em linha de conta:
-
Enquanto as FAPLA/FAR/PLAN conseguiram excedentes consideráveis que a qualquer
momento poderiam pressionar ao longo dessa linha, as SADF/FALA/SWATF
concentraram os seus esforços principalmente a leste, sem garantir reservas
operativamente adequadas ao longo dessa mesma linha e na barricada
geograficamente oposta;
-
Enquanto distenderam as linhas de logística às proximidades de Mavinga, as
FAPLA tiveram insuficiências de toda a ordem, mas quando as comprimiram com
concentração de forças no triângulo de Tumpo, foi a vez das SADF/FALA sentirem
o mesmo tipo de dificuldades, com a agravante de não possuírem reservas
suficientes e manterem, ao nível na área do Cunene, insuficiências
operacionais, o que possibilitou o contra-ataque das forças combinadas
FAPLA/FAR/PLAN;
-
A proliferação de campos de minas implantados pelas FAPLA/FAR no triângulo de
Tumpo, articulando-os com a manobra táctica, fez diminuir as possibilidades de
movimento, com alterações para menos na velocidade e força dos golpes, por
parte das SADF/FALA, quer dizer, um das principais vantagens do ataque dessas
forças ficou anulada, com a superioridade do emprego da arma de engenharia e,
logo de seguida, com a superioridade aérea dos MIS-23ML;
-
O emprego dos Olifants na direcção do Kuito Kuanavale por parte das South
Africa Defence Forces, revelou-se pouco a pouco contraproducente, pois
contribuíram para perder capacidade e rapidez de manobra; os Olifants
atolaram-se em campos de minas, aumentaram imenso as dificuldades operacionais
da logística em suporte ao material pesado e terminaram por não permitir o
emprego desses mesmos meios a oeste devido ao desgaste do material que sobrou e
conseguiram retirar em direcção à Namíbia ocupada; essas unidades não puderam
fazer chegar a tempo à Ovambulândia, quando a contra-ofensiva FAPLA/FAR se fez
sentir no Cunene;
-
A introdução dos MIG-23ML limitou o movimento das SADF/FALA/SWATF, quer em
terra quer no ar, pelo menos durante o período diurno, o que lhes causou
problemas de toda a ordem, quer nas operações ofensivas, quer nas linhas de
logística aéreas e terrestres;
-
Às baixas que as SADF/FALA tiveram no Kuando Kubango, acresceram ainda baixas
mais volumosas no Cunene, o que, tudo somado, fez surgir na África do Sul
um “síndroma do Vietname”especialmente quando do ataque dos 11 MIG-23ML a
Calueque, uma reacção psicológica contra uma guerra desgastante, que cada vez
produzia mais mortos e feridos, sem haver alguma vez a perspectiva de se
poderem vir a alcançar os objectivos a que o “apartheid” se propunha.
-
As FALA (UNITA) eram numerosas no Kuando Kubango, com todos os efectivos
empenhados na defesa da Jamba, mas muito débeis no Cunene, precisamente ao
contrário da SWAPO (PLAN), muito forte no Cunene e débil no Kuando Kubango e
periferias do sudoeste da Zâmbia; tudo isso resultava das questões geo
estratégicas que se apresentavam, bem como das características étnicas que se
espelhavam na base de mobilização e recrutamento de cada um desses
agrupamentos, que com o tempo obrigava a delimitar a sua implantação; a UNITA
ficou acantonada no sudeste e a SWAPO tinha à sua disposição o corredor
cuanhama- ovambo;
-
O embargo de armas ao “apartheid” impedia esse regime de sublimar as
respostas para além daquelas que já haviam sido conseguidas e, apesar das
inovações tecnológicas (G-5, G-6 e os“drones” Seeker), tornou-se evidente
que a partir de 1988 a derrota militar estava consumada, esgotados os recursos,
o que recomendava imediatamente a negociações.
6
– De facto as SADF/FALA/SWATF na Ovambolândia e no Cunene, haviam sido quase
substituídas pelas unidades policiais Koevoet, pelas unidades Romeo Mike e
pelos dispositivos móveis que protagonizaram os conceitos de caça à guerrilha
da SWAPO conhecidos como“Fireforce”, de unidades da South West African
Territorial Force (SWATF), dispondo de muitos blindados Casspir, de alguns
blindados Ratel 20 e 90, de poucas unidades Ratel ZT3 equipadas com mísseis
anti tanque, de poucos Olifant, de muitos meios de intervenção aérea (sobretudo
helicópteros Alouette e Puma), assim como de meios de ataque aéreo que se
haviam tornado obsoletos (sem possibilidade de resposta face aos MIG-23ML), instalados
sobretudo em Ruacaná, Oshakati, Ondangwa e Rundu.
Esses
dispositivos, se bem que relativamente eficazes em relação ao combate à
guerrilha da SWAPO (People Libertion Army of Namibia, PLAN), numa profundidade
que chegou à Serra da Chela, abarcando ao mesmo tempo a Ovambolândia (no norte
da Namíbia ocupada), eram manifestamente insuficientes perante forças regulares
motorizadas conforme as introduzidas no teatro de operações Calueque/Kuito
Kuanavale pelas FAPLA/FAR/PLAN em 1988, com a agravante que os MIG-23ML
passaram a garantir o domínio do espaço aéreo com raio de acção que
possibilitava já ataques dentro da própria Namíbia ocupada
pelo “apartheid”, a partir do momento em que se reocupou território já
relativamente próximo da fronteira de Santa Clara.
O
ataque dos MIG-23ML a Calueque, que provocou inúmeros desgastes e a morte de
dezenas de soldados sul-africanos, redundou na retirada das SADF/FALA/SWATF
para a Namíbia ocupada, abandonando o território de Angola.
As
bases aéreas de Ruacaná, Oshakati, Ondangwa e Rundu, bem junto à fronteira com
Angola, ficaram à mercê dos MIG-23ML, conforme ao exemplo do que aconteceu em
Calueque.
As
forças coligadas do “apartheid” demonstraram também não possuir uma
engenharia defensiva à altura, tornando-se vulneráveis em posições fixas: os
meios garantiam uma excelente capacidade de manobra de intervenção em ofensiva,
com possibilidades de rapidez nos movimentos e artilharia poderosa e precisa,
mas as insuficiências quando passavam à defesa de posições, acabaram por vir ao
de cima.
As
posições da Cahama, Xangongo, Mupa e Cuvelai haviam sido reforçadas pela 40ª
Brigada de Tanques das FAR, o que possibilitou a construção de pistas de
aviação em Xangongo e Cahama, assim como o assentamento de radares nessas localidades,
puxando o raio de acção dos MIG-23ML para sul e possibilitando a sua entrada na
Namíbia ocupada (o que aconteceu pelo menos duas vezes).
Se
as Operações sucessivas das SADF/FALA, Moduler, Firewood, Hooper e Packer,
acabaram no atoleiro do triângulo de Tumpo, com uma ampla perda e desgaste de
meios, sem possibilidades de alcançar os objectivos, as Operações Excite/Hilti
e Displace, no Cunene e Namíbia, resultaram numa situação de perda de
território e de domínio que culminava com o risco eminente de penetração das
FAPLA/FAR/PLAN na Namíbia ocupada, pelo “miolo” geo estratégico do
território e tentadoramente até Windoek.
O
peso da situação significava logicamente a derrota das SADF/FALA/SWATF em toda
a linha Kuito Kuanavale/Calueque, o fim da ocupação do Sudoeste Africano
pelo “apartheid” e o colapso desse hediondo regime na África do Sul.
Por
isso a diplomacia ocidental e do “apartheid” trataram de, com todo o
empenho, evitar o próximo golpe que se adivinhava e de facto já estava
preparado: a destruição dos aeródromos das SAAF junto à fronteira sul de Angola
(Ruacaná, Oshakati, Ondangwa e Rundu).
Foto:
Mapa que espelha uma parte do espectro de acção da UNITA e da SWAPO, na África
Austral.
Artigos
anteriores (os dois primeiros publicados em janeiro e o terceiro publicado em
março de 2008, no Página Um, e retirados da blogosfera):
- Cuito
Cuanavale – Vinte anos depois – I;
-
Cuito Cuanavale – Vinte anos depois – II;
-
Cuito Cuanavale – Vinte anos depois – III.
Sequência
de operações das SADF/FALA/SWATF:
-
Operation Moduler - http://en.wikipedia.org/wiki/Operation_Moduler
-
Operation Firewood – http://en.wikipedia.org/wiki/Operation_Firewood
-
Operation Hooper – http://en.wikipedia.org/wiki/Operation_Hooper
-
Operation Packer – http://en.wikipedia.org/wiki/Operation_Packer
-
Operation Excite/Hilti – http://en.wikipedia.org/wiki/Operation_Excite/Hilti
-
Operation Prone – http://en.wikipedia.org/wiki/Operation_Prone
-
Operation Displace – http://en.wikipedia.org/wiki/Operation_Displace
1 comentário:
Qué sería de la Historia, sobre todo, la que da cuenta de momentos decisivos para el África Austral, sin investigadores como Martinho. Las gracias, también a "paginaglobal" por su objetiva y valiente divulgación.
Enviar um comentário