Existirá
uma relação entre o incrível aumento da propensão ao suicídio e o triunfo do
neoliberalismo, que implica precariedade e competição obrigatória?
Franco
Berardi – Outras Palavras - Tradução Bruno Cava - Imagem: Edvard
Munch, Autorretrato entre o relógio e a cama
Dizem
que o jovem piloto Andreas Lubitz sofria de crise depressiva e mantinha
escondidas da Lufthansa as suas condições psíquicas. Os médicos tinham
aconselhado um período de licença do trabalho. Mas isso não é de fato
surpreendente: o turbocapitalismo contemporâneo detesta aqueles que pedem para
usufruir licenças médicas, e detesta à enésima potência qualquer referência à
depressão. Deprimido, eu? Não se fala nunca disso. Eu estou bem, perfeitamente
bem, eficiente, alegre, dinâmico, enérgico e acima de tudo competitivo. Faço
jogging toda manhã, estou sempre disponível e preparado para coisas
extraordinárias. Não seria talvez esta a filosofia do “baixo custo”? Não
seríamos talvez rodeados ininterruptamente pelo discurso da eficiência
competitiva? Não estaríamos talvez constrangidos no cotidiano a comparar o
nosso estado de ânimo com aquela alegria agressiva dos rostos bem sucedidos que
aparecem nos anúncios publicitários? Não correríamos talvez o risco de demissão
se faltarmos demais ao trabalho por estarmos doentes?
Agora
os jornais (os mesmos jornais que há anos vêm nos chamando de pouco esforçados
e elogiam a exclusão dos ineficientes) aconselham-nos a prestar mais atenção nos
processos seletivos. Teremos controles extraordinários para verificar se os
pilotos de avião não sejam desequilibrados, loucos, depressivos, maníacos,
melancólicos tristes e abatidos. De verdade? E os médicos? E os coronéis do
exército? E os motoristas de ônibus? E os condutores de trem? E os professores
de matemática? E os agentes da polícia rodoviária?
Depuremos
os deprimidos. Depurêmo-los. Pena que sejam a maioria absoluta da população
contemporânea. Não estou falando dos deprimidos declarados, que aliás estão
crescendo em proporção, mas daqueles que sofrem de infelicidade, tristeza,
desespero, aqueles que raramente informam da situação e o fazem com certa
prudência. A incidência de doenças psíquicas tem crescido enormemente nas
últimas décadas. A taxa de suicídio, segundo relatório da Organização Mundial
da Saúde, subiu 60% (!) nos últimos quarenta anos.
Quarenta
anos? O que isso poderá significar? O que aconteceu nos últimos quarenta anos
para que tanta gente se apresse em vestir paletó de madeira? Existirá talvez
uma relação entre esse incrível aumento da propensão a abreviar a vida e o
triunfo do neoliberalismo, que implica precariedade e competição obrigatória? E
existirá talvez uma relação com a solidão de uma geração inteira que cresceu
diante da tela, sendo submetida a contínuos estímulos psico-informativos e
tocando sempre menos o corpo do outro? Não se esqueçam que, para cada suicídio
realizado, existem cerca de vinte tentados sem sucesso. E não se esqueçam que,
em muitos países do mundo, os médicos são convidados a ter cautela na hora de
atribuir a morte ao suicídio, se não existirem provas evidentes da intenção do falecido.
E quantos acidentes de carro ocultam uma intenção suicida mais ou menos
consciente?
Não
apenas as autoridades de investigação e a companhia aérea revelaram que a causa
do desastre aéreo foi o suicídio de um trabalhador que sofria de crise
depressiva e que a mantinha escondida, eis que na internet se coloca em marcha
o costumeiro exército de teóricos da conspiração. “Até parece que vou
acreditar”, dizem aqueles que suspeitam de um complô. Deve ter a mão da CIA, ou
talvez Putin, ou quem sabe foi simplesmente um gravíssimo erro da Lufthansa que
agora querem esconder do público. Um chargista que se chama Sartori e acredita
ser muito espirituoso mostra um cara lendo um jornal com a manchete “Tragédia
Airbus: responsável o copiloto deprimido” e fala: “daqui a pouco vão dizer que
o ISIS também é feito por deprimidos”.
Olha
aí, parabéns. Acertou o ponto em cheio: o terrorismo contemporâneo pode ter mil
causas políticas, mas a única causa verdadeira é a epidemia de sofrimento
psíquico (e social, mas as duas coisas são uma só) que se está difundindo pelo
mundo. É possível explicar o comportamento de um terrorista, de um jovem que se
explode para matar uma dezena de outros seres humanos, apenas em termos
políticos, ideológicos, religiosos? Certo que se pode, mas vai ser conversa
fiada. A verdade é que quem se mata considera a vida um peso intolerável, e vê
na morte a única salvação, na tragédia a única vingança. Uma epidemia de
suicídio se abateu sobre o planeta Terra, porque por décadas se pôs pra rodar
uma gigantesca fábrica de infelicidade de onde parece cada vez mais impossível
escapar. Aqueles que em todo lugar veem um complô deveriam parar de buscar uma
verdade escondida, deveriam em vez disso interpretar diversamente a verdade
evidente. Andreas Lubitz se trancou naquela maldita cabine porque a dor que
sentia dentro de si era de fato insuportável, e porque acusava daquela dor os
150 passageiros e colegas que voavam com ele, e todos os outros seres humanos
que como ele são incapazes de libertar-se da infelicidade que devora a
humanidade contemporânea, desde que a publicidade nos submeteu a um bombardeio
de felicidade obrigatória, desde que a solidão digital multiplicou os estímulos
e isolou cada um dos corpos, desde quando o capitalismo financeiro nos
constrangeu a trabalhar o dobro para ganhar a metade.
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