segunda-feira, 6 de abril de 2015

Cabo Verde. Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos: Nas ruas gritou-se não



Andre Amaral - Expresso das Ilhas (cv)

Kaçubodi na Parlamento", "Am formá e agora?", "Vergonha". Estas foram algumas das palavras de ordem que se ouviram nas manifestações contra a aprovação dos estatutos dos titulares de cargos políticos. Praia, Mindelo, Assomada e Sal tiveram gente nas ruas a manifestar-se contra os novos estatutos. Também em Portugal se fizeram ouvir vozes contrárias e se fizeram apelos ao veto presidencial. Já na internet circula uma petição que será depois entregue à Presidência da República.

Numa altura em que os aumentos salariais estão congelados e em que o poder de compra das famílias diminui, a notícia do aumento do salário do presidente da república em 65% caiu que nem uma bomba junto dos cabo-verdianos.

A iniciativa do aumento salarial do presidente da república não foi dos deputados. Nem podia sê-lo uma vez que cabe ao Governo a competência de alteração salarial do presidente da república. Mas acabaram por ser os deputados os principais alvos das manifestações que saíram à rua na sexta e na segunda-feira.

A mobilização foi feita pela internet, principalmente pelas redes sociais, e se na sexta-feira a mobilização, na Praia, não excedeu as 100 pessoas, no dia 30 foram mais de duas mil que marcaram presença em frente à Assembleia Nacional.

Mas vamos por partes.

Sexta-feira, 27 de Março. À porta da Assembleia Nacional junta-se pouco mais de uma centena de pessoas. Gritam palavras de ordem. Apelam aos automobilistas para se juntarem a eles. Assobiam e gritam “Vergonha!” de cada vez que identificam um deputado a entrar ou a sair da Assembleia Nacional.

A polícia faz um cordão de segurança à porta do Parlamento. Os portões da Assembleia Nacional fecham-se. Por segurança e para impedir eventuais tentações de invasão daquele espaço.

“Estamos aqui a mostrar que esta é uma medida injusta”, diz um dos manifestantes ouvidos pelo Expresso das Ilhas. “Sou professor, não tive direito a aumento salarial, porque disseram que não havia dinheiro. Mas para eles já há?”, questionava outro.

O sentimento de revolta sentia-se nas palavras de quem marcou presença neste primeiro dia de manifestação.

Segunda-feira. 30 de Março. “PUM”, lê-se num cartaz. Uma leitura mais atenta permite ver o significado desta onomatopeia. “Partidos Unidos Mamadura” mostra o cartaz que joga com a primeira letra de cada um dos partidos com assento na Assembleia Nacional.

Os sentimentos são os mesmos de sexta-feira. Revolta. Angústia. Tristeza.

Pede-se a demissão dos deputados e a sua substituição por outros. “Não queremos este parlamento, não queremos estes deputados”.

São quatro da tarde e à porta da Assembleia Nacional estão cerca de 500 pessoas. Um número que cresce com o tempo. Depressa as 500 se transformam em mil, duas mil, quase três mil pessoas.

Ao sol, um manifestante, imóvel e em silêncio, estica os braços. Nas mãos segura um cartaz. “Veta que eu Voto”, lê-se. “Apelamos ao veto”, diz uma tarja que entretanto surge à frente dos manifestantes.

A estrada é invadida pelos manifestantes. A Polícia Nacional corta o trânsito e os portões da Assembleia Nacional voltam a fechar-se.

A manifestação é pacífica. A invasão da Assembleia Nacional nunca foi sequer ponderada por quem assume a liderança da demonstração do descontentamento popular e qualquer palavra nesse sentido é, de imediato, silenciada.

Erguem-se, de novos os cartazes, que dizem “veto”, “eu sou contra”, “reprovado pelo povo” entre outras palavras de ordem.

Assobios e aplausos fazem-se ouvir quebrando um dos raros momentos de silêncio. Em fila, num passo com uma cadência quase militar chega mais um grupo de manifestantes. Nas mãos, os dois homens que vêm na frente seguram um cartaz com a fotografia de Amílcar Cabral. “Queremos Cabral de volta!”, gritam enquanto se dirigem para o portão fechado da Assembleia Nacional. Depressa esta frase se espalha para os outros manifestantes.

Segue-se o hino nacional. Entoado por milhares de gargantas como se de uma voz apenas se tratasse.

“O presidente disse há pouco em Coimbra que não é surdo nem cego. Esperamos que ele oiça o que é que se está a passar em Cabo Verde”, afirmou Rony Moreira do MAC#114 ao Expresso das Ilhas. Jorge Carlos Fonseca fez “uma campanha em que dizia estar perto das pessoas, isto aqui são pessoas, isto é o povo cabo-verdiano e se ele quiser ouvir o povo acho que ele irá vetar a proposta”, reforçou Rony Moreira.

São Vicente saiu à rua

Mas não foi só Santiago e a Praia que tiveram manifestação contra a aprovação dos controversos estatutos. Sal, Santa Catarina de Santiago, Mindelo. Um pouco por todo o país as pessoas saíram à rua para mostrar o seu desagrado.

Na ilha do monte Cara as ruas foram invadidas por um cortejo de milhares de pessoas.

Vatch Gomes, um dos mobilizadores da manifestação no Mindelo, afirmava à Rádio Morabeza, durante a marcha que o objectivo era “dar a conhecer a nossa insatisfação quanto ao diploma que foi aprovado na Assembleia Nacional e apelar ao presidente da República para que vete o diploma”.

Mas voltemos a Santiago. Em Santa Catarina os manifestantes reuniram-se para, também eles, pedirem a Jorge Carlos Fonseca que vete os Estatutos dos Titulares de Cargos Políticos. “Nho veta novo estatuto de titulares de cargo político”, pediam os manifestantes nas ruas da Assomada.

Segundo avançou a RCV os manifestantes não são contra os salários dos políticos mas entendem que esta não é a conjuntura ideal para o efeito. “Eles dizem que estão a pensar no povo, mas agora só estão a pensar neles próprios” disse um dos manifestantes à rádio pública nacional.

Apelos no estrangeiro

A mobilização de cabo-verdianos contra os estatutos dos titulares de cargos políticos ultrapassou mesmo as fronteiras nacionais. Em Coimbra, Portugal, um grupo de estudantes apelou ao veto presidencial.

“Apelamos ao veto”, “nosso presidente, nossa esperança”, “nosso voto, seu veto”, eram algumas das frases inscritas em folhetos empunhados pelas dezenas de estudantes, conforme noticiava, na segunda-feira, o jornal online português A bola.pt.

Esse apelo foi reforçado ainda durante um encontro que o chefe de Estado cabo-verdiano manteve na manhã de terça-feira com os estudantes de origem cabo-verdiana da Universidade Lusófona, em Lisboa.

Petição online

Entretanto, na internet, começou a circular uma petição para pedir ao Presidente da República que vete o projecto de lei dos Estatutos dos Titulares de Cargos Políticos.

No texto explicativo deste pedido está escrito que “o povo cabo-verdiano exige” que o Presidente cabo-verdiano, Jorge Carlos Fonseca, use o poder de veto contra a proposta de lei.

Em causa está o aumento de 65% do salário do Presidente da República, que passou de 170.000 para 280.000 escudos, montante a que estão indexados os restantes salários dos titulares de cargos políticos - Parlamento, Governo e eleitos municipais.


Como já foi dito atrás este aumento veio despertar um sentimento de insatisfação uma vez que várias classes profissionais em Cabo Verde, como as polícias, professores, portos, alfândegas e administração pública têm exigido melhores condições de trabalho e aumentos salariais pedidos que não têm sido atendidos com o argumento de tal não ser possível devido à actual conjuntura económica.

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