Se
pensava que com a comissão de inquérito ao BES e com os longuíssimos
testemunhos dos banqueiros, contabilistas e afins ficou a saber como funcionava
a elite da economia nacional, pois prepare-se para mais notícias
surpreendentes.
Francisco Louçã*
- Esquerda.net, opinião
O
Expresso de 28 de março apresenta uma delas e é um número: de 2008, quando
começou a crise financeira, até 2014, as empresas que agora estão no PSI20
distribuíram 13 mil milhões de euros em dividendos. É mais do que as empresas
chinesas aplicaram em privatizações em Portugal, acrescentam com malícia e
rigor as autoras do artigo (Elisabete Tavares e Joana Madeira Pereira, “PSI20
paga 13 mil milhões de dividendos desde 2008”). Por outras palavras, nunca
faltou dinheiro. Outra coisa é saber como foi aplicado.
De
facto, houve dinheiro mesmo quando não havia. Exemplos: mesmo com prejuízos de
63 milhões, em 2011 a Sonae SGPS pagou 66,2 milhões de dividendos. Usou as suas
reservas para satisfazer os acionistas. A Zon, em 2012, com modestos ganhos de
22 milhões, pagou o triplo em dividendos, 61,8 milhões. O mesmo já tinha
acontecido no ano anterior. A administração foi às reservas.
Havia
portanto dinheiro. E generosamente: as duas empresas mais endividadas, a EDP e
a PT, foram as recordistas do pagamento de dividendos (4,4 mil milhões na EDP e
mais de 3 mil milhões na PT). No total, os pagamentos de dividendos em 2014
foram 1,7 mil milhões, ou seja, 57% do lucro foi entregue aos acionistas no
caso das empresas não financeiras do PSI20. Se considerarmos o peso dos
dividendos comparado com os resultados líquidos, então temos o número esmagador
de 154% em todo o PSI20 (em 2013 e por causa dos prejuízos da banca). Os
dividendos foram ao pote.
Note
bem. Durante estes anos vivemos primeiro uma crise financeira e depois uma
recessão prolongada. O endividamento destas empresas aumentou e o seu
investimento caiu a pique. Ficaram mais pobres. Mas usaram mais de metade dos
seus rendimentos para pagar dividendos aos seus acionistas – mesmo quando
tinham prejuízos ou quando gastavam mais do que o que tinham ganho. Não foi nem
para abater a dívida nem para fazer investimento para terem melhores resultados
no futuro (já para não dizer criar emprego ou aumentar a capacidade produtiva).
Foi para pagar dividendos. Chama-se a isto viver acima das suas possibilidades.
E é a história da burguesia portuguesa.
Pois
é. O caso Salgado não é só uma maçã podre que perturbava o cesto. O cesto é que
é o problema pior.
Artigo
publicado em blogues.publico.pt em 31 de março de 2015
*
Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda
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