quinta-feira, 2 de abril de 2015

Portugal. LISTA VIP. O INSUSTENTÁVEL NÚNCIO



Luís Rosa – jornal i, editorial

Passos Coelho devia ter anunciado medidas para impedir que 2302 utilizadores externos e empresas privadas tenham acesso aos dados fiscais dos contribuintes

O caso da lista VIP deixou de ser uma enorme trapalhada do governo para se tornar um autêntico caso de polícia – sem que o titular da tutela da Autoridade Tributária, o secretário de Estado Paulo Núncio, tenha sido responsabilizado até ao momento. Vamos por partes.

O caso nasceu, como hoje se sabe, das notícias do i sobre as declarações de IRS de Passos Coelho. O incómodo público do primeiro-ministro com o acesso dos jornalistas aos seus dados fiscais levou à criação da já famosa lista VIP – cuja existência começou por ser negada pela Autoridade Tributária e pelo próprio Paulo Núncio. Hoje não só sabemos que a mesma existe, como estão confirmados os seguintes nomes VIP: Cavaco Silva, Passos Coelho, PauloPortas e o próprio secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Não existe prova de que Paulo Núncio tenha ordenado a criação de tal lista – alegação que o governantes rejeita de forma clara. E até poderá ter havido excesso de zelo dos directores da Autoridade Tributária para agradar ao chefe, mas não deixa de ser profundamente embaraçoso, no mínimo, que o secretário de Estado que negou a existência de um reforço do segredo fiscal para alguns políticos afinal faça parte dessa lista supostamente fantasma.

Nos últimos dias conheceram-se dados que não só adensam as suspeitas em redor do caso como agravam a responsabilidade política de Núncio. Não só terão sido destruídas na Autoridade Tributária provas relevantes para o esclarecimento do caso, como a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) revelou informações extraordinárias: 2302 utilizadores externos têm privilégios informáticos para aceder à informação fiscal como se fossem funcionários do fisco e um “grande número” de empresas privadas têm acesso à base de dados da Autoridade Tributária. Isto é, sublinha a CNPD, é “impossível um controlo efectivo por parte da AT da actividade levada a cabo” pelos utilizadores externos ao fisco.

Estes dados, e só estes, bastariam para o primeiro-ministro demitir o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. A autoridade política de Paulo Núncio é praticamente nula a partir do momento em que tem um desconhecimento tão significativo do que os seus serviços andam a fazer. Não saber que o sigilo fiscal dos cidadãos (e não de uma espécie de casta política) é devassado desta forma é uma prova de incapacidade política. A pergunta que qualquer português faz é simples: “Afinal o que anda lá a fazer se não sabe o que os seus funcionários fazem?”

É importante referir que esta devassa generalizada da vida privada dos cidadãos não legitima a criação de qualquer lista VIP. Esta mais não é  que um privilégio e uma discriminação positiva sem qualquer sentido dos titulares de cargos políticos, cujos rendimentos até já são em grande medida públicos no Tribunal Constitucional – e os que não são deviam ser, para promoção do escrutínio democrático. 

Passos Coelho bem pode dizer, como ontem fez no parlamento, que não funciona com demissões: a situação de Paulo Núncio está perto de se tornar insustentável. Mas há uma coisa que o primeiro-ministro devia ter anunciado ontem: medidas concretas para que os 2302 utilizadores externos e as empresas privadas não voltem a ter acesso aos dados dos contribuintes.

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