Luís
Rosa – jornal i, editorial
Passos
Coelho devia ter anunciado medidas para impedir que 2302 utilizadores externos
e empresas privadas tenham acesso aos dados fiscais dos contribuintes
O
caso da lista VIP deixou de ser uma enorme trapalhada do governo para se tornar
um autêntico caso de polícia – sem que o titular da tutela da Autoridade
Tributária, o secretário de Estado Paulo Núncio, tenha sido responsabilizado
até ao momento. Vamos por partes.
O
caso nasceu, como hoje se sabe, das notícias do i sobre as declarações de IRS
de Passos Coelho. O incómodo público do primeiro-ministro com o acesso dos
jornalistas aos seus dados fiscais levou à criação da já famosa lista VIP –
cuja existência começou por ser negada pela Autoridade Tributária e pelo
próprio Paulo Núncio. Hoje não só sabemos que a mesma existe, como estão
confirmados os seguintes nomes VIP: Cavaco Silva, Passos Coelho, PauloPortas e
o próprio secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Não existe prova de que
Paulo Núncio tenha ordenado a criação de tal lista – alegação que o governantes
rejeita de forma clara. E até poderá ter havido excesso de zelo dos directores
da Autoridade Tributária para agradar ao chefe, mas não deixa de ser
profundamente embaraçoso, no mínimo, que o secretário de Estado que negou a
existência de um reforço do segredo fiscal para alguns políticos afinal faça
parte dessa lista supostamente fantasma.
Nos
últimos dias conheceram-se dados que não só adensam as suspeitas em redor do
caso como agravam a responsabilidade política de Núncio. Não só terão sido
destruídas na Autoridade Tributária provas relevantes para o esclarecimento do
caso, como a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) revelou informações
extraordinárias: 2302 utilizadores externos têm privilégios informáticos para
aceder à informação fiscal como se fossem funcionários do fisco e um “grande
número” de empresas privadas têm acesso à base de dados da Autoridade
Tributária. Isto é, sublinha a CNPD, é “impossível um controlo efectivo por
parte da AT da actividade levada a cabo” pelos utilizadores externos ao fisco.
Estes
dados, e só estes, bastariam para o primeiro-ministro demitir o secretário de
Estado dos Assuntos Fiscais. A autoridade política de Paulo Núncio é
praticamente nula a partir do momento em que tem um desconhecimento tão
significativo do que os seus serviços andam a fazer. Não saber que o sigilo
fiscal dos cidadãos (e não de uma espécie de casta política) é devassado desta
forma é uma prova de incapacidade política. A pergunta que qualquer português
faz é simples: “Afinal o que anda lá a fazer se não sabe o que os seus
funcionários fazem?”
É
importante referir que esta devassa generalizada da vida privada dos cidadãos
não legitima a criação de qualquer lista VIP. Esta mais não é que um
privilégio e uma discriminação positiva sem qualquer sentido dos titulares de
cargos políticos, cujos rendimentos até já são em grande medida públicos no
Tribunal Constitucional – e os que não são deviam ser, para promoção do
escrutínio democrático.
Passos
Coelho bem pode dizer, como ontem fez no parlamento, que não funciona com
demissões: a situação de Paulo Núncio está perto de se tornar insustentável.
Mas há uma coisa que o primeiro-ministro devia ter anunciado ontem: medidas
concretas para que os 2302 utilizadores externos e as empresas privadas não voltem
a ter acesso aos dados dos contribuintes.
Sem comentários:
Enviar um comentário