Pedro Rainho – jornal i
Quis
sair uma e outra vez. O primeiro-ministro conseguiu segurá--lo mas só até ao
momento em que Macedo
viu cair, um atrás do outro, amigos próximos e sócios de negócios de longa data
Até
ao final, foram as garantias pessoais de que nada tinha a ver com o processo
dos vistos gold que levaram Passos Coelho a segurar no governo o seu ministro
da Administração Interna. Apesar da proximidade com alguns dos principais
visados na Operação Labirinto, Miguel Macedo sempre assegurou que não era
“pessoalmente responsável” pelo esquema.
O
caso dos vistos gold tocou de muito perto – demasiado perto – o então ministro
da Administração Interna, logo de início. O responsável viu serem apanhados na
malha da investigação amigos próximos – como AntónioFigueiredo, ex-presidente
do Instituto de Registos e Notariado –, mas também pessoas com quem Macedo se
relacionava há largos anos e com as quais mantivera relações profissionais –
Albertina Gonçalves, sócia do ex-ministro num escritório de advogados e
ex-secretária-geral do Ministério do Ambiente, e Ana Luísa Figueiredo, filha de
António Figueiredo e antiga sócia do social-democrata numa empresa de
assessoria de negócios.
Ainda
assim, quando deixou o governo, em Novembro do ano passado, Miguel Macedo
reafirmou publicamente não ter tido “qualquer intervenção administrativa no
processo de atribuição de vistos”.
Na
altura em que abandonou o cargo, disse que o fazia por ter a sua “autoridade
diminuída”, algo que não se coadunava com as funções que exercia. “O ministro
da Administração Interna tem de ter sempre uma forte autoridade para o
exercício pleno das suas responsabilidades. Essa autoridade ficou diminuída,
pelo que tomei a decisão de apresentar ao primeiro-ministro a minha demissão,
que foi hoje aceite”, explicou Macedo.
Depois
de rebentar a polémica, precisou de três dias para deixar o governo – durante
esse tempo, assistiu à queda dos amigos e sócios envolvidos na rede de
corrupção. Precisou desse tempo para “fazer a reponderação que generosamente
foi pedida”, justificou nesse momento, numa menção a um novo pedido do
primeiro-ministro para que reconsiderasse a sua decisão. Os pedidos do
primeiro-ministro não foram suficientes e Macedo demitiu-se “em defesa do
governo e da autoridade do Estado”.
Vistos
gold. Tudo o que consta no processo contra Miguel Macedo
Sílvia
Caneco – jornal i
Acórdão
da Relação a que o i teve acesso reúne conjunto de indícios contra o
ex-ministro da Administração Interna. Há relatos de escutas telefónicas, de
encontros e jantares e até de presentes oferecidos ao actual deputado por um
cidadão chinês. MP dá-o como suspeito de prevaricação, a Relação também, mas
Macedo não foi constituído arguido. Suspeita-se que era tratado pelo
cognome “Cavalo Branco”.
Para
o Ministério Público, “é claro e cristalino” que Miguel Macedo é “o único
responsável político” com “directa participação nos factos” e com as condições
susceptíveis de ter cometido um crime de prevaricação no caso dos vistos gold.
O Tribunal da Relação de Lisboa também não tem dúvidas de que o crime se
consumou “na esfera do ministro”. Para procuradores e juízes, Miguel Macedo deu
“ordem ilegal”, violou os procedimentos sem atentar ao interesse público e
“favoreceu ilegalmente”, e em conjunto com Manuel Jarmela Palos – antigo
director do SEF –, os “interesses privados lucrativos” de António Figueiredo,
director do IRN e seu amigo, e de Jaime Gomes, seu antigo sócio.
O
acórdão da Relação de Lisboa a que o i teve acesso – e que responde ao recurso
de um dos arguidos – descreve em pormenor um conjunto de elementos reunidos
contra o antigo ministro. Há relatos de telefonemas feitos pelo próprio ou em
que o seu nome é visado, registos de encontros e de conversas em almoços,
viagens e até presentes oferecidos a Macedo por um cidadão chinês envolvido no
esquema.
Confrontado
pelo i, Miguel Macedo respondeu: “Não conheço o acórdão nem a situação, mas
estou disponível para esclarecer tudo o que a justiça entender que deve ser
esclarecido.”
Na introdução do recurso, o Ministério Público (MP) assume que as buscas feitas ao Ministério da Administração Interna (MAI) “visavam colher precisamente prova indiciária da actuação de Miguel Macedo”. Nesta data, os investigadores já sabiam que Jaime Gomes, seu antigo sócio, lhe tinha falado, na última semana de 2013, da necessidade de se divulgar os serviços imobiliários na China. E que, consequentemente, o então ministro terá dado ordem directa a Manuel Palos para que se nomeasse um oficial de ligação do SEF em Pequim “em prol de interesses lucrativos de natureza privada dos arguidos António Figueiredo e Jaime Gomes”. Palos terá acatado “a ordem ilegal do ministro” para cair nas suas “boas graças” e, na perspectiva do MP, a nomeação só não terá sido concretizada porque, em Fevereiro ou Março de 2014, uma fuga de informação terá levado a que suspendessem os planos.
A
escuta telefónica que regista a ordem dada por Macedo a Palos, conjugada com os
documentos, bastou para que o MP concluísse que o ministro terá dado início a
um procedimento administrativo, “mediante uma ordem oral dada a um director de
serviço sob a sua tutela, conformando a decisão acerca da sua necessidade e
oportunidade, nomeadamente temporal, à satisfação de interesses de natureza
privada lucrativa de um grupo específico de indivíduos das suas relações
pessoais e, indiciariamente, empresariais”.
Ainda assim, Macedo não terá sido ainda constituído arguido no processo nem chamado a prestar declarações. Juízes da Relação focam que está vinculado à imunidade parlamentar desde que passou a ser deputado.
Os
indícios Mas este não é o único indício que liga o actual deputado do PSD ao
processo dos Vistos Gold.
Nas
vésperas do Natal de 2013, Zhu Xaiaodong (um dos cidadãos chineses constituídos
arguidos no processo) não se terá esquecido de agraciar Jaime Gomes, Miguel
Macedo e até o seu motorista, com prendas de Natal. O motorista terá recebido
um envelope vermelho, Macedo três volumes de tabaco e duas garrafas de vinho. O
então ministro não terá deixado de retribuir. Uns meses depois, em Maio, e por
intermédio de Jaime Gomes, ofereceu a Zhu dois bilhetes para a final da Liga dos
Campeões, que conseguira angariar junto do presidente da Federação Portuguesa
de Futebol.
A
6 de Janeiro, numa conversa telefónica entre Jaime Gomes e Figueiredo, estes
discutem em que circunstâncias irão apresentar Xia – um cidadão chinês sócio de
Zhu, ambos arguidos no processo – ao ministro. Por volta do meio-dia,
Figueiredo conta a Jaime que “o nosso amigo” deu instruções para se nomear
alguém do SEF para a China porque não tendo lá ninguém isso fazia “com que os
vistos” se atrasassem “pa caralho lá na China”. O então director do IRN
reforçou que se pudessem arranjar “um bocadinho com o Dr. Miguel” naquela
semana para lhe apresentarem o Xia e jantarem “era porreiro”. Jaime responde
que isso só aconteceria se o cidadão chinês trouxesse algum investimento. “Se o
gajo trouxer algum negócio a gente leva. Se não trouxer que se foda... Não
andamos a encher pneus.” De seguida, Jaime conta que terá tido esta conversa
com Macedo e que o então governante lhe terá dito: “Então espera aí que vou
ligar ao Palos... são gajos cinco estrelas, eu adoro os gajos, estarei com
eles. Agora não vamos andar a encher pneus, porra.” Jaime acabará por encerrar
assim a conversa: “Você é que manda. Se quiser que eu convide o Dr. Miguel, eu
convido.”
Noutra
conversa, entre Zhu e António Figueiredo, o então director do IRN gaba-se de em
Portugal abrir “as portas todas”. “Empresas privadas, administração pública,
tudo.” “Eu depois também quero apresentar-lhe o dr. Miguel Macedo para ele
ficar a conhecer também. Pronto, que é para ele ver que nós temos aqui um grupo
de pessoas...”
A 9 de Janeiro, Figueiredo almoça com Palos para lhe “dar um cheirinho” das pretensões da nomeação que teria sido “combinada entre Miguel Macedo, Jaime Gomes e António Figueiredo”. À noite, Jaime liga a Figueiredo para saber se Palos confirmara “aquilo que lhe tinha dito”. Figueiredo responde que sim e que a proposta seguiria segunda ou terça para o ministro.
No
dia 4 de Fevereiro, à hora do jantar, é Miguel Macedo quem liga a António
Figueiredo a combinar encontrar-se pessoalmente para falarem “em termos do
desenvolvimento lá da outra coisa”. Figueiredo responde: “Precisamos mesmos de
falar.” A proposta de nomeação de um oficial em Pequim deu entrada no MAI a 17
de Março.
Mas antes disso, no dia 5, uma nova chamada fez acender os alarmes na Polícia Judiciária. Figueiredo liga a Jaime Gomes e conta que Xia deverá vir nessa semana. O director do IRN acrescenta que aquele cidadão chinês já tinha autorização de residência e que não deveria sair do país sem fechar alguns negócios. “A ver se estamos com ele, enfim, arranjamos o nosso jantarinho, até com o nosso amigo.” O MP suspeita que o “nosso amigo” era uma referência a Miguel Macedo.
A 5 de Maio, terá ocorrido uma reunião entre Zhu, António Figueiredo, Jaime Gomes e Miguel Macedo, “no seio da qual acordaram os termos e propósitos da criação de uma sociedade na China com vista à expansão do negócio”.
Macedo
volta também a ser visado no processo de concessão de vistos a cidadãos líbios
que pretendiam efectuar tratamentos médicos em unidades hospitalares privadas em Portugal. Este
processo teria ficado bloqueado após o encerramento da Embaixada Portuguesa na
Líbia, depois da guerra, porque a embaixada portuguesa na Tunísia oferecia
resistências. Mais uma vez, o então ministro da Administração Interna terá sido
chamado a intervir. Jaime Gomes, “com o apoio do ministro”, terá pedido a
Manuel Palos que resolvesse a questão e ter-se-á desdobrado “em contactos com
Miguel Macedo (incluindo jantares)” para desbloquear os entraves diplomáticos.
O MP suspeita que Jaime Gomes actuava em prol de interesses económicos
privados.
Numa
conversa telefónica, depois de ter jantado com Macedo a 18 e 20 de Agosto,
Jaime Gomes refere que no dia anterior teria ido jantar com o “Cavalo Branco”
para tratar dos vistos. O MP entende que aquele era o cognome atribuído a
Macedo.
“Das
intercepções telefónicas – e das declarações prestadas nos autos pelos arguidos
Jaime e Manuel Palos – resulta indiciado que com a intervenção do arguido e ora
recorrente – facilitada pelo ministro Miguel Macedo – logrou-se contornar tais
obstáculos – através da concessão de um tratamento de excepção aos interesses
empresariais de Jaime Gomes” – tendo o SEF – “após intervenção de Miguel Macedo
– emitido parecer sobre os pedidos de vistos num momento anterior à entrada de
expediente relativo aos pedidos de visto na embaixada, com alteração do normal
procedimento em matéria de emissão de vistos sem que, indiciariamente, qualquer
razão de interesse público o justificasse”, diz o acórdão, que acrescenta que o
ministro “terá igualmente favorecido” aquele “negócio privado numa matéria
relativa a IVA”.
Em
Abril de 2014, surge um dos últimos registos relativos a Macedo: terá ido
passar um fim-de-semana com Figueiredo e Jaime Gomes a Islantilla, Espanha.
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