terça-feira, 5 de maio de 2015

CABO VERDE: UM ESTADO MAIS ENDIVIDADO HOJE DO QUE ONTEM



Paulo Monteiro jr* - Expresso das Ilhas (cv), opinião

Quando se percorre o país real e se contacta com os actores da sociedade civil, nos meios rurais e urbanos, para além do manifesto estado de desencanto com o Governo incumbente, há uma grande questão sempre colocada e em relação à qual não é fácil responder: se o país tem a capacidade de pagar a sua enorme dívida externa (pública e privada)?

Um dos três problemas mais sérios da economia cabo-verdiana é a continuação do forte endividamento externo público, para o qual o governo não foi capaz de definir uma estratégia de contenção para valores considerados sustentáveis. Assim, neste começo do século XXI, o nível dadívida pública externa em relação à riqueza nacional produzida cada ano aumentou de forma significativa: de 56.7 por cento em 2000, ela situa-se hoje em 85.0 por cento do produto interno bruto (PIB), o que representa um significativo agravamento da posição devedora da economia cabo-verdiana face ao resto do mundo. Destaca-se o facto de, em 2013, pela primeira vez, a parte dostock de dívida pública externa bilateralultrapassar a da dívida multilateral, algo inédito na economia cabo-verdiana nestas quase quatro décadas da existência da República. Sublinhe-se que o essencial da dívida externa bilateral do país (pública e privada) é para com Portugal.

O crescimento galopante da dívida pública externa entre 2009 e 2014, o rácio da dívida pública externa quase duplica, passando de 43.0 por cento para 85.0 por cento do PIB - só parcialmente decorre da recente crise económica e financeira europeia e mundial. A evolução da posição devedora da economia cabo-verdiana deve-se essencialmente a uma abordagem dirigista profundamente errada por parte do governo assente no aumento da dívida pública face ao exterior para o financiamento de investimento na construção e obras públicas (estradas asfaltadas, barragens, casas para todos) e demais sectores não transaccionáveis. Como os factos indicam os efeitos têm sido reduzidos no crescimento do PIB.

Mas esta iniciativa desenfreada de endividamento público para o financiamento de investimento na construção e obras públicas tem sobretudo um triplo efeito arrasador: (i) aumenta as necessidades de financiamento externo da economia (ii) limita os recursos de crédito às pequenas e médias empresas – menos crédito e caro -, asfixiando a iniciativa privada (iii) aumenta o risco – país e a deterioração dorating da República, adiando o nosso acesso aos mercados financeiros internacionais.

Numa visão prospectiva intertemporal, este endividamento externo do perímetro das administrações públicas equivale essencialmente a impostos futuros. Não é mais do que tributação diferida que se traduz numa transferência muito onerosa para as gerações futuras cabo-verdianas. Por um lado, no caso do endividamento externo, o fardo para as gerações futuras é brutal porque nenhum agente económico cabo-verdiano residente (famílias ou empresas) recebe como herança títulos desse endividamento. De um ponto de vista estritamente financeiro, ao nível global, a transferência líquida de uma geração a uma outra futura é positiva e corresponde à totalidade da dívida externa. Por outro lado, a contrapartida real da dívida pública externa em termos do valor do património - das construções e obras públicas - é nitidamente inferior ao valor actual de impostos futuros.

É importante discutir como esses sacrifícios, resultantes das más decisões de hoje, devem ser repartidos entre todos os contribuintes, incluindo os mais modestos – através do IVA que pagam desde o primeiro escudo que gastam nas suas compras mais indispensáveis – que sobrevivam a tanto desgoverno. Será inteiramente demagógico pretender que é possível poupar todos aqueles que não deveriam sofrer com eles. Mas a medida desses sacrifícios deveria ser proporcional às posses de cada um. 

Já não é possível fugir à realidade: o governo incumbente asfixia as empresas privadas e está a ensaiar uma tragédia grega com a acumulação excessiva de dívida externa. A questão de não fazer as devoluções do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e do IUR às empresas e o não pagamento aos bancos das bonificações de taxas de juros dos empréstimos para aquisição de habitação e habitação jovem é a opção do governo por um «default» doméstico da sua dívida, como podia ser a opção do não pagamento dos salários ou das pensões aos funcionários públicos. Sendo ambas moralmente repugnantes. 

Neste contexto, ao ter avançado com a obrigação das empresas pagarem os impostos antecipadamente (mesmo antes de efectivarem a venda dos seus produtos ou serviços!), o governo e o partido que o sustenta demonstram uma falta de consciência social (dados os custos sociais significativos desta medida) e uma atitude não amiga das empresas, onde está o grande potencial de dinamismo da economia.

É imperativo para o Governo newcomer promover um conjunto de reformas estruturais, que incluam pôr em ordem as contas públicas de maneira virtuosa, relançar a iniciativa privada e fomentar uma combinação de vantagens específicas na economia para a captação de investimento directo estrangeiro, pilares fundamentais para aumentar o crescimento tendencial da economia cabo-verdiana e o aumento sustentado de emprego qualificado.

*Prof. de Economia do ISCJS

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