terça-feira, 5 de maio de 2015

Obras no aeroporto da Praia: Estado cabo-verdiano lesado em mais de 400 mil contos




Indignação e revolta. Pode-se resumir assim a reacção das empresas que ficaram de fora das obras de remodelação do aeroporto da Praia. Tudo porque as firmas que venceram os concursos internacionais apresentaram orçamentos muito superiores. E mesmo assim ficaram com a adjudicação dos trabalhos. E Cabo Verde vai pagar mais 426.467.536$00.

“Esta obra é vida ou morte de uma empresa”, disse ao Expresso das Ilhas um administrador da empresa cabo-verdiana SGL. A SGL concorreu, em consórcio, com a empresa portuguesa MONTE ADRIANO, para as obras de requalificação do aeroporto internacional Nelson Mandela. Ficou em primeiro lugar no concurso público internacional, mas acabou por perder os trabalhos de renovação do terminal de passageiros para a construtora italiana COSTRUZIONI GIUSEPPE MALTAURO, assim como perdeu as obras de ampliação da placa de estacionamento para o empreiteiro português ARMANDO CUNHA. A justificação do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) para estas exclusões foi: “não conformidade comercial”.

“Não sabemos o que isso significa, não nos deram qualquer justificação”, conta ao Expresso das Ilhas a mesma fonte. Esta eliminação tem, para já, duas consequências: a entrada de uma providência cautelar no Tribunal da Praia e o despedimento, a breve prazo, de trabalhadores por parte da SGL. 

“É um processo que deixa muitas dúvidas”, refere o mesmo administrador da SGL, “o governo, se defendesse verdadeiramente o Estado de Cabo Verde, lançaria um novo concurso e não adjudicaria com um prejuízo de 400 mil contos”.

Em Março de 2014 foi anunciado o concurso internacional para a construção do Projecto de Extensão e Modernização do Aeroporto Internacional da Praia, financiado pelo BAD.

Em Julho do mesmo ano realizou-se o acto público de abertura das propostas, tendo sido admitidos no concurso, por preencherem todos requisitos técnicos, onze concorrentes. O concurso não tinha preferências nacionais nem regionais.

Seis meses depois, as empresas concorrentes foram informadas de que o Lote 1 (terminal de passageiros e área de processamento de cargas) tinha sido adjudicado à empresa COSTRUZIONI GIUSEPPE MALTAURO e o Lote 2 (placa de estacionamento dos aviões) à empresa ARMANDO CUNHA. Esta decisão foi contestada por vários concorrentes, uma vez que estas empresas julgadas agora vencedoras tinham apresentado as propostas financeiras mais elevadas e o critério de adjudicação expressamente consagrado nos termos de referência do concurso era, dizem os empresários, o do preço mais baixo.

A empresa COSTRUZIONI GIUSEPPE MALTAURO, à qual foi adjudicado o Lote 1, ficou em sétimo lugar na classificação das propostas financeiras com um preço muito superior (+354.190.072 CVE) ao do consórcio formado pelas empresas MONTEADRIANO/EDIFER/SGL que apresentou o melhor preço e por conseguinte ficou em primeiro lugar no concurso.

O preço apresentado pela empresa vencedora foi 1. 974. 852. 182,00 CVE, mais 21 por cento do que o apresentado pelo consórcio que avançou o melhor preço e ganhou o concurso, com o valor de 1. 620. 662. 120, 17 CVE. Os outros dois concorrentes que apresentaram propostas na casa do milhão e seiscentos mil contos foram o consórcio luso-cabo-verdiano SOMAGUE/CVC/TECNOVIA (1. 666. 285. 824,41 CVE) e a empresa portuguesa ALEXANDRE BARBOSA BORGES (1. 688. 224. 617,00 CVE). As empresas CONSTRUTORA SAN JOSE, CONDURIL ENGENHARIA e o CONSÓRCIO ACCIONA INFRASTRUCTURAS/ARMANDO CUNHA CV também apresentaram propostas mais baixas do que a da MALTAURO.

Por outro lado, o Lote 2 foi adjudicado à empresa ARMANDO CUNHA (190. 500. 000,00 CVE), que ficou em terceiro lugar no concurso referente ao Lote 2, com mais 72.277.464CVE, cerca de mais 60 por cento, do que o concorrente SOMAGUE/CVC/TECNOVIA, que apresentou o melhor preço (118. 864. 771,23 CVE), tendo assim ficado em primeiro lugar no concurso.

Segundo apurou o Expresso das Ilhas, e com excepção da primeira sessão de abertura dos processos, todo o resto do sistema de selecção foi mantido no maior secretismo, não tendo, até à presente data, os concorrentes tido acesso aos fundamentos usados pelo júri do concurso para adjudicar as obras às empresas que apresentaram preços mais elevados.

“Todas as regras nacionais sobre a transparência dos concursos públicos foram omitidas neste concurso, com a agravante da Comissão de Resolução de Conflitos da ARAP, entidade criada precisamente para fiscalizar e garantir o cumprimento das regras constitucionais e legais que devem reger as aquisições públicas, ter rejeitado liminarmente os recursos apresentados pelas empresas concorrentes invocando que as regras do BAD prevalecem sobre a lei e Constituição de Cabo Verde”, explica o administrador da SGL.

Estas obras vão ser financiadas pelo BAD (e não doadas), o que significa que é o Estado de Cabo Verde quem pagará este empréstimo feito ao Banco Africano de Desenvolvimento. “Será pois o dinheiro dos contribuintes cabo-verdianos a pagar estas obras a serem realizadas em Cabo Verde, pelo que não se compreende como possam não estar sujeitas à Constituição e às leis de Cabo Verde. Esta situação representa mais uma mancha grave na gestão dos dinheiros públicos”, sublinha a mesma fonte.

A empresa MALTAURO esteve também envolvida na construção do anel rodoviário do Fogo, obra onde acabou por pedir uma indemnização ao governo cabo-verdiano por causa dos constrangimentos que encontrou e dos trabalhos adicionais que teve de fazer. Na altura, em 2012, fixou o montante desse ressarcimento em 1.668.282.483,59 CVE. Em 2013, no Boletim Oficial de 20 de Março, o Estado aprovou o pagamento de uma compensação no valor de um milhão e dez mil contos.

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