terça-feira, 23 de junho de 2015

Angola. UM “GOLPE DE ESTADO” ATÍPICO




Recentemente, provavelmente a partir dos primeiros dias do mês em curso, o Serviço de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE) deu a conhecer à Casa de Segurança do Presidente da República que estariam em curso preparativos para um suposto golpe de Estado, em Luanda, visando destituir o Presidente José Eduardo dos Santos das suas funções à frente do Estado angolano.

António Setas

Tal táctica já foi aplicada várias vezes pela Inteligência angolana, nomeadamente por ocasião da destituição de Fernando Miala, chefe da Secreta exterior de Angola, em 2006, e numa operação visando Isaías Samakuva, presidente da UNITA, maior partido da oposição angolana. Neste caso, a démarche visava solicitar uma “autorização superior” (ao presidente da República) a fim de realizar uma operação partilhada com o Serviço de Investigação Criminal (SIC), antiga DNIC.

Foi o que aconteceu a partir da sexta-feira (19) e neste fim de semana ((20 e 21 de Junho), em que várias operações conjuntas foram levadas a cabo em todo o país e delas resultou a detenção de cerca de um vintena de cidadãos que estariam comprometidos com o suposto “golpe de Estado”.

Os detidos são jovens activistas notabilizados por realizarem protestos e manifestações públicas contra abusos de direitos humanos, em Luanda. Entre eles destacam-se o cantor rapper, Luaty Beirão, o ex-preso político de menoridade Manuel Nito Alves, os dois irmãos Nelson Dibango, Mbanza Hanza, Nicolas de Carvalho, Albano Bingo, que foram detidos nas suas residências e viram os seus computadores serem confiscados.

O arresto de Luaty Beirão é um caso à parte, melhor conhecido dada a sua notoriedade. O músico e activista, quando falava na rua com amigos, sexta-feira (19) por volta das 17 horas, foi detido e levado já algemado a sua casa em Luanda por três agentes do SINSE e 8 agentes da Policia de Investigação, que se fizeram transportar numa carrinha land-cruiser sem matricula.

Os agentes confiscaram o seu computador e telefone, mais a máquina fotográfica e outros engenhos electrónicos no valor total de mais de 20 mil dólares. O pedido da família do activista a solicitar a presença de um advogado foi ignorado pelos agentes armados que se encontravam no local.

O SINSE apresentou como prova dos preparativos do suposto “golpe de Estado”, material de uma palestra que os jovens tinham intenção de realizar neste sábado (20) no bairro Nelito Soares da periferia de Luanda, subordinada ao tema “filosofia ideológica da revolução pacifica versus como derrubar um ditador”. Essa palestra não é a primeira do género, pois antes dela houve outras, tendo como orador o filósofo e jornalista Domingos da Cruz.

Este último, tendo visto as coisas mal paradas, largou de Luanda, mas foi igualmente preso domingo (21) no interior do país. Sedrick de Carvalho, um jornalista do Folha 8, que devia fazer cobertura da palestra, acabou também por ser detido pela polícia de investigação.

Tal como refere o Rede Angola, “no total, foram presos dois grupos: um, que se preparava para assistir à palestra e outro integrado, entre outros, por Luaty Beirão, o ex-prisioneiro político de menoridade, Manuel Nito Alves e Nelson dos Santos, que foram detidos na rua ou nas suas residências sem que estivessem envolvidos com a realização da palestra, a qual, na versão do aparelho da Segurança transmitida à Presidência da República constitui uma das ferramentas dos preparativos para o “Golpe de Estado.”

Logo a seguir às detenções, o director do Serviço de Investigação Criminal (SIC), Eugénio Pedro Alexandre, foi instruído a emitir um comunicado de imprensa justificando que os referidos cidadãos foram presos porque “se preparavam para realizar actos tendentes a alterar a ordem e a segurança pública do país”. Esse comunicado da SIC alega que “durante a operação foram apreendidas uma série de provas”.

Note-se, neste ponto, que o SIC, mais sensato do que o SINSE, refere-se a “actos tendentes a alterar a ordem e a segurança pública do país” e não a um "Golpe de Estado”.

Por seu lado, o site do Facebook do Club-k refere que as autoridades policiais iriam apresentar nos próximos dias os fascículos e livros (sobre derrube de ditadores) que deviam servir de material de apoio da palestra como prova dos preparativos do suposto “Golpe de Estado”. Ao mesmo tempo ocorrerão mais detenções de activistas em Luanda, remata o referido site.

Enfim, a denunciar as recorrentes “subtracções ao erário público” por via de falsas alertas à segurança do Estado, as detenções ocorridas em Luanda e a tese do suposto “golpe de Estado” estão a ser acompanhadas por “antipatias por parte de uma corrente interna do SINSE” refractária quanto à postura de alguns dos seus superiores hierárquicos, suspeitados de estar a recorrer a tais pretextos para obtenção de dividendos económicos pessoais, uma vez que sabem muito bem que o Presidente José Eduardo dos Santos é bastante sensível ao tema de “golpe de Estado” e pensam que esta encenação é pouco mais que um mau plágio do que aconteceu nos casos Miala e UNITA/Samakuva supra citados.

Folha 8 (ao) - Foto de arquivo

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