quinta-feira, 25 de junho de 2015

EUA: PRECISAMOS FALAR DE TERRORISMO CONTRA OS NEGROS


Marina Terra, São Paulo – Opera Mundi

Ataque a igreja de Charleston na última semana é uma conduta estudada e praticada de terrorismo e perseguição aos negros desde o século XIX no país

Dylann Roof é um terrorista. E ele cometeu um dos maiores atentados contra os negros da história dos Estados Unidos, tornando-se a mais recente expressão de uma sistemática e antiga estratégia de terror e aniquilação da população negra norte-americana.

A importância de se analisar o fato como ele aconteceu, e o que o rodeia e provoca, se faz urgente conforme a narrativa branca e falsamente conciliadora começa a emergir no país. Mais do que debatermos a regularização das armas nos EUA e compararmos o abissalmente desigual tratamento dado na abordagem de negros e brancos por policiais, é preciso firmar o DNA desse ataque, chamá-lo pelo o que ele realmente é: terror. Uma conduta estudada e praticada de terrorismo e de perseguição aos negros desde o século XIX.

Dylann escreveu um manifesto eugenista, abriu um site onde colocou além do texto, fotos nas quais aparecia com a bandeira dos Estados Confederados da América -- símbolo do racismo no sul dos EUA -- e armas de alto calibre, planejou com frieza seu ataque e se dirigiu à igreja de Emanuel, em Charleston, Carolina do Sul, com uma só missão: matar negros. Chegando lá, tirou a vida de 9 pessoas. Segundo a investigação, Dylann quase não conseguiu cometer o atentado porque as pessoas foram “legais demais com ele”.

O que demonstra outro agravante. Dylann não escolheu por acaso essa igreja. Ele poderia ter ido a um bairro de maioria negra, os “guetos”, como são denominados nos EUA as diversas concentrações economicamente forçadas de população de raça negra por obra e responsabilidade do Estado. Porém, ele sabia que, na igreja, encontraria pessoas doces e indefesas, desarmadas, e que teria mais chances de sair vivo e escapar.

Um terrorista covarde, que está sendo retratado pelos meios de comunicação de massa como um “maluco” que infelizmente fugiu da jaula. Mas a leniência com a qual polícia, Justiça e meios tratam Dylann, que não é aplicada a outros criminosos, muito menos negros, e a rápida conclamação à “calma” e à “irmandade” entre os cidadãos do país, expõem uma problemática muito mais perturbadora do que a do assassinato dos 9 fiéis.

Para esses atores de poder, é preciso manter um “equilíbrio”, no qual o genocídio da população negra não pode sair à luz, ficar evidente demais, pois sabem que a explosão de uma revolta poderia ser incontrolável, conforme avisaram Ferguson e Baltimore. É preciso dominar o discurso, fazer parecer que mais uma vez um “lobo solitário” com problemas mentais decidiu descarregar em civis inocentes suas frustrações juvenis e horas de videogame violento. Além disso, “coitado”, ele cresceu cercado de lunáticos da Ku Klux Klan! A declaração do FBI (Agência Federal de Investigação) poucos dias após o ataque dizendo que não se tratava de terrorismo deixam clara a narrativa de mentira institucional escolhida.

A invisibilização do racismo e da revolta, o sequestro da dor e do ódio, nada mais tem como propósito a contenção sistemática de um medo latente na sociedade norte-americana: o da eclosão de uma rebelião negra. Conforme explica este artigo da revista Jacobin, dos EUA, desde que os negros foram libertados, os brancos desenvolveram leis e artifícios para não compartilhar a sociedade de forma igualitária. A partir do momento em que, não só essa conduta se tornou insustentável, mas também agrupações de cidadãos negros exigindo os mesmos direitos começaram a ser criadas, cresceu o “temor” entre os brancos de dividir seus espaços e decisões. A solução? Terror.

São inúmeros os atentados cometidos contra negros nos EUA, com destaque ao assassinato deMartin Luther King e Malcolm X, passando pelas centenas de enforcamentos em árvores, queima de igrejas e escolas, culminando no terror na perseguição aos Panteras Negras — com a prisão de diversos membros do grupo de resistência sob alegações de...terrorismo — e  o encarceramento em massa, em prisões que são máquinas de medo e também de lucro, como mostrou esta reportagem de Opera Mundi. O que seria terror, então?

Para entender a importância de se dar nome aos bois, basta refletir que, desde 2001, não há registros de campanhas para que se perdoem os terroristas da Al-Qaeda, ou, mais recentemente, do Estado Islâmico. Muito pelo contrário. O que se viu foi um aumento brutal da xenofobia contra árabes e muçulmanos nos EUA, na grande maioria das vezes acelerado pela atuação de meios de comunicação como a Fox News, que não fizeram qualquer esforço para separar o que é o islã dos autores de atentados. Por que com Dylann é diferente? A resposta é óbvia demais pra ser escrita.

Leia mais em Opera Mundi 

Sem comentários:

Mais lidas da semana