Martinho Júnior, Luanda
1
– Os persistentes indicadores que nos chegam do leste da União Europeia desde
meados de 2014, fazem-nos prever um “verão quente” para 2015 e para
os próximos anos, não tanto por causa das alterações climáticas em curso, mas
por causa do crescendo de tensões e conflitos que se estão a esboçar, algo
compreensível se atendermos à “folha diária” dos acontecimentos.
Quer
no Báltico, quer no Mar Negro sinais de desdobramentos de tropas e de
exercícios de todo o tipo por parte da NATO e da Rússia, têm vindo a ocorrer,
ao mesmo tempo que em relação à Ucrânia, a meia distância entre os dois mares
interiores, o precário Acordo de Minsk está em risco de colapso.
Sintomaticamente,
há também indicadores dum relativo aumento de tensões nos Balcãs e na Moldávia.
2
– No Báltico, a NATO leva em especial atenção a posição físico-geográfica do
enclave russo de Kaliningrado pelo que aumentou o desdobramento de tropas e a
quantidade de exercícios nos países Bálticos e na Polónia, ao redor do enclave.
Ao
mesmo tempo, aumentaram as manobras navais da NATO, integrando os papéis da
Suécia, Dinamarca, Finlândia, Polónia, Estónia, Letónia e Lituânia.
No
Báltico as tensões preenchem o espaço a norte da Ucrânia.
3
– Na Ucrânia o conflito pode-se agora reacender, pondo fim ao Acordo de Minsk.
Nos
últimos dias tem-se assistido a movimentos de tropas, de ambos os lados, duelos
de artilharia e acções tácticas de infantaria, com um aumento do número de
mortos, feridos e deslocados em ambos os lados do “front”.
Se
não houver uma acção concertada para se pôr fim à tendência de incremento de
combates, toda a região do Donbass pode ser afectada, assim como os territórios
a oeste, tendo em conta que as forças armadas da Ucrânia já antes de Minsk
haviam sido derrotadas pela coligação Donetsk / Lugansk.
A
situação da economia e das finanças da Ucrânia não pode deixar de ser levada em
conta: enquanto o enfeudamento ao “ocidente” está a conduzir o país para uma
situação socialmente explosiva, a leste a Rússia procura influir em sentido
contrário, tirando partido de razões sócio-culturais e hostóricas.
Tornar
possível a restauração histórica da Novo Rússia, com base nos séculos XVIII e
XIX, é uma tentação que pela contradição se opõe à Euro-Maidan, ao golpe
da “Revolução Laranja” que está a levar o nacionalismo ao extremo
propício à formatação neo nazi, algo também afim à NATO e às suas “redes
stay behind”.
A
presença naval da NATO no Mar Negro, em estreita conexão com a Bulgária, a Roménia
e a Ucrânia, são um prolongamento do aumento das tensões no continente e um dos
fulcros a levar em conta é ainda a questão da Crimeia.
Os
condimentos para uma escalada de acções militares estão instalados e o facto
de Mikheil Saakashvili ter
sido nomeado por Kiev, governador de Odessa, é um indicativo evidente de
hostilidade, tendo em conta o histórico dos conflitos na Geórgia, onde ele foi
Comandante-em-Chefe das forças militares da Geórgia, derrotadas pelos russos,
apesar do deliberado apoio da NATO.
Ao
plasmar as alianças das sucessivas “revoluções
laranja” e “revolução rosa” no sul da Ucrânia,
o“ocidente” subiu a parada em relação à Rússia precisamente na região onde
os conflitos em cadeia podem expandir-se.
4
– Essa expansão pode abarcar a Moldávia, ela própria a braços com a crise da
Transnítria, envolvendo o alinhamento da Roménia e da Bulgária, já membros da
NATO.
Na
Moldávia as questões étnicas agudizaram-se após a implosão da URSS e com a
frágil independênia, pelo que a instabilidade é aproveitada
pelos “ocidentais” e os russos, (que tal como na Ucrânia têm uma
presença importante no país).
Em
Maio na Moldávia, o “ocidente” assistiu ao colapso duma tentativa
de “revolução colorida”, que marca a instabilidade interior do país mais
pobre da Europa.
A
Moldávia tem sido, em termos de evolução de sua situação interna e numa escala
menor, uma réplica quase fiel da Ucrânia!
O
facto das frotas tradicionais da NATO, com os Estados Unidos à cabeça, estarem
a realizar sucessivos exercícios navais no Mar Negro envolvendo as armadas da
Roménia e da Bulgária, (tal como havia acontecido com a Geórgia, antes da sua
derrota face à Rússia em Agosto de 2008), amplia os factores de tensão também
dentro da Moldávia.
A
situação pode querer significar o reacender do conflito Rússia-Geórgia, agora
num muito mais vasto campo de batalha que se estende do Báltico ao Mar Negro…
as características dos conflitos em cadeia que se desenham a leste da União
Europeia, são sensivelmente os mesmos.
Tudo
isso, por seu turno, é em parte uma reedição dos conflitos nos Balcãs que
levaram à dissolução da Jugoslávia e à derrota da Sérvia, procurando a NATO
obrigar a Rússia a colocar-se numa posição similar já antes experimentada pela
Sérvia, o que beneficia a sua propaganda!
As “experiências” da
implosão da URSS e da ofensiva da NATO nos Balcãs, servem de antecâmara a tudo
o mais no leste da União Europeia!
5
– Os Estados Unidos, recorrendo ao seu papel preponderante na hegemonia
unipolar, utilizam como “arma ofensiva” contra a Federação Russa um
poderoso “cocktail” que envolve componentes sócio-culturais, étnicas,
religiosas e sócio-políticas, com o objectivo de implodir, ou fragmentar o
maior estado territorial do globo e o único que se estende em dois continentes.
É
evidente que a manobra de inteligência, a manobra militar e os jogos relativos
às disputas energéticas, são mais visíveis, tendo em conta a leitura quotidiana
dos acontecimentos, no entanto a hegemonia sabe que a implosão da Rússia, da
China e eventualmente de outros emergentes, é sempre um recurso que serve aos
interesses de domínio unipolar e isso só poderá ser conseguido pelas vias
humanas, por vias sócio-culturais, sócio-políticas, étnicas e religiosas!
O
retorno a premissas feudais nos relacionamentos internacionais, inauguradas com
a “era Bush”por parte das condutas da hegemonia unipolar, implicam a
ofensiva contra a Rússia, como contra a China, ou de forma latente contra a
União Indiana...
A
Rússia, ao ser obrigada a aceitar esse tipo de critérios, assume o risco de sua
própria implosão, ou na fragmentação da Federação!
A
fragmentação da Federação Russa, resolveria duma vez por todas a questão do
domínio unipolar sobre os imensos recursos naturais do globo.
6
– O “efeito dominó” do “cocktail ofensivo” dos Estados
Unidos sobre a Federação Russa, forja-se no carácter dos vizinhos que foram
disseminados após o fim do Pacto de Varsóvia e a implosão da URSS, algo que tem
que ver com o exacerbamento de nacionalismos que na Ucrânia assumem o extreme
neo nazi!
Tudo
isso foi sendo permitido “em democracia”!
Os
Estados Unidos demonstram estar de tal forma determinados nos seus objectivos
que permitem que a própria União Europeia, em resultado do carácter
do “cocktail ofensivo” contra a Federação Russa, possa
sofrer “efeitos colaterais”, tal a margem de manipulação e ingerência que
dispõem!
É
notório em toda a sua extensão, o exercício conservador e ultra conservador da
deriva do poder na União Europeia!
Esse
plano socorre-se da vitória alcançada sobre a URSS, explora êxitos do fim da
Guerra Fria (o fim do Pacto de Varsóvia e o alinhamento na NATO quer de países
que o compunham, quer de alguns estados europeus que faziam parte da URSS),
lança na acção as “redes stay behind” geradas desde o fim da IIª
Guerra Mundial na Europa e tira partido de “pequenos ensaios” como
foram as guerras nos Balcãs e no Cáucaso.
Um
dos próximos passos que a hegemonia pode dar, é a introdução no teatro do leste
da União Europeia, de componentes do fundamentalismo religioso que com tanto
êxito têm sido explorados pela hegemonia unipolar no caos que foi incrementado
nos Balcãs, no Médio Oriente e em África…
O
facto da Federação Russa recorrer à memória histórica e épica da URSS na IIª
Guerra Mundial, tem muito mais a ver com a mobilização para a resistência hoje,
de forma a garantir a inviobilidade da Federação Russa, do que com qualquer
nostalgia dessa época, ou uma referência consistente ao socialismo de então!
O
governo do tandem Putin-Medvedev é obrigado a enveredar por uma doutrina
nacionalista com recurso a essa memória histórica, capaz de garantir o máximo
de homogeneidade no imenso espaço euro-asiático da Federação Russa e os
desfiles comemorativos do 70º aniversário da vitória sobre a Alemanha Nazi, são
disso testemunho.
Quer
a Federação Russa, quer a União Europeia podem não resistir ao que está a ser
imposto pela hegemonia unipolar e o afastamento da Grã Bretanha de Bruxelas é
um sinal dos horizontes de chumbo que podem despontar por aí.
Cada
verão que ocorra nos tempos mais próximos no leste da União Europeia, pode
tornar-se cada vez mais quente, mesmo que a ameaça dum definitivo inverno
nuclear possa ser a estação final… de não retorno!
Mapa:
“Experiências da NATO” no leste da União Europeia em 2014,
um “arranque” nas disputas contemporâneas entre o Báltico e o Mar
Negro.
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