Martinho Júnior, Luanda
1
– Entre 1 de Junho e 12 de Julho de 2006, há precisamente 9 anos, quando a NATO
realizou o exercício “Steadfast Jaguar” em Cabo Verde , referi-me a
ele de forma acutilante no título “As sucessivas mortes de Amílcar Cabral”,
desde logo pelo simples facto daquele país-arquipélago africano, ter albergado
pela primeira vez fora da Europa, a “NATO Response Force”.
Desde
logo, para mim não fazia sentido que, antigos combatentes do Movimento de
Libertação em África, que nos tempos de luta experimentaram contra si a acção
do armamento da NATO ao serviço do colonialismo, enveredassem por uma
aproximação com essa organização o que, apesar das variantes de época,
evidenciava algo de “contra-natura”.
Uma
das conclusões que então apontei e se veio verificar, foi a
seguinte:
“A
NATO veio provar em Cabo
Verde a sua vontade em atingir outras paragens, alargar a sua
influência e servir os interesses que tutelam o modelo de globalização que as
elites financeiras do grande capital pretendem, em função da sobrevivência dos
seus lobbies e interesses.”
2
– Cinco anos depois desse exercício, em 2011, referi-me ao Presidente Pedro
Pires, de Cabo Verde, de forma cáustica (“Nada aprendeu”), tendo então como
pano de fundo, já não só o“Steadfast Jaguar 2006”, como também uma das suas “resultantes
práticas”, a intervenção da“parelha” AFRICOM e NATO na Líbia em 2011, o
que motivou a elaboração no Página Global de muitas outras intervenções minhas
que os acontecimentos então suscitavam em África, entre elas um curto artigo
sobre a Líbia, sob o título de “Inevitabilidades”, que concluía assim:
“A
queda de Kadafi, de enfraquecimento em enfraquecimento, surge cada vez mais
como inevitável e o que se lhe seguirá confirmará a rapina de África, por muito
coloridas que sejam as fórmulas empregues para a edificação do estado líbio de
feição e conveniência do império.”
De
facto era previsível a instalação do caos:
“Na
amálgama inevitável das entidades e organizações rebeldes em oposição ao regime
de Kadafi, destaco o Libya Islamic Fighting Group (Al-Jama’a al-Islamiyyah
al-Muqatilah bi-Libya), que segundo Michel Chossudovski (bastante documentado)
é reconhecido aliado do Al-Qaeda desde que foi formado no Afeganistão para
integrar a oposição à presença soviética naquele país, quer dizer: agora temos
a OTAN, sob orientação da CIA e do MI5, a mover-se e envolver-se em teatros
operacionais integrando e instrumentalizando organizações terroristas!..”
3
– No corrente ano a NATO, que enveredou por um crescimento de tensões
explorando os “êxitos acumulados” que redundaram entre outras coisas
na expansão do terrorismo fundamentalista islâmico sunita em África, está a
aprontar algo de envergadura maior do que aprontou com o“Steadfast Jaguar 2006”!...
Trata-se do “Trident Juncture 2015”, o maior exercício da NATO desde os
tempos da chamada “Guerra Fria”, a realizar no Mediterrâneo tendo como
pontos de apoio a Itália, a Espanha e Portugal!
É
evidente que não é por acaso que está mais um lusófono envolvido, neste caso a “chave” lusófona
ao serviço da NATO: Portugal!...
Quer
dizer: ampliando os esforços, fazendo crescer exponencialmente a “NATO
Response Force”, realizando um exercício com essa envergadura, a aristocracia
financeira mundial vai ampliar as tensões na frente ocidental e do sudoeste da
Rússia e em África, pois é para isso que serve a amálgama dos serviços de
inteligência, interconectados ao músculo militar!
Os
Estados Unidos procuram diminuir a tensão no Médio Oriente, podendo-se chegar
ao ponto de ver nascer dois estados: um curdo, o outro o Emirato Islâmico, à
custa sobretudo da Turquia, da Síria e do Iraque.
Haverão
outras transformações que poderão eclodir e o tão enunciado redesenhar do mapa
da região vai finalmente ocorrer, contribuindo mesmo assim para o baixar das
tensões naquela região, quando as linhas entre uns e outros ficarem melhor
definidas.
Ao
mesmo tempo está a ocorrer a aliança entre a Arábia Saudita com Israel que é
uma resposta ao Irão e suas alianças, que ficarão mais confinadas e a coberto
do acordo com os Estados Unidos.
Uma
das consequências será o aumento dos esforços militares da NATO frente à
Rússia, entre o Báltico e o Mar Negro, assim como a possibilidade de alianças
da NATO, ou de alguns dos seus membros, com a Arábia Saudita e Israel, na
profundidade do continente africano, na direcção sul e para lá do Sahel, o que
não será estranho também ao AFRICOM.
Os
Estados Unidos estão interessados na polarização da frente com a Rússia na
Europa, uma vez que irão concentrar o grosso de sua capacidade militar e de
inteligência no outro extremo do continente euro-asiático, para fazer frente à
China.
Enquanto
o potencial militar e de inteligência da Rússia se vira para a Europa, eles se
encarregarão da China!
Estão
também interessados na possibilidade de redesenhar o mapa de África no
seguimento do que está a ocorrer no Médio Oriente; das tentativas já levadas a
cabo, há o nascimento do Sudão do Sul, agora envolvido numa sangrenta guerra
interna de natureza tribal.
A
emergência de conflitos étnicos e religiosos poderá estar na ordem do dia em
África e, com isso, a Região dos Grandes Lagos poderá de novo vir a ser uma
região crítica, pois é a partir dela que mais facilmente se poderá estender o
arco de crise (não é por acaso que Angola foi integrada no mapa da África
Central do AFRICOM).
Israel
tem presença em várias afectações, desde o Sudão ao Ruanda, pelo que, com a
aliança com a Arábia Saudita, poderá ser levado a combinar opções, a que não
serão também estranhos os interesses via NATO e AFRICOM.
A
presença de Portugal como hóspede do exercício “Trident Junsture 2015”,
tem muito mais a ver com a saída do Mediterrâneo no Atlântico e com África do
que com a Rússia, uma vez que a NATO procurará além do mais, aumentar a sua
presença no Golfo da Guiné, onde a França possui bases que constituem “per
si”, autênticas “testas-de-ponte” prontas a serem melhor exploradas
pelos interesses “ocidentais”.
Os
dispositivos em África procurarão inibir os relacionamentos da China no
continente, desde quando os Estados Unidos se instalarem em peso no extremo
oriente do continente euro-asiático, fazendo uso do Japão de Taipé e das
Filipinas, sobretudo.
Para
África, mais uma tempestade se desenha no horizonte.
Luanda,
30 de Junho de 2015. Em nota PG informamos que o atraso na publicação deste artigo do nosso companheiro do coletivo PG, Martinho Júnior, só hoje é publicado devido a avaria informática e outras condicionantes. Pelo facto apresentamos as nossas desculpas.
Figura:
Símbolo do “Trident Juncture 2015”
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