segunda-feira, 17 de agosto de 2015

ANGOLANOS USADOS COMO “MULAS”



André da Costa - Jornal de Angola, entrevista

Angola é ponto de passagem do tráfico de droga, dominado por estrangeiros, e os cidadãos nacionais são utilizados, sobretudo, como “mulas”, disse ao Jornal de Angola o chefe do Gabinete Nacional da Representação da Interpol, superintendente Destino Pedro. O oficial falou das vantagens que o país tem em pertencer, há 33 anos, a esta organização internacional, que junta 194 Estados.

Jornal de Angola –Há quanto tempo existe o Gabinete da Interpol em Angola?

Destino Pedro -A Interpol é a Organização Internacional de Polícia Criminal. É o fórum onde todas as polícias concertam, partilham e trocam informações inerentes à actividade policial, visando manter a ordem pública. O Gabinete desta organização em Angola existe há mais de 33 anos. A Interpol foi das primeiras organizações internacionais a que Angola aderiu depois da Independência Nacional. Os padrões de funcionamento são os mesmos dos demais países. Rege-se pelas orientações da Polícia Nacional, Investigação Criminal e Ministério do Interior e por normas próprias da Interpol.

Jornal de Angola - Que vantagens tem Angola em ser membro da Interpol?

Destino Pedro -A principal vantagem é estar inserida no seio das organizações policiais. Nenhuma Polícia no mundo pode sozinha combater o crime transnacional. Por isso, as polícias devem estar interligadas e a Interpol faz esse papel. Ganhamos muito com a troca de informação, com a realização de acções conjuntas promovidas pela Interpol, a partilha permanente de informação e estar inserido no mundo policial.

Jornal de Angola-O Gabinete da Interpol serve de elo com outras polícias? 

Destino Pedro - O Gabinete Nacional da Interpol serve como  meio de comunicação com os 194 Estados-membros. Os funcionários do gabinete são membros do Serviço de Investigação Criminal e da Polícia Nacional. A Interpol só realiza actividades com a participação dos agentes da Polícia Nacional.

Jornal de Angola - Qual é a língua de trabalho da organização?

Destino Pedro - Temos quatro línguas de trabalho, inglês, francês, espanhol e árabe. A Interpol é a terceira maior organização internacional depois das Nações Unidas e da FIFA.

Jornal de Angola - Há visitas entre países no âmbito da inter-ajuda?

Destino Pedro - São feitas visitas constantes entre os países. As formas de funcionamento dos gabinetes nacionais da Interpol no mundo são as mesmas, com padrões iguais, porque são estruturas básicas da organização.

Jornal de Angola - Quais as consequências dos crimes transnacionais para os países?

Destino Pedro - Uma das razões para a criação da Interpol foi facilitar o trabalho das instituições policiais no combate aos crimes transnacionais. Como disse, nenhuma polícia no mundo está preparada para, sozinha, combater o crime transnacional devido aos obstáculos e desafios que este tipo de crimes apresenta. Actualmente, a criminalidade tem dimensão internacional, por isso ocorrem operações internacionais, bilaterais e multilaterais mediante partilha de informações através do Gabinete da Interpol. 

Jornal de Angola - Como se combatem os crimes transnacionais de forma eficiente?  

Destino Pedro - Só se combatem os crimes transnacionais com a cooperação policial e judicial. Quando existe um crime transnacional, concorrem vários Estados e, muitas vezes, com legislação diferente. Aí aparece a Interpol para facilitar as investigações entre as polícias e promover maior cooperação e assistência mútua legal. Hoje, a única forma viável de combater o crime transnacional é fazer recurso à cooperação policial, criminal e judicial e a Interpol facilita esse processo.

Jornal de Angola - Crime organizado e criminalidade transnacional são a mesma coisa?

Destino Pedro - Nem todo o tipo de crime organizado é transnacional. É crime organizado quando uma acção criminal é realizada por um grupo criminoso de duas ou mais pessoas, visando obter um lucro. O crime organizado pode ser transnacional quando a acção transpõe fronteiras, envolvendo Estados.

Jornal de Angola - Qual é a realidade angolana em relação ao crime organizado?

Destino Pedro - Angola faz parte do mundo, sendo atingida pelos efeitos da globalização e a criminalidade transnacional organizada aproveita-se desse fenómeno. Num mundo global, temos de admitir que existe crime organizado em Angola. A recente apreensão de 11 quilos de droga no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro é um exemplo. 

Jornal de Angola - Existem barões da droga em Angola?

Destino Pedro - Digo que não, porque, quando se fala em  barões da droga, falamos de grandes importadores ou grandes traficantes. Grande parte da droga apreendida passa por Angola em trânsito para outros países e nisso estão envolvidos cidadãos estrangeiros com residência temporária em Angola. Não temos barões da droga e a situação do tráfico de droga não é tão preocupante se comparada com a de outros países.

Jornal de Angola - Quais são as nacionalidades dos traficantes de drogas?

Destino Pedro - Nigerianos, senegaleses, malianos. Mas a Polícia já prendeu por tráfico de drogas ­cidadãos guineenses, sul-africanos, moçambicanos e cabo-verdianos. Em relação aos angolanos, são, na maioria, contratados para a actividade de “mula”, ou seja, utilizados para transportar drogas.

Jornal de Angola - Até que ponto a Interpol pode contribuir para  a redução desse tipo de crime?

Destino Pedro - A Interpol tem uma subdirecção de combate à droga onde temos partilhado informações sobre essa realidade. Grande parte das apreensões de droga acontece mediante a troca de informações pelos canais da Interpol. A Interpol é o canal mais seguro de partilha de informações no mundo.

Jornal de Angola - Quais os ­crimes mais frequentes que a Interpol tem ajudado a desmantelar?

Destino Pedro - Tráfico de drogas, lavagem de dinheiro ou o branqueamento de capitais, tráfico de seres humanos, roubo transnacional de viaturas e o terrorismo internacional. Não temos casos de terrorismo registados em Angola. O branqueamento de capitais é a transformação de valores adquiridos de forma ilícita em bens lícitos. Por exemplo, roubar um carro e vender e com o dinheiro dessa venda comprar uma casa. Este tipo de crimes ocorre em todas as sociedades e de várias formas.

Jornal de Angola - Em Angola, há relatos de cidadãos desaparecidos. Até que ponto a Interpol pode contribuir para a localização dessas pessoas?

Destino Pedro - A Interpol tem uma base de dados sobre pessoas desaparecidas. Se um cidadão angolano desaparece e temos a percepção de ter sido raptado e transnacionalmente traficado, colocamos a informação na base de dados e outras Polícias respondem.

Jornal de Angola - Têm tido grandes êxitos em relação a essas pessoas desaparecidas?

Destino Pedro - Temos casos em que recebemos a informação de ­situações que envolvem angolanos. É o caso de crianças angolanas que tinham chegado a Portugal por tráfico de seres humanos. As autoridades tomaram conhecimento através dos canais da Interpol. A informação via Interpol, nos 194 países membros, pode ser disseminada em milésimos de segundo.

Jornal de Angola - Há crianças traficadas fora do país?

Destino Pedro - Recebemos informações das autoridades judiciais e policiais congolesas de que há crianças congolesas traficadas para Angola e vice-versa. Temos informações de crianças congolesas em Angola, que foram traficadas e as autoridades policiais estão a trabalhar nesses casos.

Jornal de Angola - Existe uma rede de prostituição organizada em Angola?

Destino Pedro -  Hoje, basta circularmos por Luanda para nos ­depararmos com cidadãs estrangeiras, de várias nacionalidades, que se prostituem nas ruas. Chegam a Angola em grupos ou aliciadas por indivíduos que tiram dividendos dessa actividade. Conhecemos os locais de prostituição, mas não é fácil levar alguém a tribunal por essa prática, devido à legislação e à complexidade desse tipo de crime.

Jornal de Angola - As queixas de cidadãos vítimas de furto são constantes. Já detectaram viaturas roubadas em Angola noutros países?

Destino Pedro - Já tivemos casos do género. No mês passado, devolvemos uma viatura roubada na Namíbia e que circulava em território angolano. Tivemos casos de viaturas roubadas em Angola que aparecem nos países limítrofes, como o Congo. Temos uma vantagem na região, já que as viaturas roubadas só podem circular nos países do Norte, devido ao Código de Estrada que usamos. Na vigência do antigo Código, tínhamos viaturas com volante à direita roubadas na Namíbia que entravam em Angola com frequência. Hoje, o número é muito limitado.

Jornal de Angola - Até que ponto o Gabinete Nacional da Interpol pode contribuir para a localização de cidadãos foragidos da Justiça?

Destino Pedro - O segundo maior objectivo da Interpol é a localização de fugitivos. Existe uma base de dados, em que são colocados todos os mandados de captura emitidos pelas autoridades competentes. É o caso do mandado de captura internacional emitido por uma Polícia que é difundida na via Interpol. Se eventualmente esse cidadão circular em Angola, podemos proceder à detenção. Há casos de estrangeiros foragidos da Justiça detidos em Angola com base em informações veiculadas pela Interpol.

Jornal de Angola - Pode indicar alguns países onde Angola localizou foragidos da Justiça através da Interpol?

Destino Pedro - Temos, nesta altura, prófugos angolanos no exterior e a Interpol facilita a localização. Ainda não conseguimos trazer nenhum de volta ao país porque não depende apenas da Interpol. O regresso de um prófugo deve decorrer de um processo de extradição que envolve outros preceitos legais.

Jornal de Angola -Um cidadão angolano que cometa um crime no estrangeiro pode ou não ser extraditado para esse país para julgamento?

Destino Pedro - Se o acto que esse cidadão cometeu no estrangeiro é considerado crime em Angola, ele pode ser detido e cumprir a pena em Angola, mas nunca é extraditado para outro país porque a Constituição da República determina que nenhum cidadão angolano pode ser extraditado.

Foto: José Soares

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