terça-feira, 18 de agosto de 2015

Portugal. PONTAL DOIS A ZERO



Miguel Guedes – Jornal de Notícias, opinião

No momento em que lê esta crónica e caso tenha hábitos diurnos quando põe a leitura das suas notícias em dia, é bem possível que troque o português pelo castelhano por breves instantes. Durante o dia de hoje, o PSOE apresenta várias propostas no Parlamento de Espanha sobre a recondução do modelo europeu. Segundo o "El País", a propósito do debate sobre o terceiro resgate grego, os socialistas espanhóis defenderão - à semelhança da teoria do "grupo de vanguarda" franco-italiano de François Hollande que sustenta um salário mínimo concertado e um Parlamento próprio - impostos comuns, salário mínimo e idade da reforma iguais em toda a Europa, subsídio de desemprego harmonizado, um tesouro público comum na UE. Um passo para a união fiscal e para a coesão social.

Em Portugal, quando os novos dados apontam para que um em cada cinco trabalhadores (quase 20%) ganha o salário mínimo nacional de 505 euros mensais, as contas fazem-se a medo. Em 2011, antes da troika, a remuneração mínima era recebida por "apenas" 11,3% dos trabalhadores portugueses. Um aumento de 73,6%, pelo que adianta o Ministério da Economia. Agora, todos são sensíveis à necessidade de aumentar o salário mínimo em 2016 (desde que ficou claro que o salário mínimo grego é superior ao nosso). Em sede de concertação social, este último trimestre trará novidades mas não faltará quem aponte a memória ao último aumento de 2014 para cortar as asas a alguns euros que podiam traçar a diferença entre a subsistência ou a sobrevivência de muitas pessoas. A linha vermelha. A linha vermelha que o PS não parece ser capaz, embora reclame para si a cor, de traçar. E, como tal, ultrapassa-a.

O caso da pré-candidatura presidencial de Maria de Belém é paradigmático de como não é só à esquerda do PS que grassa uma sobranceria de "cada um por si, fim de adágio" onde a coesão é um verbo-de-encher. A afeição dos "excluídos" de António José Seguro e dos "saudosistas" de António Guterres assoma à praia como uma vaga de fundo, vem e não desamarra. Sampaio da Nóvoa parece refém da força de uma maré que não antecipou e que tem embrulhado António Costa num mar-enrola-na-areia que não parece desaparecer da costa arenosa para ganhar novas águas. Como a lei prevê, a decisão do juiz Carlos Alexandre sobre a medida de coacção e consequente permanência de José Sócrates no número 44, será tomada no dia do primeiro debate entre Passos Coelho e António Costa, a 9 de Setembro. Seja qual for a decisão, o debate nunca poderá ser superlativo para Costa porque dessa hipotética vitória-notícia não rezará a história do dia. Costa, debater-se-á com Sócrates e Passos em simultâneo. E convenhamos, Passos Coelho e José Sócrates são dois adversários temíveis se juntos. Com tanto azar e inépcia, depois da polémica dos outdoors, a melhor medida de coacção que António Costa poderia desejar seria reclamar em voz alta. Ou pedir uma prisão domiciliária só para si, obviamente sem culpa formada. E sem atender telefones para não receber piores notícias dos seus companheiros de partido.

Vivem-se tempos mais descontraídos para os lados da maioria como, no final da festa, algumas imagens de Paulo Portas bem ilustram. Para quem já tinha pensado mudar de ares após estas legislativas, as sondagens que colocam a coligação governamental em plano de igualdade técnica com o PS só podem gerar ares de boa disposição entre Passos e Portas. Está tudo no ponto zero, agora de mãos dadas. O que, ainda assim, recomenda alguma contenção e valoração de princípios: não vale mentir descaradamente. O que fizeram e fazem com sucesso é mistificar uma realidade onde, olhos nos olhos, se vê e sente o empobrecimento, o desemprego, a emigração, os baixos salários, o oportunismo e o carreirismo político, a judicialização da política, o primado da finança especulativa, a impunidade dos decisores financeiros e políticos, um crescimento minguado e uma dívida que não pára de aumentar. Com Paulo Portas a fazer o papel de "agitador das águas" no Pontal, a separação que antes se anunciou irrevogável é agora uma festa folclórica de submissão democrata-cristã ao calendário eleitoral. Tal como o Prémio Nobel da Economia, Paul Krugman, alvo de ameaças por parte de alguns alemães que não suportam a ideia de que liderar a UE de forma despótica pode levantar críticas e reparos veementes, os sorrisos que se viram no Pontal são a nossa maior ameaça. Não há nenhum governo no poder na Europa que possa rir assim. Assim como ri a nossa coligação de Governo. Nem Merkel. Por isso é que o PSOE faz pela vida em Espanha, tentando travar a razão do Podemos. Por isso é que peço a quem lê esta crónica que dê um pulo até à primeira frase da mesma. Podemos?

O autor escreve segundo a antiga ortografia

*Músico e advogado

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